Senhor Presidente, Senhores Deputados: Da nossa parte, PCP, apelamos a que este seja um debate feito com serenidade e com conteúdo, um debate no sentido próprio do termo, uma troca de ideias, uma análise de projectos, tudo por forma a afastar a chicana e a concentrarmo-nos na questão que é a de equacionar o problema posto no projecto de lei do PCP, isto é, a situação e forma de reformar a estrutura administrativa intermédia do Estado, localizada entre os centros de decisão de Lisboa e o Poder Local espalhado por todo o País. É um tema que muito preocupa a Assembleia da República. Sobre a matéria de desconcentração já aqui foram apresentados diversos projectos de lei e realizados muitos debates. Já em 1987, o PS apresentou uma iniciativa sobre o tema. Nos debates travados desde então, intervieram Deputados de todas as bancadas com muita experiência e conhecimento, entre eles o Deputados Luís Sá, Carlos Brito, Eduardo Pereira, Jorge Lacão, Rui Machete, Silva Marques e Nogueira de Brito. Esse capital de análise, e de dignidade que a Assembleia sempre quis dar a este tema, certamente que pesará na forma como nos empenharemos no debate. Há uma questão prévia, que tem de ser abordada imediatamente, e não só para afastar fantasmas, também porque ela permite definir com rigor o que aqui debatemos. Como é evidente, não estamos a debater a regionalização e a criação de regiões administrativas. Se alguém se deixou levar por dois ou três títulos de imprensa, desengane-se. Aqui não há propostas sobre a criação de uma nova autarquia, uma nova pessoa colectiva territorial, dotada de atribuições próprias, finanças próprias, e órgãos eleitos directamente pela população. O que está em debate é a reforma da Administração Pública de nível intermédio, mais concretamente, a reforma das Comissões de Coordenação Regional, que correspondem às NUT II na estrutura espacial de planeamento e estatística da União Europeia. Da nossa parte, sempre dissemos, mesmo depois do referendo, que continuávamos a considerar que o País e as populações ganhariam com a criação de regiões. E sempre dissemos que algum dia retomaríamos o processo. Quando o fizermos, e seremos nós a escolher o momento, não haja dúvidas: seremos muito claros e falaremos de regionalização sem nenhuma ambiguidade. Agora, o problema é outro, embora se possa ir buscar, ao referendo sobre a criação das oito regiões, argumentos para mostrar a sua actualidade. De facto, todos os partidos que fizeram a campanha do "não" sempre fizeram questão de dizer que o País queria e precisava de descentralização, o que não queria era o modelo de oito regiões posto a consulta pública. E depois de anunciado o resultado, todos os partidos, incluindo o PS, proclamaram a sua vontade de prosseguir um processo de descentralização e de reforma da Administração que a aproximasse das populações. Ao longo dos anos dos Governos do PSD, o PCP e o PS denunciaram aqui frequentes vezes o centralismo corporizado pela estrutura de poder que as Comissões de Coordenação Regional representavam. A CCR's portavam-se como o braço armado do Poder Central, multiplicando ingerências e condicionamentos sobre o Poder Local e aplicando no terreno decisões de nível intermédio, que interessavam directamente às populações da respectiva área regional, sem que estas ou os seus representantes eleitos locais tivessem qualquer efectiva participação na decisão. O que se passou nos anos dos governos do PSD continuou e agravou-se nos anos dos governos do PS. Com o acrescento de que hoje são cada vez mais as entidades, além das CCR's a ingerirem-se nas decisões do Poder Local e a quererem dar ordens às Câmaras e aos seus Presidentes. Proliferam os cruzamentos e choque entre serviços desconcentrados da Administração Central. Não há bicho careta, seja director-geral, Presidente de Instituto, ou Presidente de uma qualquer dessas S.A. em que lentamente se vai transformando em Estado S.A., que não use e abuse da circular, do ofício, ou do telefonema ordenatórios, sempre a proibir. Porque é isto que, na óptica deles, mostra quem manda. Quem manda não é quem faz, é quem proíbe que se faça. A proibir, estão as Administrações dos Portos, as Direcções Regionais do Ambiente, o IPPAR, o