Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Debate sobre a situação política

Senhor Presidente Senhor Primeiro Ministro e senhores membros do Governo Senhores Deputados São claras e indisfarçáveis as razões deste debate repentinamente proposto pelo Primeiro-Ministro, mesmo correndo o risco de atropelar o debate regimental sobre o Estado da Nação: o Primeiro-Ministro e o Governo desassossegaram-se com as consequências da vaga de protesto social que nos últimos meses se avolumou no País, nomeadamente com o acelerado e justificado descrédito do Governo e com a queda a pique da popularidade do Primeiro -Ministro. Porque, e como aqui hoje mais uma vez foi visível, o Primeiro-Ministro e o seu Governo não mostram preocupação com as causas e razões do protesto social e com a forma de lhes dar resposta satisfatória, mas fundamentalmente com a sobrevivência do Governo e a melhoria dos seus próprios índices de popularidade. Isto é, se as causas reais do debate proposto se encontram indisfarçavelmente no descontentamento, no mal-estar e no protesto de importantes sectores da população, o objectivo do Primeiro-Ministro não visou propiciar uma reflexão para recolher propostas e medidas no sentido de dar resposta aos problemas mais instantes do País, mas tão somente o de, através de um figurino parlamentar favorável ao Governo, tentar relançar a imagem através do marketing político. Mas a verdade é que o descontentamento social tem razões fundadas nas políticas seguidas e os acontecimentos não têm dado saúde ao governo. Importa, aliás, recordar e sublinhar que a primeira grande manifestação de massas de protesto contra o Governo se verificou com a realização da Cimeira Europeia de Lisboa, que o Governo dizia ser o grande acontecimento para se relançar a Europa social mas que indiscutivelmente ficou assinalada pelas escolhas neoliberais. Na verdade a retórica social e a ausência de um calendário explicito relativo à redução do desemprego contrasta com as conclusões propriamente ditas: liberalização dos mercados de telecomunicações até 2001, aceleração da liberalização dos sectores do gás, da electricidade, dos serviços postais, dos transportes e da utilização do espaço aéreo, bem como, a concretização até 2005 do mercado financeiro único e a suspensão dos obstáculos ao investimento nos fundos de pensões. Um fartote! Por isso, o que verdadeiramente marcou a Cimeira foi a grande manifestação da CGTP-IN com os trabalhadores a afirmarem que não vivem nem pagam as contas com retórica. Que querem de facto um Portugal e uma Europa social e contestam e rejeitam o agravamento das políticas neoliberais. Ao mesmo tempo e como resultado do descontentamento aumentaram as vozes de dirigentes socialistas, de deputados, ex-membros do governo e até membros do governo que criticavam a política seguida. Ingratos perante a paixão do Primeiro Ministro pela educação os estudantes, professores e responsáveis académicos têm também vindo a expressar o seu protesto e o seu mal estar. E as políticas relativas ao ensino básico, secundário e superior, a não serem rapidamente alteradas ameaçam desestabilizar de facto todo o sistema de ensino. O governo assume também aqui uma grande responsabilidade. Na saúde, outra paixão declarada, as críticas da actual ministra em relação à sua antecessora parecem mais importantes do que o avanço na concretização de políticas. O marasmo é uma realidade, como realidade é a retoma das nomeações e escolhas para quem tem cartão rosa. Pela nossa parte temos vindo de há muito a alertar para a gravidade da situação. Denunciámos os interesses ilegítimos que proliferam no sector público e o sector privado como obstáculos fundamentais que é necessário enfrentar para resolver os problemas do SNS. Apresentámos propostas fundamentadas cuja adopção teria permitido travar a degradação da situação e, ao mesmo tempo, levar por diante uma profunda e inadiável reforma democrática do SNS. Como o Governo sabe destacámos inclusivamente quatro medidas urgentes, centradas na questão das listas de espera, da política do medicamente, da melhoria da oferta de cuidados primários de saúde e da adopção de um plano de separação do público do privado. E reafirmamos que o país não pode continuar a esperar mais. Também aqui o Governo assume pesadas responsabilidades por não dar respostas, atrasar, burocracias, défices e degradação