Jerónimo de Sousa em Santarém

Intervenção de Jerónimo de Sousa,
Secretário Geral do PCP, no Comício em Santarém

A decisão da CGTP, esta semana anunciada, de convocar uma Greve Geral para o próximo dia 30 de Maio é a resposta necessária aos mais de dois anos de ofensiva do Governo do PS contra os direitos laborais, os interesses dos trabalhadores e os direitos sociais do povo. É uma decisão que não só tem o nosso inteiro apoio como terá, certamente, a adesão de milhares e milhares de trabalhadores portugueses e a aprovação da maioria do nosso povo.
 
Esta é a decisão natural que vem no seguimento de importantes lutas que nos últimos tempos, nomeadamente das grandiosas manifestações de 2 e 28 de Março, deram expressão a um movimento de protesto e oposição a um governo e a uma política que apenas serve o grande capital e despreza as condições de vida e de trabalho da generalidade dos portugueses.
  
Esta é uma decisão que dá expressão ao amplo descontentamento que atravessa a sociedade portuguesa que, crescentemente, toma consciência da importância do protesto e da luta contra a ofensiva global do governo do PS de José Sócrates, pela exigência de uma outra política que respeite as conquistas de Abril e os direitos do povo.

Decisão corajosa da CGTP que afirma que o país e os trabalhadores não estão condenados à aceitação resignada da inevitabilidade da política de direita. Uma decisão inteiramente justa, porque são justas as razões da luta dos trabalhadores e do povo. Na verdade, os trabalhadores portugueses e uma grande parte do nosso povo enfrentam uma situação cada vez mais difícil e largas camadas vivem em situações dramáticas de existência.

O Governo PS/Sócrates, com o aplauso e em cooperação estratégica com o Presidente da República, desenvolve uma acção governativa claramente orientada para a subversão de aspectos essenciais do Estado de Abril e que se traduz numa mudança qualitativa da política de reconstrução e consolidação do poder e do domínio do capital monopolista.

Após dois anos de Governo PS de maioria absoluta a realidade desmente a propaganda. Destruição e deslocalização de empresas: Portugal tem hoje a maior taxa de desemprego dos últimos vinte anos; mais de 600 mil desempregados, mesmo não contando com os milhares de trabalhadores portugueses que voltam a emigrar e a sujeitar-se ao trabalho escravo e sem direitos; o desemprego de longa duração a aumentar assustadoramente, com mais de metade dos trabalhadores no desemprego nesta situação. 

Portugal está na cauda da União Europeia e cada vez mais atrasado. A política de redução do défice a ferro e fogo e do investimento público continuam a conduzir o país pelo caminho da divergência económica e social que, crescentemente, nos distancia dos níveis de desenvolvimento dos outros povos da Europa.
 
Os trabalhadores portugueses têm dos mais baixos salários dos países da União Europeia e preços de serviços e bens essenciais dos mais elevados. É o nosso país que apresenta o pior indicador de trabalhadores pobres na União Europeia a 25. Um terço dos portugueses pobres são trabalhadores e temos das mais elevadas taxas de risco de pobreza da União Europeia entre aqueles que trabalham. Somos o país com menos justiça social e um dos países mais desiguais na distribuição dos rendimentos.

Embora o nosso país seja na União Europeia o que tem a maior desigualdade na distribuição do rendimento (de acordo com os últimos dados do Eurostat , os 20% da população com rendimento mais elevado, têm em Portugal um rendimento 8,2 vezes maior, do que os 20% da população com o rendimento mais baixo), o Boletim da Primavera do Banco de Portugal, que esta semana veio a público, não gasta uma linha a analisar esta situação que constitui um verdadeiro escândalo nem a propor soluções para a sua resolução, mas parece muito preocupado com o facto dos trabalhadores do sector privado nacional terem tido ao longo de 2006 um aumento salarial médio de cerca de 2,5%, apesar da  inflação ter sido de 3,1% isto é, apesar dos salários terem perdido poder compra.

Para o Banco de Portugal, na mesma linha da política de contenção salarial do governo e dos “gurus” da ortodoxia neoliberal, estes aumentos são exagerados e são um obstáculo ao aumento da produtividade no nosso país.

Mais uma vez, estes membros da corte com altas remunerações e mordomias aí estão a defender e justificar a baixa dos salários e a indicar o caminho da flexibilidade laboral que permita ao patronato negociar a redução dos salários e assim aumentar a produtividade. Acham que ainda não chegam os sacrifícios para quem trabalha, sacrifícios sempre para os outros. Querem nivelar toda gente por baixo, pelos aumentos, que o não são, da função pública, que pelo quinto ano consecutivo vê os seus salários congelados.