Ministério da Agricultura, os Florestais, a REN, a RAN, a Rede Natura, tudo respeitabilíssimas instituições e categorias, todas elas invocando interesses superiores, mas todas elas actuando sem nenhuma sensibilidade às problemáticas locais e regionais, sem nenhuma capacidade de entrosamento com o Poder Local como estrutura legítima do Estado descentralizado e sem nenhum respeito pelos seus poderes próprios e pela autonomia desses poderes. Na mesa redonda que aqui fizemos na passada Terça-feira, o Presidente da Câmara de Aljezur contava o caso da construção de uma casa de banho e uma cozinha numa pequena construção rústica, numa área total que não ultrapassava em 30 m2 a competência do Parque Natural onde se inseria. O processo foi para o Instituto de Conservação da Natureza, que pura e simplesmente proibiu, sem levar a homologação do Ministro, como manda a lei, talvez não só por aplicação mecânica da regra de proibir, mas também pelo ridículo de pôr o Ministro a despachar sobre retretes e polybans. Um Estado assim, cada vez mais assim, é cada vez menos um Estado com um Administração Pública organizada segundo as regras da democracia, e cada vez mais um Estado a caminho da prepotência. A questão que aqui trazemos, na ausência de regiões que se vai seguramente prolongar por anos, é a de saber se o País está condenado a este modelo centralista, onde na administração, até ao domínio dos municípios e freguesias, reina o Poder Central sem limites nem controlo. E para os que referem que existe um caminho de descentralização na entrega aos municípios de novas atribuições, é preciso responder que a cada um desses novos níveis de atribuições corresponde um mais elevado nível de ingerência por parte desse aparelho intermédio da Administração. Sendo as novas atribuições mais complexas e exigentes, maior é a apetência para o aperto de ingerência técnica e financeira e, portanto, de ingerência na própria decisão política. A pergunta é: estamos condenados a este centralismo? Ou até a agravá-lo? A hipótese que tem sido posta, dos comissários regionais equiparados a subsecretários de Estado é, na opinião do PCP, o caminho do reforço do centralismo, numa pura lógica de poder e sem nenhuma eficácia no plano da coordenação e racionalização da Administração Pública intermédia e desconcentrada. Vamos ser directos. Se os Ministros (estes e os de muitos e muitos governos anteriores) consideram como seu privilégio, uma espécie de prerrogativa de império, terem a sua própria estrutura administrativa intermédia, e isso não mudou, apesar da existência de Ministros Coordenadores, ou da Reforma Administrativa ou Resoluções do Governo, ou discursos de Primeiros Ministros, iam agora esses Ministros submeter-se à lógica de uns comissários, sentados na fila detrás do Governo com a categoria menos de subsecretários? A única coisa que muda com estas figuras é que o exercício de formas de ingerência e pressão sobre as autarquias locais vai ser refinado, porque o patamar do chefe sobe para o nível do Governo. Resumindo, visto do lado Ministros, os Comissários são empregados destinados a reforçar os sistemas de controlo sobre a vida e realidade das áreas regionais, vistos do lado do Poder Central, os Comissários são uma nova categoria "patronal" com mais poder para ingerir e dar ordens. Veio nos jornais que o Senhor Ministro Alberto Martins almoçou anteontem com o Senhor Deputado Francisco Assis e outros Deputados do PS para apreciar toda esta problemática. Tenho pena que ele não tenha decidido vir aqui, para discutir com a instituição Assembleia da República e não só com o seu Partido uma questão que interessa ao Estado, aos órgãos de soberania, ao Poder Local. Gostaria de testar, no debate com o Governo, a solução dos comissários como solução centralista contraposta a um caminho como propomos na direcção da aproximação ao Poder Local e à sua expressão ao nível de área regional. Fizemos a mesa redonda que já referi, na qual procuramos que estivessem personalidades com responsabilidades em estruturas intermédias do Estado de várias origens partidárias. Tivemos connosco o Presidente do Conselho da Região do Alentejo, o Engenheiro Rogério de Brito, o Presidente do Conselho da Região Centro, Dr. Pedro