Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Situação no Médio Oriente

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados

«A paisagem (de Jenin) desafia qualquer descrição. Uma encarnação do horror, uma visão que se segue à passagem de um furacão. Casas total ou parcialmente destruídas, destroços de betão e de ferro, fios eléctricos entrelaçados. Carros pulverizados pelos tanques ou pelos mísseis acrescentam a este medonho espectáculo uma dimensão bárbara. Um acre odor a cadáveres paira sobre os escombros. Nada permanece das infra-estruturas antes existentes.

No centro do campo, um vasto terreno rectangular. Era o bairro Hauachine, onde existiam cerca de 150 casas (num total de 1100 em todo o campo). Os bulldozers gigantes demoliram completamente este bairro, antes de aplanarem a sua superfície. Mulheres, velhos, crianças e homens erram pelos escombros, à procura dos seus familiares e amigos enterrados.

Um homem de 30 anos escava a terra com uma pá, enquanto o seu filho afasta os destroços com as mãos. Esperam encontrar os membros da sua família que aí foram enterrados vivos. Algumas dezenas de metros mais adiante, três homens arrancam o cadáver do seu pai, desfigurado, dos restos do que fora a sua casa. Outros procuram alguns objectos no espaço que foi o seu lar. O campo de refugiados de Jenin está entre os mais pobres da Cisjordânia.»

Esta descrição é de Amnon Kapeliouk, jornalista de Jerusalém, enviado do jornal Le Monde Diplomatique ao campo de refugiados de Jenin. Não é muito diferente da descrição feita por diversos jornalistas portugueses e por elementos de equipas internacionais de ajuda humanitária que, nas últimas semanas, se deslocaram àquele local.

Nunca saberemos ao certo quantas pessoas foram assassinadas naquele campo de refugiados, mas o massacre de Jenin (massacre foi o termo utilizado por Shimon Peres, segundo o jornal israelita Haaretz, quando afirmou temer a hostilidade das reacções internacionais perante o sucedido) não pode deixar de nos interpelar a todos como seres humanos. Não há nada, absolutamente nada, que possa servir de justificação ou de atenuante a uma actuação destas por parte de um Exército ou de um Estado.

Os políticos, os militares ou os editorialistas que, em nome não importa de que interesses, aparecem a minimizar a gravidade, a justificar ou, mesmo, a apoiar implicitamente este e outros massacres constantes da sinistra folha de serviços do Sr. Ariel Sharon, colocam-se exactamente na posição daqueles que negam o holocausto ou que o consideram como um mero pormenor da História.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os actos de barbárie à solta de que temos tido notícia, apesar da repressão israelita sobre a comunicação social, dão-nos conta de estarmos perante a mais grave escalada de violência contra o povo palestino dos últimos 20 anos - desde o cerco de Beirute Ocidental e dos massacres de Sabra e Chatila, onde, às mãos do mesmo Ariel Sharon, foram chacinados cerca de 5000 palestinos (idosos, mulheres e crianças) - e trazem à nossa memória as imagens mais trágicas da história recente da humanidade.

Foram os cercos impiedosos ao Presidente Arafat e à Basílica da Natividade, que ainda subsiste; os assassinatos de homens, mulheres e crianças, de forma selectiva ou indiscriminada; o alvejamento a tiro de jornalistas, de ambulâncias, de elementos de equipas internacionais de ajuda humanitária (das Nações Unidas, do Crescente Vermelho ou da Assistência Médica Internacional); a utilização de civis como escudos humanos em acções militares, denunciada num recente relatório da Human Rights Watch; as rusgas generalizadas em cidades, aldeias e campos de refugiados, em que todos os homens entre os 14 e os 65 anos foram reunidos como gado, revistados, vendados e carimbados com um número para serem interrogados de forma arbitrária e violenta; a prática sistemática da tortura; a ocupação de escolas e instalações das Nações Unidas como prisões e salas de interrogatório; a destruição de habitações, locais de trabalho, hospitais, escolas, serviços civis da Autoridade Nacional Palestiniana, igrejas e mesquitas, todo o tipo de infra-estruturas, colheitas e áreas de cultivo.