São os mesmos que glorificaram a entrada do escudo no euro com uma cotação desastrosa para a competitividade da economia portuguesa, como então nós chamamos à atenção, que em vez de assumirem as suas responsabilidades, empurram para cima dos salários responsabilidades que estes não têm.

Porque que é que lá fora os portugueses são produtivos? É porque ganham menos ou será, porque ao contrário do que se passa por cá, se paga melhor, se investe na tecnologia e se aposta na melhoria da organização e gestão das actividades produtivas?   

Mas, interessante é ver como o Banco de Portugal olha para o elevado nível de desemprego do nosso país. Até reconhecem que é alto e que o peso do desemprego de longa duração (51,7%) é preocupante. Mas o que propõem?

Mudar as políticas monetaristas e restritivas que promovem quebras brutais de investimento e do emprego e sufocam a economia portuguesa? Não. Vêm justificar as políticas do governo, que são as suas próprias, e afirmar que é a elevada cobertura financeira do regime de subsídio de desemprego, bem como a significativa duração das suas prestações, que estão a contribuir para a manutenção de um nível considerável de desemprego de longa duração em Portugal. É bom não é, falar de cátedra contra o subsídio de desemprego que nunca terão, garantida que está, em meia dúzia de anos, a sua reforma dourada quando saírem de administradores?!

E apontam um caminho, com a mesma lógica de classe que os empurra para o corte dos salários e para a flexilização do mercado de trabalho, defendendo as alterações ao sistema de atribuição do subsídio de desemprego introduzidas no início de 2007, considerando que elas deverão contribuir para aumentar os incentivos à procura de emprego por parte dos desempregados. Ou seja, para o Banco de Portugal e para o seu Governador, Vítor Constâncio, muitos dos desempregados estão nesta situação porque o subsídio de desemprego que recebem é muito bom e por isso não procuram emprego.

É grande o cinismo daqueles que têm contribuído também para actual atraso do país…

Mas, nestes dois anos de governo do PS não foram só os salários que estiveram na sua mira: aumentou a idade da reforma e diminui o valor das pensões; um terço dos pobres são reformados e pensionistas; novos e mais duros sacrifícios resultaram do agravamento dos impostos dos bens de consumo e dos rendimentos do trabalho, incluindo dos reformados; o aumento das taxas de juro e o endividamento ampliaram as dificuldades e angústias de milhões de portugueses com a complacência e o silêncio cúmplice do governo; cresceu a precariedade dos vínculos e das condições de trabalho e aumentou a instabilidade e insegurança da vida dos jovens.

Os lucros dos grupos económicos e financeiros, esses, sobem todos os anos ao mesmo tempo que se agrava a situação dos trabalhadores e da generalidade da população. Em 2006 os 5 principais bancos nacionais, juntamente com a EDP, a PT, a GALP e a SONAE tiveram 5,3 mil milhões de euros de lucros, mais 14,4% do que em 2005.

Serviços públicos são encerrados e privatizados, criando novas áreas de negócio para os grupos económicos e financeiros. Zonas inteiras do país são abandonadas. Fecham escolas, as crianças deslocam-se vários quilómetros para terem acesso às aulas e desperdiçam uma parte do seu tempo à espera dos transportes. Fecham urgências, as populações têm menos possibilidades de atendimento e morrem pessoas por assistência tardia. Fecham maternidades e mais bebés nascem em casa ou nas ambulâncias, no percurso de dezenas de quilómetros até à maternidade mais próxima.

Assistimos ao corte na comparticipação de muitos medicamentos, ao aumento das taxas moderadoras e à criação de novas taxas para os internamentos nos hospitais e actos cirúrgicos que se irão traduzir num novo agravamento nos custos de saúde para as populações.

A saúde com este Governo do PS transformou-se, de facto, num preocupante problema nacional. Um problema sentido por milhares e milhares de portugueses, como muito bem o expressa a campanha do PCP em defesa do Serviço Nacional de Saúde com o lema “A saúde é um direito, não é um negócio” e que esta semana culminou com a entrega de mais de 100 mil assinaturas em defesa do Serviço Nacional de Saúde. A todos aqueles que connosco estiveram e estão nesta batalha importante em defesa do SNS, a todos os camaradas e amigos que se empenharam na recolha de assinaturas, apresentamos as nossas saudações, certos também que não baixarão os braços na continuação da defesa dessa tão importante conquista de Abril.

E, a continuação dessa luta é imprescindível porque o actual governo do PS tem realizado a política mais à direita desde o 25 de Abril na saúde e nas outras áreas de serviços públicos que asseguram os direitos sociais consagrados na Constituição.