Santana Lopes e o Presidente da Área Metropolitana de Lisboa, Dr. João Soares. Pretendemos ter o Presidente de uma das cinco CCR's. Sucederam-se as recusas. É pena. É um sinal que os altos responsáveis da Administração continuam a ver a sua liberdade de pensamento condicionada por uma fidelização absoluta que lhe é imposta pelo modelo centralista imperante, com topo no membro do Governo respectivo. Nessa mesa redonda, ficou claro que para os autarcas a situação que se vive não é sustentável, não é desejável, e não é adequada à resposta às necessidades do País. Os autarcas querem a reforma das CCR's, querem participar no processo de decisão e execução das matérias de âmbito da sua área regional. As críticas que fizeram ao projecto de lei do PCP foram no sentido de entenderem que o desejável era ir mais longe, por exemplo quanto ao Presidente da CCR, que na sua opinião poderia ser ele próprio designado pelos Municípios da área regional, ou, outro exemplo, quanto aos poderes, que, ainda na sua opinião, deveriam acentuar mais a componente executiva. Da nossa parte, mantemos as soluções que apresentamos no nosso projecto de lei como soluções devidamente ponderadas, soluções realistas, enquadradas na situação concreta de ausência de um poder regional e alicerçadas numa dinâmica de conceitos devidamente fundamentada. Observaram-nos, mal, que havia reserva de competência do Governo. Falso. Basta ler Gomes Canotilho e Vital Moreira na Constituição anotada: "O princípio da auto-organização (do governo) limita-se exclusivamente à sua própria organização e funcionamento; só em relação a esses domínios se atribui a competência legislativa exclusiva do Governo; pelo contrário, essa reserva de competência legislativa exclusiva não abrange nem a organização dos serviços administrativos ou o regime da função pública, nem a distribuição de competência entre os vários órgãos do governo". Observaram-nos que o nome "Institutos Regionais" não era o mais adequado, respondemos que não rejeitamos a observação e aguardamos sugestões, reflectindo nós próprios sobre outras possibilidades. Puseram por aí a correr, como dita alternativa de reforço do Poder Local, a constituição de associações obrigatórias de municípios, associações correspondentes aos NUT III. Tenho aqui um recorte do jornal "O Ribatejo", de 1 de Junho, onde se diz que essa iniciativa foi anunciada pelo Ministro na abertura da Convenção Distrital de Autarcas Socialistas do Distrito de Santarém. Mal. Volto a ler a CRP anotada por Gomes Canotilho e Vital Moreira: "a criação de associações ou federações de municípios é sempre da iniciativa municipal e a adesão a elas só pode ser voluntária". Observaram-nos que o projecto contém cláusulas que admitem a possibilidade legal de criação de Institutos Regionais de âmbito regional inferior às cinco CCR's. É uma observação que inverte a novidade desta proposta do PCP. Pela primeira vez, assumimos as cinco áreas das CCR's. Se há no nosso projecto normas de cautela, elas exigem lei da Assembleia e são isso mesmo, norma de cautela. Como a vida demonstrou, estas questões devem ser encaradas sem esquematismos que possam aparecer como diktats. Mas a cautela não diminui a novidade do projecto, e é isso que aqui quero sublinhar. Observaram-nos que não seria adequado, ou seria mesmo contraditório, que um órgão integrado na Administração Pública desconcentrado tivesse um órgão dirigente constituído por dois representantes nomeados pelo Governo (um deles o Presidente), e três oriundos do Poder Local (dois vice-presidentes que são Presidentes de Câmara e um vogal designado por eles). Temos duas respostas para esta observação. A primeira é a de que, de facto, o Governo, no projecto do PCP, não só nomeia o Presidente do órgão "Conselho de Administração", como detém a maioria no seu "Executivo Permanente", conforme está no artigo 12º do projecto, visto tal executivo ser constituído pelo Presidente e pelos dois Vogais, um nomeado pelo Governo e outro indicado pelos Presidente de Câmara reunidos no Conselho Consultivo Regional. Isto é, o Governo tem a maioria na função executiva permanente. Os dois Vice-presidentes que são Presidentes de Câmara são administradores não executivos. A segunda