Senhor Presidente,Senhores Deputados,A situa??o de crise em que se afunda a Radiotelevis?o Portuguesa confronta o Partido Socialista com um dos maiores fracassos da sua governa??o.Do Programa do 13? Governo constitucional, debatido nesta Assembleia h? quatro anos, constavam prop?sitos estim?veis de saneamento financeiro da empresa e de um novo quadro de exig?ncia, no qual o servi?o p?blico seria entendido como uma filosofia de programa??o e n?o como um conjunto disperso de obriga??es. Proclamava-se uma particular aten??o ? produ??o interna da RTP, com a correspondente utiliza??o dos meios humanos e t?cnicos, devendo as condi??es de recurso ? produ??o externa ser disciplinadas atrav?s de instrumento apropriado, que assegurasse a sua transpar?ncia e obstasse ? constitui??o de situa??es de privil?gio. Esta concep??o de servi?o p?blico impunha um novo modelo de gest?o que garantisse a efectiva independ?ncia da RTP face ao poder pol?tico.Passados quatro anos, nem saneamento financeiro, nem filosofia de programa??o que se entenda, nem aproveitamento de meios humanos e t?cnicos, nem sequer um m?nimo de estabilidade indispens?vel ao funcionamento de uma qualquer empresa.A despeito das boas palavras de governantes e directores, a condu??o dos destinos do servi?o p?blico de televis?o tem-se traduzido num fiasco monumental, que p?e em evid?ncia a total incapacidade do Governo PS para superar a situa??o de grave crise da RTP que herdou dos Governos do PSD.? um facto inquestion?vel que desde a abertura da televis?o ? iniciativa privada, no in?cio desta d?cada, todos os governos se t?m mostrado muito mais preocupados em assegurar a viabilidade dos operadores privados do que em garantir a exist?ncia de um servi?o p?blico de televis?o capaz de responder aos desafios do novo panorama audiovisual.Enquanto isso, o controlo e manipula??o da RTP por parte do poder pol?tico atingiu o desaforo, n?o apenas atrav?s do controlo partid?rio e governamental dos conte?dos informativos, mas tamb?m atrav?s de uma constante dan?a de chefias geradora de instabilidade e reveladora de uma total aus?ncia de estrat?gia para o servi?o p?blico que o deixa sujeito a todo o tipo de press?es e manipula??es.A uma situa??o de crise profunda, provocada por uma lenta mas sistem?tica destrui??o do servi?o p?blico de televis?o, levada a cabo pelos governos do PSD, o governo PS n?o quis, ou n?o soube, responder.Em vez de uma reestrutura??o s?ria da RTP, levada a cabo em di?logo com os respectivos trabalhadores e conducente ? dignifica??o da presta??o do servi?o p?blico, assistiu-se a uma instabilidade de chefias quase permanente, a uma indefini??o de uma estrat?gia coerente para o servi?o p?blico de televis?o, a tentativas de pseudo-reestrutura??es sectoriais que escondem mal os objectivos de privatiza??o dos sectores potencialmente mais rent?veis como a produ??o. O governo PS alterou por diversas vezes os respons?veis pela RTP, mas n?o alterou praticamente em nada os processos e as concep??es de gest?o que conduziram ? situa??o de crise da RTP que n?o cessou de se agravar nestes ?ltimos quatro anos.No plano financeiro, o governo n?o s? n?o define uma pol?tica de financiamento do servi?o p?blico de televis?o como nem sequer cumpre atempadamente as obriga??es financeiras que assume no respectivo contrato de concess?o. O governo que continua imperturbavelmente a falar na necessidade de sanear financeiramente a RTP e de assegurar a sua viabiliza??o, mas a agir como se nada fosse com ele, ? o mesmo que tomou a decis?o pol?tica injustific?vel de reduzir a publicidade na RTP, retirando-lhe mais uma fonte de receita, em benef?cio directo