Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Cimeira de Nice

Senhor Presidente Senhor Primeiro Ministro Senhoras e Senhores Deputados,Nice confirmou o essencial do que o PCP afirmara neste hemiciclo há uma semana. Nice confirmou que o alargamento da União Europeia foi apenas um pretexto utilizado para esconder as ambições dos países mais poderosos para alterar em seu proveito o actual quadro institucional.Apesar das noitadas, apesar da duração da Cimeira, apesar dos esforços porventura bem intencionados e empenhados de alguns, o resultado final, frio e incontornável, é politicamente desfavorável para Portugal e para os pequenos e médios países; é politicamente prejudicial para Portugal e para a União Europeia; favorece apenas e em exclusivo a já grande capacidade de influência e de condicionamento do processo decisório por parte dos países mais poderosos da União.Senhor Presidente Senhor Primeiro Ministro Senhoras e Senhores DeputadosEm Nice ficou, e bem, reconhecido o princípio da manutenção de um membro de cada país na Comissão Europeia.Mas o preço pago pelo reconhecimento de um mero princípio, que deveria ser elementar e incontornável, foi demasiado elevado. Tanto mais que o princípio agora aceite pode vir a ser, a prazo, revisto e radicalmente alterado. Isto é, pode mesmo deixar de ser princípio...Enquanto Portugal vê os seus votos no Conselho multiplicados por 2,4 (de 5 passa a 12 votos), os votos dos quatro maiores são multiplicados por 2,9 (de 10 passam a 29 votos), os votos da Holanda multiplicam-se por 2,6, os da Suécia e da Áustria por 2,5; e, finalmente, a Espanha vê os seus votos mais que triplicar (de 8 para 27).São oito os Estados membros que aumentam os seus votos numa proporção superior ao acréscimo garantido a Portugal. Por aqui se vê que quem mais votos ganhou, a quem Nice acrescentou o poder que foi retirado a Portugal, não foram apenas os países que perderam comissários...Senhor Presidente Senhor Primeiro Ministro Senhoras e Senhores DeputadosÉ cada vez mais crescente a influência dos países mais poderosos no processo decisório da União Europeia. A reponderação de votos foi um passo central mas não o único dado em Nice.As decisões a adoptar por maioria qualificada - tal como as minorias necessárias para bloquear decisões - dependerão ainda mais do acordo (ou da rejeição) de três, quando muito quatro dos Estados mais fortes. Os processos de decisão por maioria qualificada tornar-se-ão mais difíceis e dependentes dos mais poderosos (com especial destaque para a dependência em relação à Alemanha, país que é cada vez mais o verdadeiro dono dos destinos desta União...).Para quem defendia que esta CIG tinha que tornar mais operacional e eficaz o processo decisório para permitir o alargamento - tese que o PCP nunca subscreveu - as decisões de Nice são profundamente contraditórias mas confirmam que, na verdade, a questão central em discussão era apenas a do reforço do poder interno dos mais fortes.Senhor Presidente Senhor Primeiro Ministro Senhoras e Senhores DeputadosNice decidiu que mais 40 temas deveriam passar a ser objecto de decisão por maioria qualificada. Ficam apenas de fora questões que certos países (novamente os mais fortes) consideraram de seu interesse específico e nacional manter no âmbito das decisões por unanimidade. Portugal continuará a beneficiar parcialmente deste facto por mero arrastamento, não por ter definido previamente - como seria desejável e corresponderia ao interesse nacional - um vasto e alargado leque de temas em que poderia e deveria ser mantido o direito de veto.Apesar de tudo políticas importantes para Portugal, como a dos fundos estruturais ou a relativa a acordos comerciais, passarão a ser eventualmente aprovadas contra a opinião, o voto e os interesses específicos do país.Por fim, Nice dá luz verde às chamadas cooperações reforçadas, designação utilizada para gerar pequenos directórios de grandes interesses. Nice permite o reforço da militarização da União Europeia, o avanço para a criação de um corpo de exército que muscule os interesses de alguns. Nice institucionaliza a Europa a várias velocidades, liquidando de forma definitiva o espírito de coesão estabelecido no Tratado de Roma.Alguns virão, amanhã, de forma hipócrita, lamentar o agravamento de problemas económicos e sociais no País que pode resultar da perda de poder de Portugal decidida em Nice. Fizeram isso no passado, voltarão a tentar fazer isso no futuro.Senhor Presidente Senhor Primeiro Ministro Senhoras e Senhores DeputadosVai agora iniciar-se o processo de ratificação do acordo subscrito em Nice.Espera o PCP que, a partir de agora, e ainda que tardiamente, o Governo assuma as suas responsabilidades e promova um grande debate nacional sobre as implicações profundas das decisões de Nice.Espera também o PCP que todos os responsáveis políticos e partidários, eleitos nesta Assembleia ou noutras instâncias parlamentares, participem nesse debate, procurem mostrar a todos os portugueses as razões pelas quais é que "os grandes é que saíram vencedores de Nice", expliquem os motivos pelos quais consideram que os seus "resultados são em todos os aspectos muito negativos".Pela nossa parte assumiremos as nossas responsabilidades e o nosso papel nesse debate. E como consideramos que o Acordo de Nice prejudica Portugal e a União Europeia ficamos à espera de que os votos desses críticos se juntem aos do PCP.É que o Acordo de Nice não é uma fatalidade, não é um dado adquirido. Pode ser recusado por Portugal. Pode e deve ser rejeitado por esta Assembleia!

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