Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

IVA a 23% - Liquidação de centenas de Micro e Pequenas Empresas

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Declaração política contra o aumento do IVA na restauração e as suas consequências na economia
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Até ao dia de ontem, 15 de maio, a grande maioria das empresas de restauração e as pequenas empresas de outros sectores com 650 000 € de faturação liquidaram, ou não, o IVA do primeiro trimestre.
Os impactos desta liquidação do IVA a 23% na tesouraria dessas empresas, depois de três meses de brutal redução do volume de negócios e de esmagamento das margens comerciais, poderá ser o golpe fatal e final na sua já difícil sobrevivência.
De facto, obedecendo cegamente às orientações do pacto de agressão subscrito pelo PS, pelo PSD e pelo CDS-PP com a troica, o Governo, no Orçamento do Estado para 2012, agravou de 13% para 23% a taxa do IVA aplicada no sector da restauração, o que correspondeu a um agravamento de 77% do imposto.
No decorrer do processo de discussão do Orçamento do Estado, várias foram as vozes que se opuseram a este agravamento fiscal num sector extremamente sensível, no plano interno, à perda de rendimento da generalidade dos trabalhadores portugueses e, no plano externo, às alterações de preço, tendo em conta a importância da restauração na competitividade/atratividade da oferta turística nos mercados internacionais.
São conhecidas as propostas feitas pelo Grupo Parlamentar do PCP, em sede do debate orçamental, contra este agravamento fiscal.
Srs. Deputados, se a generalidade dos portugueses ganhasse os salários dos presidentes e outros gestores das empresas da Bolsa de Valores de Lisboa/PSI 20, que aumentaram, apesar da crise, 5,3%, em 2011, «outro galo cantaria»!
Assim, só a restauração de luxo não será afetada, como, aliás, aconteceu com o comércio dos carros de topo de gama nos primeiros meses do ano, em contraposição com que acontecei com os utilitários. A Porsche, por exemplo, teve «apenas» um aumento de 92% das unidades vendidas.
Mas não. Como os salários dos trabalhadores das empresas do PSI 20 (e com os restantes assalariados a situação é pior) desceram no mesmo período 11%, em salários 44 vezes menores que os dos gestores (e ainda há, Srs. Deputados, quem diga que os sacrifícios são igualmente repartidos!), as consequências das perdas de poder de compra são terríveis para a restauração, com a degradação do poder de compra dos portugueses, que acumula também com a redução e o congelamento das pensões; o roubo do 13.º e 14.º meses; a «punção» fiscal no IRS e no IVA; o aumento dos preços da energia; o aumento das tarifas nos transportes; o aumento dos custos de acesso à saúde, etc., etc., e muitas outras malfeitorias do pacto de agressão da troica e do Governo PSD/CDS-PP.
A queda a pique do poder de compra da generalidade dos portugueses só ainda não teve consequências mais acentuadas na restauração porque muitos estabelecimentos não fizeram refletir o aumento do IVA no preço final pago pelos consumidores.
Mas isto tem graves implicações na sua tesouraria, onde pesam também os problemas com a subida dos preços da energia e as imposições e negativas da banca no acesso ao crédito. Segundo dados da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), a crise e o agravamento do IVA poderão conduzir à extinção de 47 000 postos de trabalho e ao encerramento de 21 000 estabelecimentos, só em 2012!
Nos dois primeiros meses deste ano, o número de insolvências no sector sofreu um agravamento de 68%. Se compararmos com o mesmo período de 2010, concluímos que o agravamento atingiu 174%.
Srs. Deputados, vamos continuar a assistir ao massacre das micro e pequenas empresas da restauração e de muitos outros sectores pela mão dos grandes patronos e pseudodefensores das pequenas empresas.
Vai pouco mais de um ano que PSD e CDS-PP — na oposição, diga-se — eram um desvelo, um carinho, uma atenção permanente sempre com o santo nome das PME na boca!
Aumento da carga fiscal?! Nunca, jamais, em tempo algum!
Crédito? A Caixa Geral de Depósitos deveria dar o exemplo e a prioridade deveriam ser as PME!