Segundo dados tornados públicos por fontes independentes, entre Setembro de 2000 e 1 de Maio de 2002, o exército israelita e as milícias dos colonatos mataram 1541 palestinos, tendo 403 menos de 18 anos. No mesmo período, verificaram-se 165 ataques a tiro contra ambulâncias, de que resultou a morte de três médicos e de quatro condutores, para além de 122 feridos. Para além disso, 350 ambulâncias foram impedidas pelo exército israelita de cumprir as suas missões de socorro.

Entre 28 de Setembro de 2000 e 17 de Março de 2002, foram destruídos mais de 3,7 milhões de m2 de terras palestinas cultivadas e foram arrancadas cerca de 113 000 oliveiras. Estranha forma de destruição das «infra-estruturas terroristas»!

Desde que existe a ONU, nunca se viu, da parte de um Estado-membro, uma recusa tão sistemática, tão acintosamente reiterada e, ao mesmo tempo, tão impune das suas resoluções ou apelos. Aliás, o Estado de Israel goza, perante a comunidade internacional e o Direito Internacional, de um estatuto de absoluta e excepcional impunidade, que lhe é garantido pelos Estados Unidos da América.

O Estado de Israel pode fazer tábua rasa de todas as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, pode violar de forma flagrante os mais elementares direitos humanos, pode recusar com a maior arrogância todos os apelos, vindos de qualquer parte do mundo e de qualquer quadrante político ou religioso, para que cesse a guerra contra o povo palestino ou para que acabe com o cerco cruel à Basílica da Natividade.

O Estado de Israel não respeita nenhuma das resoluções do Conselho de Segurança relativas à Palestina, nem a Resolução n.º 242, de 1967, nem a Resolução n.º 338, de 1973, nem as quatro Resoluções adoptadas, respectivamente, em 12 de Março, 30 de Março, 4 de Abril e 19 de Abril deste ano.

Não respeita nenhum dos apelos feitos pelo Secretário-Geral das Nações Unidas para o diálogo, para a retirada dos territórios ocupados, para o respeito para com as organizações de ajuda humanitária ou mesmo os apelos ao mais elementar bom senso.

Manteve durante mais de cinco meses um cerco inaceitável - agravado de forma brutal durante mais de um mês - ao Presidente da Autoridade Nacional Palestiniana, Yasser Arafat.

Mantém ainda, indiferente aos apelos de todo o mundo, um cerco implacável e cruel à Basílica da Natividade, onde, para além de sujeitar largas dezenas de pessoas a uma situação humanitariamente insustentável, tem vindo a cometer crimes de delapidação de um património cultural e espiritual da Humanidade que não são menos brutais do que a destruição dos budas gigantes pela barbárie talibã.

E chegou mesmo ao ponto de proibir o acesso de uma comissão de inquérito das ONU ao campo de refugiados de Jenin, numa atitude de humilhação da própria Organização das Nações Unidas.

Não é aceitável este comportamento! Quem recusa - e quem aceita passivamente a recusa - um inquérito independente aos terríveis acontecimentos de Jenin não tem autoridade nenhuma para se reclamar da defesa dos direitos humanos seja onde for.

Esta atitude de arrogância sem precedentes, de consciência da impunidade e de afronta à própria humanidade só é possível - e todos o sabem - devido ao apoio político, económico e militar dos Estados Unidos da América, sem o qual o belicismo e a arrogância do Estado de Israel, desproporcionados em face da sua dimensão geográfica, económica e populacional, seriam de todo impossíveis.