geral. Mas a pedra de toque clarificadora da postura deste governo e da natureza das suas políticas é claramente evidenciada no leilão das empresas públicas que vão caindo nas mãos dos estrangeiros e na chamada política de rendimentos e preços. O Governo não fez a reforma fiscal por motivos eleitoralistas e manteve mesmo neste orçamento os escandalosos privilégios à banca e os benefícios fiscais às actividades financeiras e especulativas. E esta é uma reforma fundamental quer em relação a uma verdadeira política de justiça social, quer para o avanço de outras reformas estruturais. Paralelamente e também por razões eleitoralistas e de má fé só aumentou os combustíveis após a aprovação do Orçamento e após o fecho das negociações com a função pública. Estas duas atitudes, em relação à reforma fiscal e em relação aos combustíveis puseram claramente a nu que para o Governo as pessoas não estão primeiro. Primeiro estão os grandes interesses, a clientela governamental, o poder pelo poder. Com a sua política e com a sua postura o Governo é o grande responsável pela conflitualidade social. Autista face a justas reivindicações o Governo quer que sejam os trabalhadores a apertarem o cinto e a pagarem as políticas neoliberais e eleitoralistas que têm sido seguidas. Como é que se compreende que o Governo acene com o papão da inflação para não renegociar uma tabela salarial com os trabalhadores da função pública quando ao mesmo tempo cede em toda a linha em relação às reivindicações dos transportadores? Estamos claramente perante uma política com dois pesos e duas medidas. Mas o mais incompreensível é o que se está a passar na Carris. Já na fase de conciliação o Ministério do Emprego propõe um aumento de 4%. Os trabalhadores aceitaram. Mas o ministério da tutela deu ordens à administração para não fechar o acordo. O que é que quer o Governo? Mais sacrifícios dos trabalhadores e das populações? Tentar virar os utentes contra os trabalhadores? A insensibilidade do Governo é inaceitável, como inaceitável e intolerável é por exemplo, a arrogância manifestada pela Administração do Metropolitano que já devia ter sido despedida sem apelo e sem agravo... Quanto à "treta" da inflação a sugestão que damos ao Primeiro Ministro é que leia o que dizia o deputado António Guterres quando criticava a UGT por ter fechado o acordo de concertação social. E não se esqueça também da inflação pelos lucros nem das suas afirmações de que a economia portuguesa não podia repousar nos baixos salários... Baixos salários, precaridade, flexibilidade para os trabalhadores e privilégios para o capital financeiro e para os grandes senhores do dinheiro eis a pauta e a cartilha da política económica e financeira do Governo. Mas a sua falência aí está expressa na acentuação das desigualdades, na crescente subcontratação da economia portuguesa, na ruína da nossa agricultura e no cada vez mais grave e preocupante défice da Balança Comercial. O país não necessita que o Primeiro Ministro comunique mais com o país, nem de mais marketing político, nem de mais inaugurações apressadas, nem de privatizações como a EDP, cuja alteração de critérios de gestão é responsável pelo recente apagão e pela política da cegonha, mas sim de uma política, de uma nova política de justiça social de uma política de defesa e valorização da produção nacional e dos interesses nacionais. O Governo que não se iluda: a retórica social não mascarará, não disfarçará para sempre a política neoliberal e as suas consequências. É tempo de mudança, senhor Primeiro-Ministro. Mas não a mudança que pretende alterar as leis eleitorais para reduzir o funcionamento democrático dos executivos municipais ou para tentar garantir a sobrevivência de um Governo do PS mesmo com uma muito menor percentagem de votos em futuras legislativas. A mudança necessária é a mudança nas orientações políticas do Governo e do PS. É a substituição da política de direita, que diariamente pratica, por políticas económicas e sociais que tenham como objectivo o bem estar dos trabalhadores, a dignidade dos reformados, a redução das desigualdades, mais justiça social, transparência nos negócios públicos e inequívoca separação entre o poder económico e o poder político. Se assim não for, não tenha V. Exa. dúvidas que se manterá o plano inclinado em que o Governo entrou.

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