Esta campanha que por todo o país realizámos confirma o que o PCP vem denunciando como sendo o maior ataque ao SNS desde a sua criação. A promiscuidade entre o público e o privado vai crescendo e cada vez mais os privados se vão apoderando da prestação dos cuidados de saúde, enquanto a política do medicamento vai oscilando de acordo com os interesses ora da indústria ora das farmácias, em prejuízo das pessoas que gastam cada vez mais em medicamentos.
Por mais elaborada que seja a retórica do Primeiro-Ministro e do Ministro da Saúde já não lhes é possível esconder o que há muito temos vindo a denunciar: a sua política de saúde está ideologicamente marcada pelo compromisso de destruir o Serviço Nacional de Saúde e abrir espaço para que os grupos privados o substituam.

Esta é que é a grande opção estratégica do governo do PS para a saúde secundada pelo Presidente da República, como se verificou no seu contentamento na inauguração de um hospital privado de luxo.

A demonstrar isto mesmo, aí estão as declarações do responsável máximo em Portugal de uma companhia de seguros multinacional referindo-se aos seguros de saúde e cito: «As medidas do governo na área da saúde estão a potenciar o crescimento do mercado». É claro como água e só o governo é que insiste em atirar areia para os olhos dos portugueses, afirmando que está com o pensamento na melhoria da qualidade dos serviços de saúde.

O governo fechou maternidades porque não faziam 1500 partos por ano, fechou SAPs porque atendem menos de 20 pessoas por noite. O que o governo não diz é que por cada serviço público de saúde que encerra, logo surgem de imediato os privados a ocupar o espaço abandonado pelo Estado. Veja-se o que vai para aí de pedidos de licenciamento e também de inaugurações!

É hoje uma realidade indesmentível que, na Europa, os portugueses são quem mais paga despesas de saúde directamente do seu bolso. Para o governo tudo se resume a uma tese muito do agrado dos arautos do neoliberalismo: “Quem quer saúde paga-a!”.

Cego e surdo às aspirações dos trabalhadores e das populações, o Governo PS pretende nos próximos tempos alargar e aprofundar a ofensiva.

Procura acelerar o encerramento de novos serviços na educação, esquadras da PSP e postos da GNR, tribunais e em outras áreas como a das estruturas descentralizadas da administração pública.

Quer, durante a Presidência Portuguesa da União Europeia e chamando-lhe flexigurança, fazer avançar a liberalização dos despedimentos individuais sem justa causa e a possibilidade da decisão arbitrária pelo patronato sobre os horários de trabalho, remunerações, funções, carreiras e condições de trabalho, visando instalar a “lei da selva” nas empresas e locais de trabalho.

O Governo dá um péssimo exemplo com a generalização da precariedade na Administração Pública e o PS, aplaudido pelo PSD e pelo CDS-PP, acaba de aprovar uma lei sobre o trabalho temporário que visa legalizar a ilegalidade das novas praças de jorna e das empresas sem quadro de pessoal. É verdade que a direita tentou, mas foi e é o PS, o mesmo partido que há anos atrás abriu a primeira fenda no edifício jurídico-laboral com a lei dos contratos a prazo, que concretiza e concretizou leis laborais injustas.

A precariedade é uma praga social do nosso tempo. Mais de um milhão de trabalhadores tem vínculos precários, situação que atinge mais de meio milhão de jovens. Os contratos a prazo, os recibos verdes, a prestação de serviços, as bolsas de investigação, os apoios de inserção, o trabalho temporário, são algumas das figuras que servem para eternizar a situação de precariedade e trás no bojo o objectivo da submissão à exploração.

A precariedade dos vínculos laborais é a precariedade da vida. A independência dos jovens, a organização de vida própria e a constituição de família são fortemente afectadas. Ter filhos, para os casais jovens nesta situação, é uma opção difícil e muitas vezes adiada. O acesso à habitação é em muitos casos uma impossibilidade.

Portugal está aprisionado pelos interesses dos grupos económicos e financeiros, cujos lucros aumentam todos os anos, à custa dos sacrifícios da maioria do povo e do comprometimento do desenvolvimento do país.

Os trabalhadores, as novas gerações, são seres humanos com dignidade e direito a uma vida melhor, não podem ser peças descartáveis na engrenagem da exploração e do lucro, ou serem simplesmente tratados como números estatísticos.

É, neste quadro, que sob o lema «Basta de injustiças - Mudar de política para uma vida melhor» o PCP lançou uma «campanha nacional contra a precariedade, pela defesa dos direitos e condições de vida dos trabalhadores e das populações» e que aqui nos reúne também neste comício que é de denúncia e de luta. Com esta Campanha, o PCP pretende afirmar que não estamos condenados ao declínio nacional, às injustiças sociais, ao comprometimento do futuro das novas gerações e do país, que, após dois anos de Governo PS, é necessário mudar de rumo e de política.