Só que esta atitude é também tolerada, mais do que é aceitável, pela própria União Europeia. É certo que a União Europeia não tem, nesta matéria, exactamente a mesma posição dos Estados Unidos, mas ainda assim não é aceitável que, sendo a União Europeia o maior parceiro comercial do Estado de Israel, não suspenda o acordo de associação existente entre ambos, apesar de todo o comportamento do Governo de Israel, apesar da afronta à diplomacia europeia que representou a recusa de o Alto Representante para a Política Externa e Segurança Comum e a Presidência em exercício da União Europeia se encontrarem com o Presidente Yasser Arafat num momento particularmente crítico e, o que não é de somenos, apesar de haver uma resolução do Parlamento Europeu aprovada nesse sentido.

Em todo este processo do Médio Oriente não são apenas os direitos dos palestinianos que são espezinhados, são-no também o Direito Internacional e o próprio prestígio das Nações Unidas.

A acção dos Estados Unidos no Conselho de Segurança, que paralisa qualquer reacção concreta desta organização perante a mais descarada violação das suas resoluções por parte de Israel, chegando ao ponto de impedir, através de vetos sucessivos, o envio de uma força internacional de paz e de inviabilizar, com a ameaça do veto, uma comissão de inquérito ao massacre de Jenin, coloca-nos, a todos, perante a realidade de uma justiça internacional com dois pesos e duas medidas e perante um Direito Internacional em que a única lei vigente é a lei do mais forte.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo

Ao contrário do que, por vezes, tendem a dizer algumas pessoas mal informadas, não há no chamado conflito israelo-palestiniano uma equiparação de responsabilidades entre as duas partes do conflito.

Na Palestina existe uma potência ocupante e existe um povo que vive sob essa ocupação.

Na Palestina há um povo que luta pelo cumprimento das resoluções das Nações Unidas que lhe reconhecem o direito a viver livremente no seu próprio Estado, e há uma potência que, em violação sistemática dessas resoluções e desse direito, insiste em manter a ocupação militar desses territórios.

Na Palestina, há um povo sem exército e há uma potência ocupante detentora de uma das mais poderosas e sofisticadas máquinas de guerra do mundo.

Na Palestina, há um povo que permanece prisioneiro na sua própria terra e que é sujeito a constantes violências e humilhações e a uma acção de genocídio e limpeza étnica por parte de um Estado ocupante.

Na Palestina, há um povo esbulhado do seu território e sujeito a um regime de apartheid, através da construção ilegal de colonatos ligados entre si e habitados por milícias armadas.

É por isso preciso afirmar, em nome da verdade, que a guerra de ocupação israelita não é uma guerra contra o terrorismo.

O Presidente Yasser Arafat não é um terrorista. Ele é o presidente legítimo da Autoridade Nacional Palestiniana. É um homem que luta pela liberdade do seu povo, como lutou Mandela e como lutou Xanana Gusmão.

E só não vê quem não quer a reiterada condenação que o Presidente Arafat e os demais responsáveis da Autoridade Nacional Palestiniana e da OLP fazem, desde há muito e não apenas desde ontem, dos atentados suicidas contra cidadãos civis israelitas.

E só não vê quem não quer a tremenda hipocrisia de quem, cercando impiedosamente o Presidente Arafat, assassinando os polícias palestinianos e destruindo todas as suas instalações e equipamentos, arrasando as infra-estruturas da Autoridade Nacional Palestiniana, lhe exige, com total cinismo, um maior empenhamento no combate ao terrorismo.

É uma evidência que em ambos os lados, na Palestina e em Israel, há inimigos do processo de paz e que em ambos os lados há terroristas. Mas há uma diferença fundamental. É que entre os palestinos, o terrorismo é fomentado por grupos islâmicos radicais e é repudiado pela Autoridade Nacional Palestianiana e pelas forças políticas mais responsáveis. Em Israel, o terrorismo é praticado pelo próprio Estado e as forças terroristas estão representadas no Governo, sob a direcção do Primeiro-Ministro, Ariel Sharon.

