Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Debate «Produção nacional e valorização dos salários»

Intervenção de Jerónimo de Sousa no Debate «Produção nacional e valorização dos salários»

Intervenção de Jerónimo de Sousa no Debate «Produção nacional e valorização dos salários»

No quadro da Campanha “Portugal a Produzir” que o nosso Partido vem desenvolvendo com um grande impacto por todo o país, iniciamos hoje, com esta Sessão Pública sobre “Produção Nacional e Valorização dos Salários”, um conjunto de debates sobre temáticas centrais e que são nucleares na definição de uma orientação para a promoção de uma verdadeira política de desenvolvimento do país, da defesa da sua soberania e das condições de vida do nosso povo.

Nunca como hoje a vida está a mostrar a justeza e a oportunidade do lançamento desta Campanha em defesa do desenvolvimento da produção nacional e de uma mais justa distribuição da riqueza – questões interligadas e indispensáveis para um desenvolvimento sustentável –, perante o agravamento de todos os problemas nacionais, da dependência do país e do avolumar da chantagem financeira sobre os recursos públicos a que assistimos.

Mas igualmente quanto imperativo e urgente se tornou dar uma resposta e concretizar um caminho alternativo e de ruptura com a política de direita de desastre e de ruína nacional que tem vindo a ser seguida.

Uma campanha que se enquadra na batalha que travamos por objectivos imediatos e práticos no plano político contra o sistemático empobrecimento relativo do nosso povo, mas que é também uma batalha ideológica em confronto com todos aqueles que pretendem circunscrever os problemas do país e as respectivas soluções à estrita visão e lógica dos grandes interesses económicos e financeiros e ao seu modelo de dominação económico e social.

Temos a noção que se alarga a consciência no país, também com o esforço que o nosso Partido tem vindo a desenvolver, que o problema da produção nacional, do seu desenvolvimento e qualificação, é o problema que está subjacente e todos os outros problemas que o país enfrenta e que é necessário resolver, seja o problema do défice das contas públicas, do emprego ou da dívida externa.

Tal como cada vez mais portugueses constatam que não é a realidade económica e social concreta do país e a solução dos reais problemas nacionais que estão no centro das preocupações dos mentores e protagonistas da política de direita, mas apenas o cumprimento de cegos critérios nominais de um fundamentalismo monetarista e do seu Pacto e Programas de Estabilidade que declinam as tarefas da promoção do crescimento económico e do emprego e que, invariavelmente, PS, PSD e CDS escrupulosamente assumem e executam em Portugal.

Políticas e instrumentos que justificam e promovem planos de austeridade para os trabalhadores e para os povos com o objectivo de uma restauração mais rápida das condições de rentabilidade do capital, através da exploração do trabalho e da mercantilização e privatização de todas as esferas da vida social.

Por isso o país vive hoje sobre a ameaça de um ciclo infernal que se renova em sacrifícios para as classes e camadas populares, pela mão de um poder político cada vez mais subordinado aos ditames de Bruxelas, do imperialismo alemão e do grande capital financeiro e aos grandes grupos económicos e cujas soluções seguem sempre no mesmo sentido: – ataque aos rendimentos do trabalho, desregulamentação do mercado de trabalho, esvaziamento dos direitos laborais e sociais; absoluto favorecimento dos grupos económicos à custa dos sectores produtivos; sistemática fragilização e destruição do sistema de protecção social; fomento das desigualdades e da pobreza.

Seguem sempre as mesmas inalteráveis receitas, mesmo quando a estagnação, a recessão, a destruição da vida de centenas de milhares de seres humanos a braços com o desemprego, como acontece no nosso país, exigiam o seu questionamento e o seu abandono.

Desemprego que bate todos os recordes absolutos e relativos. Em termos restritos o desemprego ultrapassou a barreira dos 600 mil desempregados, uma taxa de 10,9%. Enquanto em sentido lato, o desemprego atingiu no final do 3º trimestre os 761.500 desempregados, ou seja, a taxa efectiva de 13,5%.