Agora, a Caixa Geral de Depósitos anda entretida com a oferta pública de aquisição (OPA) do Grupo José de Mello e o Governo não pode dar orientações à Caixa Geral de Depósitos!
Energia!? Era um escândalo a afetar a competitividade das nossas empresas!
Fundos comunitários? Tudo e em força para as PME!
Hoje, no Governo e na maioria na Assembleia da República, é a amnésia total do PSD e do CDS-PP! Amnésia, aliás, que, como vimos há bem pouco tempo, toca também o PS, que já se esqueceu completamente daquilo que fez enquanto esteve no governo, bem recentemente!
Srs. Deputados, nem sequer o IVA de caixa, anunciado pelo Primeiro-Ministro em setembro, em debate quinzenal, como medida imediata para responder às dificuldades de tesouraria, apareceu.
Aliás, contrariamente ao que disse aqui o Sr. Primeiro-Ministro num debate recente, os reembolsos do IVA continuam a ser feitos com atraso.
É extraordinário, que inteiramente à semelhança do governo PS/Sócrates, não se queira enxergar a realidade.
A Sr.ª Secretária de Estado do Turismo, presente na tomada de posse dos novos órgãos da AHRESP, no dia 27 de abril, apesar de interpelada sobre o aumento do IVA para 23% e o fosso competitivo face a parceiros europeus, conseguiu o milagre, porque de um milagre se trata, de em cerca de 20 páginas de prosa não tocar no assunto, nem apenas para reconhecer a gravidade brutal do problema.
Srs. Deputados, todos estaremos de acordo com a gravidade do afundamento económico deste sector nos seus diversos impactos: no turismo, a nossa principal exportação; no escoamento da produção agroalimentar e na valorização da produção nacional; no emprego. Serão mais umas dezenas de milhares de desempregados, a juntar aos que hoje o INE anunciou: 1 244 400 portugueses desempregados! Só no sector do comércio e restauração, no primeiro trimestre deste ano perderam-se 21 000 postos de trabalho.
É necessário interromper este caminho suicida. É necessário renegociar a dívida e romper com políticas que só servem o capital financeiro, o grande capital nacional e multinacional. É necessário optar por uma política de crescimento e emprego.
Sobre o tema que trouxe a debate, é possível, Srs. Deputados, responder no imediato. Face à grave situação da restauração e aos seus impactos na vida dos portugueses, assim como na atividade económica em geral, o Grupo Parlamentar do PCP propõe a reposição imediata da taxa de IVA de 13% nos serviços de alimentação e bebidas. Nesse sentido, entregámos, hoje, na Mesa da Assembleia um projeto de lei.
Srs. Deputados do PSD, do CDS-PP e também do PS, não basta dizer que estão preocupados com a brutalidade e o drama do desemprego. Aprovem o projeto do PCP e darão certamente um contributo, um pequeno contributo, para travar a onda avassaladora e destruidora do nosso País que é o brutal crescimento do desemprego.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Acácio Pinto,
Poderia começar pelo final da sua questão e perguntar-lhe o seguinte: se estão com a economia, se estão com as empresas, porque é que não estiveram durante seis anos?
Sr. Deputado Acácio Pinto, gostaria de ter ouvido o PS — sobretudo, depois da intervenção proferida pela Deputada Hortense Martins sobre o IVA da restauração — dizer que estava de acordo connosco relativamente à baixa da taxa do IVA de 23% para 13%.
Pergunto-lhe, pois: vão aprovar o nosso projeto de lei nesse sentido?
Certamente que vão provar!
Sr. Deputado Acácio Pinto, essa verdadeira cassette de que derrubámos o governo do PS com a nossa votação no PEC 4…
Podemos dizer que é um bordão que utilizam porque não sabem mais o que hão de dizer.
É que, de facto, o PCP não votou apenas contra o PEC 4; votou contra o PEC 1, contra o PEC 2, contra o PEC 3 e contra o PEC 4!
Ouçam, ouçam!
E votou contra o pacto de agressão que contém todas as políticas que estão nestes PEC!