Ao contrário do que afirma o Presidente Bush, Ariel Sharon não é um homem de paz. Nunca o foi. O actual Primeiro-Ministro de Israel é o mesmo que em 1982, enquanto Ministro da Defesa, ficou conhecido como «o carniceiro de Beirute»; é o mesmo que foi condenado por um tribunal israelita e que foi privado de exercer cargos públicos durante 15 anos, devido à sua comprovada responsabilidade pelo massacre de 5000 palestinos - idosos, mulheres e crianças - nos campos de refugiados de Sabra e Chatila.

O actual Primeiro-Ministro de Israel, que sempre se assumiu contra os Acordos de Oslo, assinados entre Yasser Arafat e o malogrado Itzac Rabin, foi o responsável directo pelo início da segunda intifada ao invadir, na companhia de 3000 soldados, um dos lugares mais santos do mundo muçulmano, que é a esplanada das mesquitas.

A partir da chegada ao poder de Ariel Sharon, tornou-se absolutamente claro que a sua única obsessão é a expulsão do povo palestino de todos os seus territórios e que não está minimamente interessado em nenhuma solução pacífica para os problemas da região.

Nas primeiras semanas da segunda intifada, foram assassinados centenas de palestinianos que participavam em manifestações pacíficas e, a partir daí, não tem cessado de aumentar a violência da ocupação, a instalação de colonatos, a repressão e a humilhação do povo palestiniano, a destruição das suas infra-estruturas básicas, os assassinatos, selectivos ou indiscriminados, mas também a violência dos atentados suicidas em território de Israel.

Os palestinos mortos desde Setembro de 2000 foram mais de 1500; os israelitas foram mais de 400. Tem sido este o resultado da política de guerra de Ariel Sharon. Se essa política não cessar, a violência não cessará. Com esta política, há dois povos que sofrem. Esta guerra não é solução para nada e não serve a nenhum dos povos da região.

Envolvemos por isso na mesma solidariedade os patriotas palestinos e os cidadãos de Israel, que compreendem que a sua segurança não depende da guerra, mas depende da paz.

Saudamos os movimentos pela paz, da Palestina e de Israel, os militares israelitas que, enfrentando penas de prisão, se recusam a combater nos territórios ocupados, e saudamos os partidos, as associações cívicas e as personalidades que, em Israel, se opõem à política suicida de Ariel Sharon, sendo justo saudar especialmente, de entre essas personalidades, o próprio Presidente do Parlamento israelita, do Knesset, Avraham Burg.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao propormos este debate, fizemo-lo com a convicção de que Portugal pode não ter um papel determinante na resolução dos problemas do Médio Oriente, mas pode, e deve, ter, a esse respeito, uma voz activa.

Portugal, como membro da União Europeia, como membro das Nações Unidas e como país democrático, não pode calar-se perante o genocídio do povo palestino e não pode deixar de intervir, por todos os meios ao alcance dos seus órgãos de soberania, para que a via do diálogo seja de novo aberta como único caminho para a paz e segurança no Médio Oriente.

Nesse sentido, apresentamos a esta Assembleia um projecto de resolução, no qual, reafirmando os princípios constantes dos votos n.os 166 e 167/VIII, aprovados na passada legislatura, se afirme o forte empenhamento do Estado português no sentido de exigir:

· O reconhecimento prático do direito do povo Palestino ao estabelecimento do seu próprio Estado, com capital em Jerusalém Oriental, como condição indispensável para a paz no Médio Oriente.

· O fim da ocupação dos territórios da Palestina, com a retirada das forças militares, o desmantelamento dos colonatos, e a adopção de uma solução justa para o problema dos refugiados.

· A cessação dos actos de violência nos territórios da Palestina e de Israel e a retoma da via da negociação como única forma possível de resolução dos problemas da região e de conciliação dos direitos legítimos de ambos os povos.

· O cumprimento das Resoluções n.º 242, 338, 1397, 1402 e 1403 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

· O fim dos atentados contra civis em território de Israel.

