Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Introduz alterações ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, ao Código do Imposto do Selo e à Lei Geral Tributária

(proposta de lei n.º 96/XII/2.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais,
Começou a sua intervenção falando na equidade social, no princípio da equidade, na justa e equitativa distribuição dos sacrifícios. Entende-se a razão pela qual o fez: porque pretende passar a ideia — a falsa ideia — de que existe uma justa repartição dos sacrifícios entre os rendimentos do trabalho e os rendimentos do capital.
Mas o que o Sr. Secretário de Estado não disse aqui, nem o Governo diz na exposição de motivos da proposta de lei, é quanto é que o Estado conta arrecadar com cada uma das medidas que o Sr. Secretário de Estado apresentou.
Na quarta-feira da semana passada, o seu colega Secretário de Estado do Orçamento disse que estas medidas mais os cortes na despesa representariam 0,2% do PIB, ou seja, em números redondos, 340 milhões de euros. Nesse mesmo dia, à tarde, o Ministro de Estado e das Finanças falou já em 0,3% do PIB, ou seja, 500 milhões de euros.
Gostaríamos de saber, perante esta discrepância dos números apresentados pela equipa do Ministério das Finanças, qual é a receita estimada com estas medidas para 2012 e para 2013.
Sr. Secretário de Estado, pedimos-lhe que apresente essa estimativa de forma desagregada, dizendo para cada uma das medidas que enunciou qual a estimativa de receitas ainda para 2012 e também para 2013. Só nessa altura poderemos comparar o impacto destas medidas com o impacto das medidas sobre os rendimentos do trabalho.
Mas há uma outra questão que temos que colocar-lhe, que tem que ver com o Estatuto dos Benefícios Fiscais. O artigo 49.º deste Estatuto diz, como o Sr. Secretário de Estado sabe, que ficam isentos de IMI os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário. Esta é uma questão que não é abordada na proposta de lei, pelo que se criou uma ambiguidade.
É verdade que, na proposta de lei, os prédios com valor patrimonial tributário superior a 1 milhão de euros são taxados em sede de imposto do selo e não de IMI, mas não é menos verdade, Sr. Secretário de Estado, que a proposta de lei remete para o Código do IMI todas as matérias não reguladas no Código do Imposto do Selo.
Manifestamos, pois, aqui, uma dúvida e uma ambiguidade: pretende ou não Governo que a isenção prevista no artigo 49.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais se aplique a esta medida de tributação dos prédios com valor patrimonial tributário superior a 1 milhão de euros? Se a resposta for negativa, no sentido de que não haverá isenção, pergunto-lhe porque é que a proposta de lei não diz claramente que esta medida não isenta as situações referidas no artigo 49.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Trata-se de uma questão que gostaríamos de ver aqui esclarecida.
São estas as perguntas que lhe deixo, às quais peço que dê respostas claras e diretas.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Disse o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que as medidas anunciadas de tributação de capital renderão, este ano e no próximo ano, 500 milhões de euros. Sr. Secretário de Estado, isto é uma gota de água quando comparado com a tributação sobre os rendimentos do trabalho. Conclusão: não há equidade na repartição de sacrifícios.
O Sr. Secretário de Estado também não clarificou a questão da isenção dos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário. Deixamos aqui o desafio, ao Governo e aos Deputados da maioria, para se incluir na proposta de lei, em sede de especialidade, de forma explícita, que os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário não estão isentos desta taxa.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Discutimos hoje uma proposta do Governo de tributação dos rendimentos do capital e da propriedade. Esta iniciativa do Governo peca por ser tardia e peca por ser muito, muito, tímida. É tardia, porque tais medidas já poderiam, e deveriam, ter sido implementadas no passado, tal como o PCP, por diversas vezes, propôs, particularmente no que respeita à tributação do património imobiliário de luxo. É muito tímida, porque deixa de fora rendimentos de capital que têm sido pouco ou nada tributados, porque mantém isenções e benefícios fiscais absolutamente injustificados e imorais, porque permite que a tributação efetiva da banca e dos grupos económicos com lucros elevadíssimos se mantenha a níveis bem mais baixos que a tributação das micro e pequenas empresas.
A atual iniciativa do Governo, para não ser quase um faz-de-conta, teria de ser acompanhada de outras medidas, tais como, por exemplo: a criação de uma taxa aplicável a todas as transações realizadas nos mercados financeiros; a eliminação das isenções do IMI e do IMT sobre imóveis integrados em fundos de investimentos imobiliários; a eliminação de um alargado conjunto de benefícios fiscais em sede de IRC (tal como a diminuição do período de reporte de prejuízos fiscais); a tributação em sede de IRC das mais-valias mobiliárias de sociedades gestoras de participações sociais ou de fundos de investimento; e, claro, a limitação do regabofe fiscal na Madeira. A pergunta que lhe coloco é se o Governo vai implementar estas medidas ou se fica apenas por aquelas que apresentou aqui hoje.
A adoção por parte do Governo de estas e de outras medidas, propostas no passado pelo PCP e sempre rejeitadas pelos partidos da política de direita, permitiria dar um conteúdo concreto à expressão «equidade fiscal», tantas vezes usada pelo Governo e pela maioria que o suporta como um mero slogan propagandístico destinado a encobrir a profunda injustiça da política fiscal do Governo, uma política que exige cada vez mais sacrifícios a quem menos tem e menos pode, deixando praticamente intocados os ricos e poderosos.
Vai o Governo ficar-se pelas medidas hoje apresentadas ou, pelo contrário, irá mais longe, tributando de forma adequada os rendimentos do capital? Vai o Governo continuar o assalto fiscal aos bolsos dos trabalhadores, dos reformados e pensionistas e das pequenas empresas ou vai, pelo contrário, exigir um maior e adequado esforço fiscal à banca e aos grandes grupos económicos? São estas interrogações que aqui queremos deixar e às quais o Governo terá que dar uma resposta.
Sobre esta iniciativa do Governo não podemos deixar de criticar a forma escolhida para tributar a propriedade de prédios urbanos com valor patrimonial tributário superior a 1 milhão de euros: através do imposto de selo. Entendemos que a tributação destes imóveis — mais uma vez proposta, em agosto de 2011, pelo PCP e rejeitada pelo PSD e pelo CDS, com a abstenção do PS — deve ser realizada através do imposto municipal sobre imóveis, o IMI. Com a sua opção pelo imposto de selo, o Governo pretende sonegar às autarquias uma receita que, sendo resultado do património imobiliário, por direito dever-lhes-ia pertencer.
Depois de incumprir a Lei das Finanças Locais e de reduzir brutalmente as transferências do Orçamento do Estado para as autarquias, depois de bloquear a ação dos municípios com a Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso, depois de impor as famigeradas leis de extinção de freguesias, dos dirigentes locais e das empresas municipais, este é mais um ataque ao poder local, que só pode merecer da parte do PCP um veemente repúdio.
A banca e o sistema financeiro, que estiveram na origem da atual crise e que receberam colossais apoios públicos, e os grupos económicos, que, apesar da crise, continuam a apresentar fabulosos lucros, têm de ser chamados a pagar a fatura, não podem continuar a fugir às suas responsabilidades fiscais.
Exige-se ao Governo e à maioria PSD/CDS que tribute os ricos e poderosos de forma adequada e que, simultaneamente, alivie a insuportável carga fiscal que pretendem continuar a impor aos trabalhadores e ao povo.

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