Afirmar a nossa luta por uma política diferente, uma nova política, nomeadamente em torno de quatro aspectos essenciais:

- Pelo desenvolvimento económico, o fortalecimento do aparelho produtivo, a criação de postos de trabalho e a protecção aos desempregados, contra as privatizações, as deslocalizações e o desemprego;

- Pelo trabalho com direitos, para que a um posto de trabalho permanente corresponda um contrato de trabalho efectivo, contra a praga social da precariedade, do trabalho temporário, dos falsos recibos verdes. Pela contratação colectiva contra a extinção dos contratos colectivos de trabalho. Pela defesa do direito ao trabalho e dos vínculos contra a flexigurança, essa palavra manipuladora que pretende encobrir o sinistro e velho projecto da arbitrariedade dos despedimentos individuais sem justa causa e da arrogância patronal na fixação de horários, remunerações e funções;

- Por melhores salários e melhores condições de vida, contra as injustiças e desigualdades sociais;

- Por uma Administração Pública eficaz ao serviço do povo e do país, serviços públicos de qualidade. Pelo direito à saúde, contra a destruição do SNS. Pela Escola Pública, gratuita e de qualidade, contra a degradação e privatização do ensino. Por um Sistema Público de Segurança Social universal e solidário. Pelo desenvolvimento harmonioso, contra o encerramento do interior e a degradação da qualidade de vida nos centros urbanos.

A campanha que agora temos em marcha exige, mais uma vez, o empenhamento de todos no contacto com os trabalhadores e as populações, na preparação e dinamização de encontros, sessões, debates, comícios e de um vasto programa de iniciativa que o PCP vai levar para a frente em todo o país.

Campanha que queremos tenha forte presença e iniciativa nas instituições como a que tomámos na Assembleia da República, ao propor um plano de emergência para a resolução dos pedidos de inspecção pendentes na Inspecção-Geral do Trabalho para tratar de todas as situações que a insuficiência de meios tem deixado para trás, alimentando a ilegalidade e a impunidade na violação dos direitos dos trabalhadores. O PS votou contra! Mas não pense que a força do voto substitui a força da razão e da justiça.
O PCP afirma que há outro caminho e que, com esperança, determinação e confiança, alcançaremos um futuro melhor para os trabalhadores e o povo português.

O momento exige o desenvolvimento da luta dos trabalhadores, dos jovens, dos reformados, das populações, de todo o povo português. Uma luta que é protesto, uma luta que é afirmação de dignidade, uma luta que é um acto quotidiano de construção do futuro.

Quando se aproximam datas simbólicas da luta e de avanços progressistas, salientamos o significado das comemorações do aniversário da Revolução de Abril e apelamos aos trabalhadores e ao povo português para fazer do 1º de Maio de 2007 uma grande afirmação da força dos trabalhadores e do povo português.

Quando os problemas nacionais exigem uma forte e ampla resposta de massas e se trabalha já para que a Greve Geral seja um êxito apelamos, mais uma vez, aos trabalhadores ao povo português para que façam deste dia de greve, deste dia de luta uma indesmentível exigência de interrupção da política de injustiça social e desastre nacional que, há décadas, vem sendo praticada, um inequívoco sinal de descontentamento e uma profunda exigência de mudança de política.

Quando se aproxima a presidência portuguesa da União Europeia e novos riscos de comprometimento da soberania nacional e de reforço da ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e dos povos da Europa, salientamos a importância das acções já decididas no plano social e no plano político para lhe dar combate.

Há 33 anos, com Portugal mergulhado na repressão, na privação da liberdade e da democracia, na guerra ou na emigração massiva, na miséria, nas mais gritantes injustiças sociais, no atraso e no analfabetismo a que o regime fascista o tinha conduzido, a Revolução de Abril abriu caminho a anos de alegria, progresso, desenvolvimento, melhoria das condições de vida.

Nos últimos 30 anos sucessivos governos do PS, PSD e CDS-PP, combatendo os valores de Abril, têm vindo a comprometer o futuro do país, conduzindo-o aos graves problemas da actualidade.

Portugal precisa de outro rumo, precisa de retomar neste, início do Século XXI, o projecto de democracia e desenvolvimento económico e social que a Revolução de Abril inscreveu na Constituição da República Portuguesa. As nossas propostas comportam em si mesmo a defesa do regime democrático na vertente da democracia social.
 
Perante a grave situação do país dirigimo-nos aos trabalhadores, ao povo e à juventude para que alarguem o seu apoio ao PCP, à sua luta e ao seu projecto. Por uma vida melhor, por um Portugal com futuro.