· O envio de uma missão internacional, de interposição e de protecção do povo Palestino, sob a égide da ONU.

· A eliminação de quaisquer restrições à actividade do pessoal médico e de enfermagem e dos elementos das organizações de ajuda humanitária.

· A constituição de uma comissão internacional de inquérito à actuação das forças militares israelistas no campo de refugiados de Jenin em Abril de 2002.

· O cumprimento da Resolução n.º 173/2002 aprovada pelo Parlamento Europeu relativo à suspensão do Acordo de Associação entre a União Europeia e Israel.

· A prestação de apoio humanitário urgente ao povo Palestino.

· O apoio à reconstrução das infraestruturas destruídas na Palestina.

· A reivindicação junto do Estado de Israel da devida indemnização pela destruição de infraestruturas custeadas pela União Europeia em território sob administração da Autoridade Nacional Palestina.

· A adopção de iniciativas, designadamente no âmbito interparlamentar, visando promover a cooperação e o diálogo com os povos e os Parlamentos da Palestina e de Israel, no sentido de incentivar a compreensão mútua e pugnar pela paz no Médio Oriente.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo

Pelas notícias que nos vão chegando, a situação continua gravíssima e os seus desenvolvimentos continuam a ser de consequências imprevisíveis. Não sabemos que ofensivas militares estão neste momento em curso ou em preparação. Não sabemos se novos atentados suicidas estarão para eclodir. A única coisa que sabemos é que a guerra não é solução e que o regresso ao diálogo, com seriedade e de boa fé, é o único caminho para a paz e a segurança de palestinos e israelitas.

É esta a nossa convicção e será nesse sentido todo o nosso empenhamento.

Sr.ª Presidente,

Quero agradecer ao Sr. Deputado Luís Fazenda as considerações que teceu acerca da intervenção que fiz e dizer-lhe que compartilho inteiramente das preocupações que expressou no pedido de esclarecimento.

Creio que a atitude do actual Primeiro-Ministro do Estado de Israel revela que o seu propósito é, fundamentalmente, a destruição da Autoridade Nacional Palestiniana, e isso é patente não só pela forma como, inaceitavelmente, cercou o Presidente Yasser Arafat, mas também pela maneira como tem vindo a destruir, sistematicamente, todas as infra-estruturas da Autoridade Nacional Palestiniana para depois, com todo o descaramento, fazer acusações de que a Autoridade Nacional Palestiniana não combateria suficientemente o terrorismo.

Portanto, o Sr. Ariel Sharon já demonstrou, com toda a sua actuação ao longo das últimas décadas, que não está minimamente interessado em nenhum processo de paz, que o seu objectivo é a expulsão e o genocídio do povo palestiniano.

É nosso dever lutar com essa política, mas esse dever é também das pessoas que por todo o mundo, incluindo em Israel, estão seriamente empenhadas em construir a paz e reconhecem que o caminho da guerra não serve a ninguém e que só pode levar a inenarráveis sofrimentos e à destruição de ambos os povos. Daí eu crer que é muito importante unir nessa luta comum todas as pessoas em todos os países que compreendem que o único caminho é a paz.

Quero também manifestar a minha solidariedade muito forte aos movimentos sociais e políticos que, em Israel, compreendem esta ideia e lutam, muito corajosamente, pela paz e pela sua segurança.

Sr.ª Presidente
Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas,

Começo por saudar a sua intervenção neste debate, porque creio que foi uma intervenção importante quanto ao posicionamento do Governo português e que valoriza muito o debate parlamentar e o papel da Assembleia da República nesta questão.