O Orçamento de Estado para 2011 acabado de viabilizar pelo acordo entre PS e PSD e com o patrocínio de Cavaco Silva é bem expressão dessa lógica de rapina, de favorecimento dos grandes interesses e de ruína das massas. Como são expressão essas novas e insidiosas medidas que anteontem o governo anunciou, agora em nome da defesa da competitividade do país e a coberto de uma pretensa dinamização do emprego, para levar mais longe o programa do capital multinacional europeu e nacional de incremento das taxas de exploração e de restauração das suas taxas de lucro.

Medidas que não se conhecem em toda a sua extensão, mas o que se sabe, significa já um novo passo no sentido da liquidação de importantes direitos e de desvalorização do valor dos rendimentos do trabalho. Medidas contra a contratação colectiva para reduzir a capacidade dos trabalhadores e aprofundar o processo de desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho, nomeadamente dos horários, medidas de fragilização dos direitos em lay-off, em prejuízo dos salários dos trabalhadores; novas soluções para facilitar e embaratecer os despedimentos à custa dos trabalhadores, do sistema de protecção social e dos dinheiros públicos.

Escamoteando e iludindo as causas que estão na origem da crise, da estagnação e da recessão da economia portuguesa e da difícil situação do país, responsabilizam o trabalho, os trabalhadores e os seus salários e os seus direitos pelo fraco crescimento da economia e pelo saldo negativo na criação de emprego.

Querem com isso negar que a destruição do aparelho produtivo nacional das últimas décadas, que prosseguiu com os governos do PS, é uma das mais decisivas causas do atraso e do nosso empobrecimento relativo a que assistimos como povo e como país.

Querem com isso negar que a extensão, profundidade e duração da crise é o resultado do declínio dos sectores eminentemente produtivos – agricultura, silvicultura, pescas e indústria – que viram, nos últimos anos, o seu peso no produto reduzido praticamente a metade e que conduziu à crescente substituição da produção nacional pela estrangeira e ao contínuo endividamento externo.

Querem com isso negar que nas causas da crise está igualmente uma injusta distribuição do rendimento nacional. Querem escamotear que foram as suas políticas que congelaram o desenvolvimento da eficiência produtiva portuguesa, com a defesa de um modelo de baixos salários e com as políticas económicas de sucessivos governos que liquidaram importantes ramos e fileiras industriais que sobreviveram noutros países europeus com vantagens.

Responsabilizam os trabalhadores e a rigidez do mercado de trabalho para iludir as consequências da sua política de favorecimento da concentração e centralização da riqueza, que garantiu aos grandes grupos económicos e financeiros os mais superabundantes lucros nesta última década, enquanto o país definhava e os portugueses em geral empobreciam.

Outra vez a rigidez do mercado de trabalho num país que acabou de ser confrontado no espaço de meia dúzia de anos com alterações significativas da leis laborais que se traduziram em flexibilização e desregulamentação das relações de trabalho.

Um país que tem hoje um numeroso exército de desempregados que pressiona cada vez mais para baixo os direitos e os salários e um número de trabalhadores precários que atinge mais de um milhão e duzentos mil. Mais uma vez o mistificador e charlatão discurso da responsabilidade dos custos do trabalho pelas dificuldades competitivas da economia portuguesa. Aqui virá certamente nesta sessão pública informação detalhada para desmontar a impostura de tais teses, embora bastasse lembrar e verificar a evolução, na última década, dos salários e da produtividade em Portugal, para se concluir que se trata de uma falácia que não tem sustentação na realidade económica e social do país.

Nesta década em termos reais, os custos unitários do trabalho evoluíram ao nível da produtividade, não tendo sido por esta razão que se verificou uma perda de competitividade do nosso país. Aliás, isso é cada vez mais patente quando se analisam também os impactos dos custos salariais nos custos da produção, através dos dados oficiais mais recentes fornecidos pelo INE, referentes à Conta da Produção, Exploração e Emprego das Contas Nacionais de 2007 que nos mostra que as remunerações dos trabalhadores representam apenas 26,1% dos custos de produção das nossas empresas em geral e especificamente no caso dos ramos exportadores da nossa economia esse peso nos custos de produção é de apenas 15,5% em média.