Votou contra o aumento da carga fiscal, a alteração da legislação laboral, as privatizações e até contra a reforma da organização administrativa que vocês agora contestam e que vocês aprovaram!
Aliás, até ao PEC 4, altura em que o PSD julgou que podia chegar ao Governo, como chegou, vocês tiveram sempre o apoio do PSD! E tiveram o apoio do PSD porque as políticas do PEC 1, do PEC 2, do PEC 3
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Pedro Saraiva,
Anoto as vossas preocupações com o setor, mas faltam as medidas para responder a essas preocupações, como são as do desemprego. E seria bom, aliás, transmitirem essas preocupações à Sr.ª Secretária de Estado do Turismo, que, pelos vistos, não as tem, atendendo à intervenção que fez na tomada de posse dos órgãos da ARESP (Associação de Restauração e Similares de Portugal).
Sr. Deputado, quando se vai a conduzir um veículo — o PSD e o CDS estão a conduzir o Governo do Estado português — e se percebe que se vai contra uma parede alguma coisa se deve fazer, porque, senão, há um acidente, e vocês estão, exatamente, nessa situação.
É que se está a verificar o agravamento de toda a situação económica do País, num ciclo absolutamente sem saída. Basta ver os números de desemprego, que, aliás, são um desmentido daquilo que disse no sentido de que os resultados estão em linha com as previsões do Governo. Não estão! Os dados de desemprego já estão 0,4 pontos percentuais acima daquilo que o Governo previa!
Portanto, verificando-se o desastre que está em curso com o agravamento de todos os dados (nem as vossas previsões são sucessivamente desmentidas a cada anúncio do INE), por que razão não pensam um pouco e não mudam de direção ou de sentido na marcha que tomaram, por exemplo relativamente ao problema do IVA na restauração?
Sabem, de certeza certa, o que é que isso vai significar no setor, em matéria de liquidação de micro e pequenas empresas — vocês andavam sempre com elas na boca. Sabem que, decorrente dessa liquidação, isso vai produzir acréscimo de desemprego, e não tomam medida alguma sobre a matéria!
É necessário, de facto, tomar medidas e é possível tomá-las, por exemplo alterando o regime do IVA nesse setor.
Porque não fazê-lo? O que vos impede de o fazer?
O Sr. Deputado não gosta da expressão «pacto de agressão», mas estamos, de facto, perante um pacto de agressão aos trabalhadores, à imensa maioria dos portugueses, dos reformados, dos cidadãos de mais baixos recursos económicos. Na minha intervenção referi-o, e o Sr. Deputado podia fazer alguma reflexão sobre isto e tirar algumas conclusões.
Se os gestores e os presidentes das empresas do PSI 20 aumentaram os seus salários em 5% num ano de profunda crise, como foi o de 2011, e se os trabalhadores dessas empresas tiveram uma descida nos seus salários de 12% (tendo salários que são 44 vezes inferiores aos dos seus gestores), o Sr. Deputado devia concluir uma coisa: o Memorando da Entendimento é, provavelmente, um pacto de salvação para os banqueiros e para o grande capital português, mas é um pacto de agressão contra os trabalhadores portugueses.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Pedro Filipe Soares,
Agradeço a sua pergunta e respondo-lhe que é uma evidência que aquilo que está a acontecer na restauração, fruto de várias situações que convergem — a brutal perda de poder de compra e o agravamento fiscal —, produz aquilo que é inevitável, que é a insolvência, a falência de milhares de micro e pequenas empresas. Estamos a tratar de um setor com, generalizadamente, empresas familiares, que são micro e pequenas empresas, pelo que a consequência destas falências é, naturalmente, o crescimento do desemprego. Não há dúvidas alguma disso.
Aliás, os números hoje anunciados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que a restauração está a dar um forte contributo para o brutal agravamento do desemprego em Portugal. A situação agravar-se-á a partir de 15 de maio, altura em que a tesouraria destas empresas vai ser fortemente fragilizada pelo pagamento — vamos ver, muitas, provavelmente, não conseguirão pagar — do IVA relativo aos primeiros três meses de 2012.
