Intervenção

Intervenção do Deputado<br /><a href="#voto">Voto nº 55/VIII

O PCP considera as relações entre Portugal e Angola como um elemento importante do nosso relacionamento externo. Esse relacionamento não tem sido isento de maiores ou menores perturbações e turbulências que, no entanto, têm sido ultrapassadas com a inteligência e prudência necessárias. Em Angola há um Governo legítimo, saído de eleições que a ONU supervisionou. Por isso, a ninguém, por mais importante que seja, lhe é dado o direito de pôr em causa a legitimidade do governo angolano face ao voto soberano do povo angolano. É evidente que a liberdade de expressão e de opinião é um direito de qualquer cidadão. Mas, também porque de um direito se trata, ele deve ser usado com toda a responsabilidade. Do mesmo modo que as legítimas divergências políticas não devem transformar-se em, nem usar, ataques e ofensas de natureza ética. E esta é uma exigência acrescida para personalidades com elevadas responsabilidades políticas e institucionais. Para além do mais, porque essa responsabilidade exige que opiniões e divergências políticas pessoais não ponham em causa o normal relacionamento entre Estados e Povos. Neste contexto, consideramos graves e condenáveis as afirmações do Dr. Mário Soares contra o MPLA e o Governo de Angola, designadamente a catalogação do regime político de Angola, e do seu Governo, como um "regime de corrupção". Identicamente, reputamos de grave e condenável a resposta àquelas acusações dada pelo Ministro angolano Vaal Neto e por outras figuras políticas angolanas, com duras acusações ofensivas da dignidade pessoal dos Drs. Mário Soares e João Soares. Mas não alinhamos com a tese que muitos pretendem impor de que as acusações dirigidas por Vaal Neto a Mário Soares e João Soares afrontam a "dignidade do Estado" português. Aliás, no verão do ano passado, e na sequência de opiniões políticas pessoais que expressou sobre a questão angolana, o Presidente da Assembleia da República Portuguesa, Dr. Almeida Santos (a segunda figura da hierarquia política portuguesa e presidente de um órgão de soberania) foi igualmente vítima de graves insultos por parte de Jonas Savimbi e da UNITA (quer em Angola quer em Portugal), sem que nessa altura as vozes que hoje se ouvem se tenham erguido para defender "a dignidade do Estado". O que está em causa com a resposta de Vaal Neto, é a grave ofensa da honra de dois cidadãos portugueses que, por acréscimo, exerceram e exercem elevados cargos políticos e institucionais. E, porque muito graves, o que se exige é que Vaal Neto faça prova das acusações que fez ou que se retracte das mesmas. Por tudo isto, lamentamos e criticamos todas as atitudes, quer de um lado quer de outro, que ultrapassando a livre opinião política enveredam pela ofensa, "são contrárias à ética de relacionamento amigável entre Estados soberanos e prejudicam a salvaguarda dos interesses comuns dos povos de Portugal e de Angola". É esse o sentido e conteúdo do Voto que o PCP apresenta. Recusamo-nos a aceitar que estes lamentáveis acontecimentos sirvam para aproveitamento político no âmbito da luta inter-partidária e, quiçá, intra-partidária, doméstica, bem como para tentar branquear e beneficiar as posições de Savimbi e da UNITA. Apelamos ao bom senso de todos os intervenientes nesses acontecimentos para porem termo à escalada de acusações e ofensas a que temos assistido, e somos frontalmente contrários a que a Assembleia da República possa contribuir para criar dificuldades ou pôr em causa o normal relacionamento institucional de Portugal com Angola. A situação conflituosa que envolve por um lado o Dr. Mário Soares e o Dr. João Soares, e por outro lado figuras políticas angolanas, atingiu já momentos de violência verbal preocupantes e absolutamente condenáveis. No uso da liberdade de opinião, o Dr. Mário Soares referiu-se ao regime e aos responsáveis do Estado de Angola e do partido MPLA com duras palavras acusatórias. A resposta de algumas figuras políticas angolanas foi marcada por duras acusações ofensivas da dignidade pessoal dos visados. O relacionamento de Portugal e Angola não está em questão nestes acontecimentos condenáveis, que devem ser colocadas no plano devido das pessoas envolvidas. Perante as graves acusações pessoais e políticas feitas, é legítimo exigir-se dos seus autores que, não as provando, se retractem. Mas, é igualmente legítimo reclamar que não sejam dados novos passos numa escalada verbal que está a inquinar a expressão pública de um relacionamento Estado a Estado, que é alheio aos acontecimentos. Foi aliás assim, com contenção, que altas figuras do Estado português reagiram quando o dirigente máximo da UNITA lhes fez gravíssimas acusações e ofensas pessoais. Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte voto: A Assembleia da República - reafirma o respeito pela liberdade de opinião, que implica a responsabilização individual de cada um pelas opiniões que emite; - considera que as acusações pessoais fazem impender sobre quem as profere o ónus da prova, e, não sendo esta feita, o dever de retractação; - condena todas as atitudes políticas que são contrárias à ética de relacionamento amigável entre Estados soberanos e prejudicam a salvaguarda dos interesses comuns dos povos de Portugal e de Angola; - apela à necessidade de contenção da polémica, tendo em vista a não inquinação do ambiente envolvente do relacionamento Estado a Estado entre Portugal e Angola. Assembleia da República, em 15 de Março de 2000

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