Intervenção de

Interven??o do deputado<br />Debate sobre a Coerência entre a Política

Sr. Presidente,

Considero de particular oportunidade o presente debate, não só pela importância do tema do desenvolvimento, em geral, mas também pela sua actualidade, já que se realiza num momento em que o assunto está - e não pode deixar de estar - na ordem do dia, quer ao nível comunitário, quer ao nível internacional.

Seattle fracassou e as relações norte-sul estiveram aí em plano de evidência, por más razões: a reunião realizada naquela cidade norte-americana pôs em evidência que a mundialização acarreta resultados profundamente desiguais e desfavoráveis para os países mais pobres. Neste exacto momento e sob influência evidente desse fracasso, decorre ainda em Banguecoque a 10ª Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (CNUCED). Entretanto foram concluídas as negociações que definiram o futuro da Convenção de Lomé. Tanto basta para evidenciar a importância e a actualidade do assunto. E poderemos ainda acrescentar a cimeira UE-OUA, finalmente acordada para o próximo mês de Abril, no Cairo.

Mas acresce ainda que uma qualquer análise, ainda que ligeira, nos leva inevitavelmente à conclusão que algo - ou mesmo muito - vai mal no plano das relações norte-sul, incluindo entre a UE e os países de menor desenvolvimento.

Bastará atentar no facto de a categoria dos « países menos avançados » ter passado, nos últimos trinta anos, de 25 para 48 países, que representam já hoje 13 por cento da humanidade, mas aos quais não corresponde mais que 0,4 por cento das exportações e 0,6 por cento das importações mundiais (em 1997). Ou também na infeliz circunstância de a ajuda pública ao desenvolvimento promovida pelos países ricos ter decrescido, desde 1990, em cerca de 23 por cento. Aliás, os recentes cortes orçamentais comunitários efectuados neste domínio, para o presente exercício, inserem-se nesta tendência, para além de constituirem um mau e errado sinal político. O insuspeito Sr. Michel Camdessus, ainda director do Fundo Monetário Internacional, afirmou no discurso que proferiu no passado domingo no início dos trabalhos da CNUCED, que « a comunidade internacional dá com uma mão e tira com a outra » . Referia-se, naturalmente aos apoios concedidos pelos países desenvolvidos aos de menor desenvolvimento. Parece uma ironia, vindo uma tal afirmação de quem vem ; mas a verdade é que a proferiu - eu próprio tive oportunidade de a escutar - e não me parece nada desajustada da realidade actual.

E leva-me a afirmar a indispensabilidade de repensar e relançar em novos moldes as relações norte/sul. Nomeadamente a necessidade de repensar o papel da UE nesse quadro. Sendo certo que a promoção de uma nova ordem mundial, mais justa e equitativa, não pode ou não deveria deixar de constituir um objectivo estratégico da União. Sendo para tanto indispensável reflectir sobre a globalização em marcha - tendo em conta as orientações essenciais e os interesses dominantes que lhe estão subjacentes - e, neste contexto e em especial, sobre os enormes efeitos perniciosos que dela decorrem para os países de menor desenvolvimento.

É um facto que foi concluído um novo acordo de 20 anos com os países ACP. É, em si mesmo, um facto positivo, nomeadamente se tivermos em conta as pressões que vêm no sentido de lhe pôr cobro e que foram mesmo diversos os Estados-membros desfavoráveis à sua continuação. Teremos oportunidade, em devido tempo, de analisar mais aprofundadamente os exactos termos em que foi estabelecido esse acordo. É seguro, no entanto, que os negociadores europeus foram mais tímidos e ficaram aquém das propostas que oportunamente formulámos, mesmo se o novo acordo contem elementos novos e inovadores, que registamos. E para estes terão contribuído algumas características de importância política do novo acordo de parceria. Este foi sem dúvida o resultado de uma negociação complexa em que ambas as partes fizeram concessões substanciais. O que é verdade para a União Europeia nomeadamente em matéria de « boa governação » e comércio. Mas foi sobretudo o resultado dum reforço do grupo ACP, que manifestamente encontrou uma nova alma na sequência de Seattle.

Mas, especialmente, quero sublinhar que uma nova forma de apreender estas questões parece em vias de surgir, nomeadamente em matéria de comércio; e bem necessária é uma nova abordagem neste domínio.

Pareceu-me, com efeito, poder depreender que mesmo no interior da Comissão surgem já pertinentes interrogações sobre a necessidade e a oportunidade de assinar acordos no domínio comercial com todos os países em desenvolvimento - e não já apenas com os países africanos - e numa perspectiva de alteração das regras incomportáveis que marcaram as décadas de 80 e 90. A confirmar-se uma tal visão, só nos poderíamos congratular com ela.

É necessário, ir mais longe nas políticas de apoio ao desenvolvimento dos PVD: nos planos financeiro e orçamental, ao nível da dívida, no apoio a domínios sensíveis como os da segurança alimentar e humanitária ou da educação e da saúde; e também nos campos do ambiente, do investimento ou do acesso à informação e às novas tecnologias. Como também no domínio comercial. Assegurando, simultaneamente, uma cabal coerência entre as políticas de desenvolvimento e as outras políticas comunitárias e também entre umas e outras e as correspondentes que são desenvolvidas pelos Estados-membros. Não nos podemos contentar em dar continuidade, no essencial, a algo que se mostrou insuficiente e errado no passado.

É certo que a reflexão sobre a política de desenvolvimento não é de agora, mas todos sentimos que estamos num novo período e que é chegado o momento de procurar novos caminhos. É necessário ser mais coerente, de melhor pôr em concordância os objectivos afirmados com as medidas adoptadas. E isto vale pelas incoerências que verificamos ao nível da Comissão, no que respeita às diferentes políticas sectoriais, comércio, agricultura, pescas, saúde, etc., como também ao nível dos próprios Estados-membros e destes com a União. Incoerências que reflectem, geralmente, escolhas políticas contraditórias, e que se traduzem em consequências negativas sensíveis para os países de menor desenvolvimento.

Sr. Presidente,

Vai realizar-se, a cimeira UE-UEO. Tivémos a oportunidade de sublinhar, por ocasião da apresentação do respectivo programa, todo o nosso interesse na sua concretização ainda este semestre; pode e deve constituir um evento de importância indiscutível. Mas não basta realizá-la, nem basta levarmos para ela um acordo sobre o futuro de Lomé: é indispensável, acima de tudo, assegurar o seu êxito. E isso passa por levar até ela novas ideias e novas propostas com vista, como temos vindo a referir, a começar a alterar o panorama actual.

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