Sr. Ministro, acerca de algumas questões que referiu, gostaria de perguntar-lhe o seguinte: em primeiro lugar, o Sr. Ministro fez referência ao respeito pela Resolução n.º 1397 das Nações Unidas, que fala, muito justamente, no reconhecimento do Estado palestiniano dentro de fronteiras seguras e reconhecidas. Creio que isto é importante do ponto de vista de assegurar a viabilidade desse Estado palestiniano, porque não vale a pena reconhecer nominalmente a existência de um Estado e depois criar condições, designadamente descontinuidade geográfica, de acantonamento ou de manutenção dos colonatos que tornem esse Estado manifestamente inviável.

Essa é uma preocupação, pois sabemos que circulam, designadamente nos Estados Unidos, ideias relativas a essa criação de um Estado tipo cantonal, que, do nosso ponto de vista, é recusada pelas resoluções das Nações Unidas. Portanto, esta é uma questão sobre a qual também seria importante saber a posição do Governo português.

Mas há uma questão que o Sr. Ministro referiu, e bem, com a qual estamos de acordo, a necessidade de isolar os radicais. De facto, neste processo, só haverá paz no Médio Oriente quando conseguirmos isolar os radicais de ambos os lados.

Os radicais do lado palestiniano estão identificados, são as organizações islâmicas radicais, e a questão, agora, coloca-se do lado israelita. Isto é, onde estão os radicais senão no Governo do Sr. Ariel Sharon, a começar pelo próprio Primeiro-Ministro?

Portanto, porque não conheço outros radicais, não conheço ninguém à direita do Sr. Sharon que não esteja no governo, a questão que se coloca é saber se o isolamento dos radicais não passa, também, por medidas que isolem a posição que o Governo israelita tem vindo a seguir. Ainda hoje acabámos de ter a notícia de que estão mais uma vez suspensas, por intransigência israelita, as negociações quanto à resolução do problema da Basílica da Natividade.

Assim, a questão que se coloca é a de saber se a União Europeia não tem obrigação e não tem condições para fazer mais relativamente a esse isolamento. Eu assumo aqui palavras que foram ditas e escritas por personalidades de diversos quadrantes da vida política portuguesa - lembro-me do Dr. Mário Soares, do Prof. Adriano Moreira, do Prof. Diogo Freitas do Amaral - que consideram que a União Europeia, pelo papel que tem como parceiro comercial de Israel, não pode consentir sem tomar uma atitude enérgica a afronta que foi feita à diplomacia europeia e a atitude que o Estado de Israel tem tido relativamente a todo este processo, inclusivamente com a destruição de infra-estruturas que foram financiadas pela União Europeia.

Portanto, a questão que coloco é se o Sr. Ministro não entende que a União Europeia tem condições para ter uma posição mais enérgica e se não é dever do Governo português, no local próprio, bater-se por isso.

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados

Ao concluir este debate voltamos a chamar a vossa atenção para a importância que, do nosso ponto de vista, ele teve, até porque permitiu estabelecer consensos muito importantes relativamente à posição do Estado português nesta matéria. Estabeleceram-se consensos relativamente ao repúdio da guerra e à consideração de que a violência não é solução para qualquer dos problemas do Médio Oriente e foi consensual a recusa do caminho que se tem vindo a trilhar naquela região, particularmente desde Setembro de 2000, altura em que foram postos em causa os Acordos de Oslo, tendo sido praticamente desmantelado tudo o que com eles se tinha conseguido.

É muito importante também que seja feita aqui a afirmação das resoluções das Nações Unidas relativamente ao problema da Palestina, até porque elas têm conteúdos concretos. Têm, antes de mais, o conteúdo concreto do reconhecimento do direito à existência de dois Estados nas fronteiras criadas em 1967, mas também traduzem o reconhecimento da capital do Estado palestino em Jerusalém Oriental e o reconhecimento da necessidade de resolver definitivamente o problema dos refugiados palestinos e do desmantelamento dos colonatos que estão instalados por Israel em território da Palestina. Estabeleceu-se aqui, aliás, um consenso muito importante relativo ao apoio a todas as iniciativas que devam conduzir ao regresso à negociação e ao encontro de uma solução pacífica para este problema.