e assumido das televis?es privadas.No plano da defini??o de uma estrat?gia para a empresa, s?o anunciadas sucessivas restrutura??es, que normalmente apontam para a aliena??o dos sectores mais rent?veis da empresa, como a produ??o, e, citando um recente comunicado das estruturas representativas dos trabalhadores da RTP, "s?o encomendados sucessivos estudos e pagos a peso de ouro, sem quaisquer consequ?ncias pr?ticas e sem que ningu?m seja responsabilizado pelas suas omiss?es e inefic?cia".Nas palavras dos respectivos trabalhadores, a RTP ? hoje "um edif?cio que se desmorona por dentro". A "situa??o obscura" que a empresa atravessa "leva a que trabalhadores qualificados e mais valias da empresa estejam a abandon?-la ou em vias disso, pois cada vez ? mais dif?cil cada um argumentar consigo pr?prio e encontrar justifica??o para a sua perman?ncia".Mas tamb?m aos olhos da opini?o p?blica a RTP vai perdendo credibilidade, com uma programa??o de tal modo incoerente que, como se costuma dizer, n?o agrada "nem a gregos nem a troianos". Em vez de definir uma linha pr?pria de programa??o e de produ??o, segue a reboque de estrat?gias comerciais e celebra contratos de produ??o externa que se revelam t?o ruinosos no plano financeiro como de audi?ncias. Em vez de valorizar a sua pr?pria programa??o, abdica dela, a favor de estrat?gias negociais de m?rito duvidoso ligadas ? televis?o codificada, como bem se nota no confrangedor empobrecimento da programa??o da RTP em mat?ria desportiva e cinematogr?fica.De cada vez que se assiste a uma dan?a de cadeiras da direc??o da RTP, e ? com frequ?ncia que isso acontece, todo o pa?s assiste a uma lavar de roupa suja sobre as responsabilidades no aprofundamento da crise e a descri??es arrepiantes sobre inger?ncias pol?ticas, sobre lutas pelo poder na empresa, sobre a influ?ncia de lobies e de interesses instalados nas tomadas de decis?o dentro da RTP. E invariavelmente, sempre que algu?m abandona a direc??o desta empresa, trata em primeiro lugar de alijar as suas pr?prias responsabilidades no agravamento da crise imputando sempre a culpas alheias o facto de ter deixado a empresa numa situa??o pior do que a que encontrou.A realidade ? que, agora pela m?o do PS, n?o pelas palavras mas pelos actos, prossegue a pol?tica de destrui??o do servi?o p?blico de televis?o, desacreditando-o aos olhos da opini?o p?blica e servindo objectivamente os prop?sitos de quem sempre teve como objectivo desmantelar a televis?o p?blica para fazer prevalecer sobre os seus escombros o completo dom?nio da televis?o comercial e os interesses econ?micos que a controlam.N?s n?o alinhamos no coro dos que atacam a RTP com o objectivo de acabar com o servi?o p?blico de televis?o ou de o reduzir a uma fun??o residual. Ter acesso a um servi?o p?blico de televis?o ? um direito de todos os portugueses que a Constitui??o consagra. O servi?o p?blico de televis?o n?o pode dirigir-se apenas ? satisfa??o de necessidades espec?ficas dos emigrantes portugueses, dos residentes nas regi?es aut?nomas, de algumas elites culturais, ou ao cumprimento de algumas obriga??es institucionais.N?s n?o alinhamos no coro daqueles que choram l?grimas de crocodilo pelo dinheiro dos contribuintes que supostamente ? gasto com o servi?o p?blico de televis?o, mas fingem esquecer que a exist?ncia de operadores privados foi viabilizada ? custa de vultuosos investimentos p?blicos a fundo perdido, designadamente na rede de emissores, pagos, evidentemente com o dinheiro dos contribuintes. N?o contestamos, como ? ?bvio, a exist?ncia e a legitimidade dos operadores privados de televis?o, mas tamb?m n?o alinhamos na estrat?gia