Sr. Presidente, Sr. Primeiro Ministro
O Conselho da Feira não trouxe novidades de maior, foi repetitivo relativamente a algumas políticas sem que alterassem as mais gravosas e foi decepcionante, por isso mesmo. Como era previsível, os principais temas - do alargamento à CIG, passando pela Carta dos Direitos Fundamentais, transitaram para a cimeira de Nice.
Essa a razão, certamente, porque foi necessário inventar um acordo de calendarização de última hora em torno do pacote fiscal, que se limita, afinal e no essencial, a remeter para um outro acordo, a alguns anos de distância e ainda subordinado à aceitação duvidosa do mesmo por parte de países terceiros, exactamente os actuais paraísos fiscais. Não se estranha, assim, que este acordo virtual tenha sido particularmente aplaudido por aqueles que nunca desejaram um maior equilíbrio entre a taxação dos capitais e do trabalho e que sempre se opuseram a desenvolver qualquer acção conjugada contra esses paraísos fiscais, a evasão e a fraude fiscais ou as deslocalizações.
Mas, em contraposição e em nome da conclusão do mercado interno e da continuidade da cimeira extraordinária de Lisboa, assistiu-se a novas pressões no sentido da aceleração dos processos de liberalização e de desregulamentação do mercado de trabalho; e, ao serem aprovadas as "grandes orientações das políticas económicas para 2000", aceitou-se o reforço e a antecipação de constrangimentos decorrentes do pacto de estabilidade; o que faz prever novos e acrescidos problemas, nomeadamente no domínio social.
Compreende-se, assim, a importante manifestação que o movimento sindical promoveu por ocasião do Conselho da Feira, a qual, pelas várias dezenas de milhar de participantes que envolveu, se transformou, seguramente, num dos factos mais marcante desta cimeira.
Mas num outro domínio existem igualmente motivos de inquietação. Refiro-me à revisão dos Tratados. É certo que quase tudo foi transferido para a presidência francesa. Como é certo que o mais importante, nesta área, se tem passado fora do quadro institucional normal, em cimeiras bilaterais, em conferências e declarações diversas. Mas, ainda assim e neste quadro, não pode passar despercebido o facto de o Conselho da Feira não só ter inscrito na agenda como ter passado a falar de "cooperação reforçada", no singular. Se tínhamos já profundas reservas quanto às até agora chamadas "cooperações reforçadas", tendo em conta a sua profunda e já indisfarçável conotação com a criação dum "núcleo duro", duma "vanguarda" ou dum "grupo pioneiro" - e , portanto, com uma Europa a várias velocidades, comandada por um directório político - a adopção desta nova formulação - porque sem dúvida muito mais indiciadora de tais propósitos - reforça essas dúvidas e suscita-nos a mais profunda apreensão quanto ao tipo de "construção europeia" em que alguns apostam fortemente. E o pior é que outros parecem distraídos...
Uma nota final de desaprovação merece também a tendência clara para a militarização da União Europeia, bem evidenciada pela implementação de capacidades militares próprias em clara associação com a NATO. Continuamos a pensar que a OSCE continua ser o quadro mais adequado para o desenvolvimento dum sistema de segurança pan-europeu. Assim como pensamos que a prevenção e o tratamento civil das crises deve prevalecer sobre qualquer intuito intervencionista.