Foi hoje referida a necessidade de recusar posições maniqueístas, com o que estamos de acordo. No entanto, a pretexto da recusa de soluções maniqueístas, não podemos chegar a uma situação de lavagem de mãos, fazendo como Pôncio Pilatos, pelo que é preciso atribuir responsabilidades a quem efectivamente as tenha. Nós subscrevemos tudo o que foi dito aqui acerca dos atentados suicidas: são atentados terroristas, são absolutamente condenáveis e nada os justifica! Todavia, é preciso dizer também que nada justifica a atitude do Governo israelita, que nada justifica a posição do Primeiro-Ministro Ariel Sharon e que nada justifica a posição dos trabalhistas de Israel, que encontram justificações para o apoiar e para permanecer neste governo. Nada justifica estas posições! E não podemos fazer de conta que estes crimes não existem, que não são cometidos, só porque quem os comete invoca um suposto ataque ao terrorismo, quando sabemos, de facto, que os ataques do exército israelita não procuram acabar com o terrorismo. Não é cercando o Presidente Arafat, como se fez, que se combate o terrorismo; não é alvejando ambulâncias e assassinando condutores de ambulâncias e médicos que ali prestam serviço que se combate o terrorismo. Isto também tem de ser dito e não pode ser escamoteado!

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros,

O PCP entende que Portugal tem um papel que não deve ser desvalorizado. Portugal é membro das Nações Unidas e da União Europeia e já deu exemplos de que quando se empenha por uma causa consegue ir muito longe. Temos o exemplo magnífico dado pela opinião pública, pelo povo português e por todos os órgãos de soberania portugueses a respeito do problema de Timor, que nos dizia muito. Ora, a opinião pública portuguesa não está indiferente perante este problema, e ainda bem. Muito pelo contrário, há uma grande sensibilidade em todos os quadrantes políticos relativamente a este problema, pelo que entendemos que qualquer governo português terá todo o apoio do povo e das forças políticas nacionais para um empenhamento acrescido na procura de uma solução de paz para o Médio Oriente.

Neste sentido, acabámos de entregar na Mesa um projecto de resolução que pedimos aos Srs. Deputados para lerem. Como verão, não é um projecto de resolução contra ninguém nesta Casa, é um diploma para ser discutido por todos - e apelamos para que assim seja - para, de acordo com o nosso desejo, se encontrar um texto que seja aprovado por unanimidade na altura própria. O que pedimos é que trabalhemos todos para que haja uma posição consensual da Assembleia da República relativamente a este problema do Médio Oriente.

Aliás, gostaria até de apresentar aqui uma proposta concreta. Entendemos que também os parlamentos devem ter um papel a desempenhar neste processo e que seria muito importante que no Parlamento português se tomasse a iniciativa de constituir grupos de amizade com os parlamentos legítimos da Palestina e de Israel, ou seja, com o Conselho Legislativo da Palestina e com o Knesset israelita. Seria muito importante que se pudessem estabelecer, através destes grupos de amizade, pontos de diálogo com ambos os parlamentos, porque sabemos que a posição do Presidente do Knesset não é propriamente a do Sr. Ariel Sharon mas, sim, uma posição de compreensão para os valores que hoje aqui defendemos. É uma posição de quem compreende que a guerra não é solução e que é preciso retomar os caminhos da paz. Há, portanto, um diálogo entre parlamentares que deveria ser tomado e poderíamos tomar a iniciativa nesse sentido.

Deveríamos mesmo ponderar se não seria adequado que o Parlamento português se disponibilizasse para enviar deputações, quer ao Conselho Legislativo da Palestina, quer ao Knesset de Israel, por forma a contribuirmos, de forma modesta - enfim, da forma que pudermos -, se possível, para o lançamento de mais pontes de diálogo entre parlamentares dos dois países. Se pudéssemos contribuir para isso, ficaríamos muito satisfeitos, e é por isso que fazemos esta proposta.

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