resposta refere-se à concepção subjacente a essa observação. Ela provém de quem, para além das palavras, desconfia de facto dos poderes municipais e só concebe que elas possam viver em conflito com o Poder Central. Nós confiamos no Poder Local e na sua capacidade de equacionar os problemas e de cooperar na definição e execução de soluções. O projecto do PCP visa uma reforma das CCR's, através da instituição de mecanismos de participação do Poder Local e de uma clarificação dos poderes das estruturas que sucederão às CCR's (se se quiser manter este nome não será isso que alterará o conteúdo do projecto do PCP). O projecto apresenta uma solução inovadora no plano conceptual e prático, a desconcentração participada. A nível dos órgãos sublinha-se o Conselho Consultivo Regional, constituído por todos os Presidentes de Câmara da área respectiva, que constitui como que uma Assembleia Plenária de eleitos locais. Sublinha-se em segundo lugar, o Conselho Coordenador Regional, onde terão assento as entidades representativas da área, desde as universidades até às associações sindicais e empresariais, passando pelas regiões de turismo, gabinetes de apoio técnico e os responsáveis de serviços desconcentrados do Estado. Este órgão permitirá a intervenção destes representantes das realidades económicas, sociais e administrativas, que poderão emitir pareceres e trocar pontos de vista para maior eficiência e coordenação. Sublinha-se, em terceiro lugar, o Conselho de Administração, que já atrás foi descrito e analisado e que consubstancia um sistema de direcção que é um desenvolvimento criativo da desconcentração, ligando em cada área os representantes do Governo e eleitos locais, concretizando o já assinalado sistema de desconcentração participada. Quanto às funções, o PCP propõe fundamentalmente funções de estudo, de coordenação, de participação na elaboração e execução dos Planos de Desenvolvimento Económico e Social, e de apoio técnico, financeiro e administrativo às autarquias locais. Os Institutos terão um papel nos sistemas de incentivos, na estrutura orgânica do Quadro Comunitário de Apoio e na gestão dos fundos comunitários, na gestão e ordenamento do território, nos Programas Operacionais de âmbito regional e ainda na elaboração das políticas, dos planos e propostas de nível regional em áreas como os equipamentos sociais, infraestruturas, bacias hidrográficas e ambiente. O projecto do PCP permitirá atingir três objectivos: · Substituir a definição centralizada das políticas regionais por um sistema de desconcentração participada; · Concorrer para uma melhor coordenação, articulação e racionalização dos diferentes serviços desconcentrados do Estado; · Compatibilizar, por um lado a necessidade de garantir a presença de representantes dos municípios para participação na gestão dos Institutos e dessa forma no processo de desenvolvimento regional, e, por outro lado, as dificuldades que têm esses representantes no exercício de funções permanentes, dadas as exigências do seu trabalho como Presidentes de Câmara. Em resumo, o projecto do PCP visa criar os mecanismos adequados à intervenção dos eleitos municipais no processo de desenvolvimento regional. Os Institutos, sendo órgãos do Estado, tutelados pelo Governo e presididos por um seu representante, terão na sua estrutura formas inovatórias de participação de representantes dos municípios, permitindo que o processo de desenvolvimento ocorra não só a partir das decisões centrais, mas também de baixo para cima, a partir das decisões locais. Senhor Presidente, Senhores Deputados: Ao suscitar este debate nesta Assembleia da República representativa de todos os portugueses, o PCP concretiza um acto de política no que ela tem de mais nobre, a busca e definição de soluções para os problemas do País e do povo português. A nobilitação da política também resulta desta vontade, que seguramente todos partilhamos, de que a Assembleia analise e debata os grandes temas, as grandes opções da vida nacional. Esperamos, Senhores Deputados, a vossa contribuição. Da nossa parte, PCP, trabalhamos e trabalharemos para aumentar a eficiência e a democraticidade da Administração intermédia do Estado, pensando que com isso ganhará o povo e o País.