Depois, é uma evidência que não só esta política não é inevitável como há políticas alternativas, como há muitos meses, há muitos anos, vimos insistentemente a expor nesta Assembleia da República. É possível prosseguir outro caminho, mesmo numa questão tão parcelar como a do IVA da restauração, tomando as medidas necessárias para corrigir um valor de IVA que, de forma clara, tanto penaliza internamente o País, como também fragiliza algo que o Governo e a sua maioria dizem ser uma das grandes saídas da crise, que é a exportação. Estamos a falar dos imensos prejuízos para o turismo decorrentes desta taxa de IVA, quando comparamos com taxas, em Espanha, de 11% ou, em França, de 7%. Calculem que até na Irlanda, também intervencionada pela troica, o IVA para a restauração é de 9%, tendo sido uma decisão tomada em julho passado.
Portanto, há outros caminhos, assim o Governo e a maioria queiram privilegiar, de facto, a economia e a salvação das empresas, queiram travar este crescimento do desemprego arrancando para a formação de condições para a criação de postos de trabalho em todos os setores da nossa economia.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,
A alternativa é, naturalmente, a política que várias vezes temos referido, começando na própria renegociação da dívida, que é uma questão absolutamente decisiva. Passa também pela aposta na produção nacional, mas essa aposta não é apenas a aprovação de projetos de resolução a favor da produção nacional nesta Casa, é intervir relativamente ao tecido económico e produtivo do País, criando condições para defender a produção nacional. Nesta matéria, por exemplo, o Governo nada faz. As empresas estão a ser completamente destruídas pela falta de crédito. O que faz a Caixa Geral de Depósitos, o principal banco português, o banco público, o banco que pode ser conduzido por políticas públicas? Fornece financiamento à especulação de um grande grupo financeiro português para uma OPA à Brisa.
O que faz o Governo relativamente a este problema da carga fiscal, que atinge setores como o da restauração, mas também muitos outros setores e a generalidade das micro, pequenas e médias empresas?
Há bocado, o Sr. Deputado Pedro Saraiva colocou-me um conjunto de questões, mas eu queria, por exemplo, perguntar-lhe o seguinte: porque é que não concretiza o Governo a medida — deve ser possível fazê-lo, mesmo face ao pacto de agressão feito com a troica — do IVA de caixa, que o Primeiro-Ministro anunciou aqui em setembro como resposta aos problemas de tesouraria das pequenas empresas? Porque é que não o concretiza? Porque é que não é feita a devolução atempada dos reembolsos do IVA à generalidade da economia portuguesa?
Porque é que, em matéria de energia, o Governo, que foi tão pronto e tão rápido a aumentar a taxa do IVA sobre a eletricidade e o gás natural, fazendo-o em setembro para apanhar ainda o último trimestre de 2011, não tomou as medidas necessárias — e vamos a caminho de um ano de Governo — relativamente às taxas, aos lucros, às rendas excessivas que a EDP e as outras empresas do sistema electroprodutor têm? Segundo a avaliação do próprio Governo, a EDP tem rendas, lucros excessivos anuais de 370 milhões de euros. Aliás, ninguém do Governo, nem o Secretário de Estado da Energia nem o Sr. Primeiro-Ministro, questionado um dia destes pelo Secretário-Geral do PCP, Jerónimo de Sousa, respondeu ainda a esta questão central.
O Governo, que foi capaz de ir buscar os cêntimos, os tostões aos reformados, aos desempregados, a todos aqueles a quem a segurança social tinha pago erradamente alguns apoios, vai fazer a EDP e as outras empresas do sistema electroprodutor português devolverem as rendas excessivas que andaram a cobrar ao longo destes anos? Desde 2005, será cerca de 300 € a cada português, isto é, o consumo de uma família média portuguesa em energia elétrica durante um ano. Quando é que o Governo vai fazer com que a EDP e as outras empresas devolvam esta verba apropriada pela EDP, ou seja, fazer aquilo que o Governo fez na segurança social relativamente aos pobres deste País?

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