de promover a demoli??o sistem?tica do servi?o p?blico de televis?o como forma de garantir o sucesso empresarial das televis?es comerciais e o seu dom?nio absoluto do panorama audiovisual.As criticas contundentes que fazemos ? pol?tica do Governo para a RTP e ? actua??o de muitos dos seus respons?veis nos ?ltimos anos n?o visa p?r em causa a exist?ncia do servi?o p?blico de televis?o, mas precisamente o contr?rio. O que criticamos ao Governo e aos respons?veis da RTP ? a falta de uma pol?tica que valorize esse servi?o aos olhos dos cidad?os e que leva muitos deles a considerar como ingl?rio qualquer investimento p?blico que seja feito na RTP.O PCP sempre se assumiu como um firme defensor do servi?o p?blico de televis?o e tem hoje, num momento em que o panorama audiovisual se complexifica de uma forma cada vez mais acelerada, raz?es acrescidas para o continuar a defender.N?o ? uma originalidade nossa. A defesa do servi?o p?blico de televis?o ? actualmente considerada ao n?vel de muitas inst?ncias internacionais - designadamente da UNESCO ou do Conselho da Europa - como uma quest?o decisiva para a defesa da pr?pria democracia. A pr?pria confer?ncia de ministros do Conselho da Europa dedicada ? pol?tica para os media, realizada em Praga em 1994, considerou que a preserva??o de televis?es de servi?o p?blico independentes e financiados de maneira apropriada ? indispens?vel ao funcionamento dos media numa sociedade democr?tica.Ali?s, a ideia da televis?o de servi?o p?blico radica na no??o de um espa?o p?blico onde a vida social e pol?tica se desenvolva democraticamente. Numa sociedade democr?tica, o servi?o p?blico de televis?o tem um papel distinto das televis?es comerciais privadas, na medida em que, enquanto estas encaram os espectadores como consumidores, a televis?o p?blica tem o dever de os encarar como cidad?os. As televis?es privadas dirigem-se a um mercado, enquanto a televis?o p?blica se dirige a um p?blico, daqui decorrendo a obriga??o de determinar a sua programa??o mais por crit?rios sociais do que por imperativos comerciais.A televis?o p?blica tem, por isso, de ser um espa?o da cidadania, livre de intromiss?es abusivas do poder pol?tico e do poder econ?mico, aberto a todas as correntes de opini?o, impulsionador do debate sobre os problemas que importam verdadeiramente aos cidad?os e ve?culo privilegiado da produ??o e difus?o da criatividade e da cultura portuguesa.O que se exige ao servi?o p?blico de televis?o ? uma informa??o aut?noma de press?es exteriores, deontologicamente rigorosa e isenta, aberta ao confronto de posi??es e ?s diferentes problem?ticas que afectam e determinam o viver dos portugueses. E uma programa??o exigente quanto ? qualidade do que difunde, valorizadora do patrim?nio cultural portugu?s, dos seus criadores e int?rpretes, potenciadora dos meios materiais e humanos de que disp?e, capaz de inovar e de experimentar, aberta ao interc?mbio e ao refor?o do relacionamento no interior do espa?o geogr?fico da l?ngua portuguesa.O servi?o p?blico de televis?o que hoje temos, n?o ? o que queremos, nem corresponde ao que minimamente lhe ? exigido. ? fundamental assegurar a todos os cidad?os portugueses um servi?o p?blico de televis?o digno desse nome, mas isso n?o passa por meras palavras inscritas no programa do Governo nem por chav?es indefinidos tipo "pacto de regime" ou "amplo consenso nacional". A viabiliza??o do servi?o p?blico de televis?o implica uma firme vontade pol?tica e uma pr?tica que, de uma vez por todas, acabe com as indefini??es quanto ao futuro da RTP e inverta o caminho para o abismo que esta empresa tem vindo deploravelmente a percorrer.