Pergunta ao Governo N.º 1360/XII/3.ª

IPDJ utilizado como comissão de angariação de jovens voluntários (trabalhadores gratuitos) para empresas privadas

IPDJ utilizado como comissão de angariação de jovens voluntários (trabalhadores gratuitos) para empresas privadas

O festival de música organizado pela Better World, chamado “Rock in Rio” é um evento comercial, promovido por uma entidade empresarial privada, com vista à promoção de marcas comerciais. É, no essencial, um evento de comunicação e publicidade, com o intuito de angariação de lucro, através da organização de concertos musicais e outras actividades. Não tem esse evento qualquer espécie de cariz associativo, inserindo-se na melhor das hipóteses numa linha de evento com uma dimensão caritativa, na medida em que afecta uma ínfima percentagem dos seus avultados lucros a algumas acções de caridade.
O Governo, nomeadamente através do IPDJ e do Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, terão assinado um protocolo que visa promover aquilo a que chama “voluntariado” para que jovens portugueses trabalhem sem pagamento nesse evento, assim prestando um
serviço não pago a uma empresa que lucra objectivamente com esse serviço. Ou seja, não há nenhuma proximidade entre “voluntariado” e “exploração”, porque o primeiro significa a inexistência do segundo. Ou seja, no momento em que o “voluntariado” é utilizado como
“escravatura” encapotada, perda toda a dignidade do termo e da acção que lhe está subjacente.
O “voluntariado” implica a não apropriação da mais-valia gerada pelo trabalho e a sua doação pelo trabalhador a uma causa ou a um conjunto de pessoas. O que existe no evento em causa não é, pois, em nada semelhante a voluntariado pois a mais-valia gerada pelo trabalho dos jovens é correspondente à totalidade do valor gerado pelo seu trabalho e é integralmente apropriada pela organização do evento comercial. Assim, é na realidade uma relação laboral sem lugar a pagamento.
Se é grave que as empresas que visam obter mais e mais lucro estejam disponíveis para corroer a dignidade do real voluntariado e que explorem jovens sob a ilusão desse termo, muito mais grave é o Governo assumir responsabilidades com o recrutamento desses jovens e
contribuir para reconhecer esse trabalho gratuito como elemento curricular. É grave porque, se o recrutamento sob falso pretexto de voluntariado é um acto censurável quando tem origem numa empresa privada que o utiliza simultaneamente como golpe publicitário e como instrumento para recrutamento de trabalho não pago, esse acto torna-se absolutamente inaceitável quando tem oapoio do Governo que deve proteger os jovens desse tipo de exploração. Além disso, é inaceitável que o Governo coloque o Estado ao serviço de eventos privados e comerciais, utilizando meios próprios para fazer recrutamento, como é o caso da página de internet www.juventude.gov.pte do próprio Instituto Português do Desporto e da Juventude. É inaceitável que o Governo utilize o Estado como um patrocinador de eventos privados e promotor de marcas.
O tipo de voluntariado em causa constitui claramente um aproveitamento imoral do trabalho dos jovens, com o contributo do próprio Governo para branquear essas intenções. Vejamos o conjunto das actividades para as quais o Governo recruta jovens para trabalhar sem pagamento:
Acreditação
Área VIP
- Pórtico
- Interior
- Entradas
- Comercial
Backstage
- Palco do Mundo
- Palco Vodafone
- Eletrónica
-Rock Street
-Street Dance
Comercial e Marketing
Comunicação
- Gabinete de Imprensa
- Redes Sociais
- Fotógrafos
- Passatempos eMeet & Greets
Espaços Radicais e de Diversão
- Slide
- Roda Gigante
Gestão de Público
- Entradas
- Mobilidade Condicionada
- Ponto de Informação
Produção
- Geral
- Ambiente
Projeto Social
- Ação Guitarras
- 3R6 Resíduos
- Carbono Zero
- Bicicletário
Voluntariado
- Produção
- Comunicação
- Coordenação
Este conjunto de actividades carece inclusivamente de formação, o que também demonstra aexigência das tarefas e o conteúdo, mas ao mesmo tempo releva a diminuição de custos que a empresa que organiza o evento consegue por essa via. O Sr. Secretário de Estado do Desporto e da Juventude afirmou na Comunicação Social: «"Depois de uma experiência destas, os jovens adquirem novas competências”, explicou. "Sendo o voluntariado um espaço de aquisição de saberes, estas atividades devem ser reconhecidas e certificadas, para que esta aquisição de conhecimentos e competências possam ser legitimamente reconhecidas pela sociedade", indicou o governante. A ideia é que "sejam também, do ponto de vista concreto e prático, uma mais valia para o enriquecimento pessoal e curricular dos jovens."».
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português não aceita que o Estado seja utilizado como uma comissão de angariação de trabalhadores gratuitos para empresas que, a pretexto da cultura e da construção de um mundo melhor, exploram a cultura e os jovens para angariar lucros milionários.
Assim, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais em vigor, requeiro a V. Exa se digne solicitar ao Governo, através do Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, respostas às seguintes perguntas:
1.Que medidas vai o Governo tomar para impedir a prestação de trabalho não pago a pretexto de “voluntariado” em eventos comerciais privados, nomeadamente fazendo uso de jovens?
2.Que medidas vai o Governo tomar para tratar, no âmbito da fiscalização das actividades económicas e do trabalho, os eventos comerciais privados como qualquer outra actividade empresarial privada, nomeadamente no que toca à obrigatoriedade da existência de vínculo
contratual, dada a natureza das tarefas, com horário e hierarquia interna?
3.Que medidas vai o Governo tomar para assegurar que o Governo não apoia nem recruta jovens para favorecer empresas privadas que visem explorar gratuitamente o seu trabalho?
4.Em que medida considera o Governo que é legítimo certificar o “voluntariado” no backstage ou no acolhimento de visitantes, na gestão de público, na roda gigante, como fotógrafos, no âmbito curricular quando o mesmo Governo não reconhece nem certifica os milhares de horas de voluntariado real levado a cabo por dirigentes e associados no Movimento Associativo Popular, nas instituições culturais do país e outras que prestam serviço desinteressado às populações?
5.Que “saberes” e “competências”, que “conhecimentos” específicos considera o Governo que serão adquiridos pelos jovens explorados sem remuneração, de acordo com as palavras do Secretário de Estado do Desporto e da Juventude?
6.Tendo em conta que existirá prestação de trabalho por jovens recrutados como voluntários, tem o Governo conhecimento de qual será o destino da riqueza gerada pelos jovens? E que medidas tomará o Governo para assegurar que a riqueza gerada pelo trabalho desses jovens
não integrará o lucro da organização e das empresas detentoras das marcas promotoras do festival, assim comprovando que não se trata de voluntariado mas de apropriação indevida do resultado do trabalho alheio?

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