Desta forma, mesmo que por absurdo as nossas empresas exportadoras conseguissem impor aos seus trabalhadores cortes salariais de 30%, o que alguns falcões de direita têm vindo a advogar, o impacto desse corte na descida dos preços das exportações seria de apenas 4,7%, valor inferior à oscilação anual que se verificou em 2010 em relação ao dólar e muito menos significativo do que os custos energéticos suportados pelas empresas, os quais não têm parado de subir e se estima que, em 2011, possam aumentar mais de 10%. 

Prova-se assim, também por esta via que, por muito que a direita e o PS entendam que será através da redução e da contenção dos salários que se poderá aumentar a competitividade da nossa economia, a balança já está de tal forma desequilibrada para os outros rendimentos, que tal medida terá custos sociais elevadíssimos e será economicamente ineficaz. Mas nesta matéria é preciso também dizer que o salário não pode ser reduzido a um custo e só na ideologia do capital que tem como princípio a maximização da sua taxa de lucro, esta terminologia se enquadra.
E se é certo que do ponto de vista empresarial eles são um custo, pois intervêm na formação do preço, do ponto de vista da economia tomada como um todo, isto é, da macroeconomia e do ponto de vista social, são um benefício.

O salário é um elemento base do equilíbrio económico: só se produz e só se vende o que os salários podem comprar, já que o lucro (a mais-valia) embora também compre, na realidade significativamente pouco e nas condições actuais o excesso de riqueza é pura e simplesmente transferido para o exterior, principalmente para entrar no circuito da especulação financeira e dos paraísos fiscais.

Tendo as empresas tantos e tão variados factores que influenciam o custo de produção, os ideólogos do capitalismo falam-nos de cátedra sobre os “altos custos salariais”, como se os trabalhadores tivessem uma espécie de pecado original. E fazem-no num país que de acordo com o PNUD ocupava o 5º lugar dos maiores índices de desigualdade (índice GINI), sendo em termos europeus o país mais desigual.

Nesse país aonde em 2009 os administradores executivos das empresas do PSI-20, receberam em média 822.300 € anuais – sem considerar outros elevados benefícios associados ao cargo - o que representa mais de 152 vezes o salário mínimo nacional.

Nesse país onde os lucros dos grandes grupos económicos nunca foram tão elevados: Entre 2005 e 2008 os 5 principais grupos financeiros e os principais grupos do sector energético acumularam 16.784 mil milhões de euros. Em 2009 enquanto o desemprego crescia 25% e o país estava em recessão, os 5 principais bancos tiveram de lucro 1 720 milhões de euros (mais de 4,7 milhões por dia) e os 5 principais grupos de energia e telecomunicações acumularam 2 100 milhões de euros, ou seja, estes 10 grupos tiveram em conjunto, 10,5 milhões de euros por dia. Ao contrário do que pretendem demonstrar são os baixos salários que são a causa da crise e não o contrário

A crise actual é um caso clássico de recessão na procura. É o subconsumo relativo das massas que explica a actual crise. Neste sentido, as reduções de salários e os apelos para minimalizar o estado social têm como consequência evidente o aprofundamento da crise. O rendimento dos trabalhadores é o factor chave para gerar a riqueza nacional de um país. Os baixos salários são um entrave ao desenvolvimento económico.

O nosso Partido ao defender a produção nacional de produtos importados – bens transaccionáveis – está justamente a criar condições para que o aumento das exportações corresponda ao desenvolvimento económico e à elevação do nível de vida dos trabalhadores.

De facto, só uma política de Estado de defesa da produção e do aparelho produtivo que assuma um modelo de produção nacional de produtos importados, promova um programa de industrialização do país, tendo como objectivo a soberania e segurança alimentar, o pleno emprego, aposte prioritariamente no mercado interno sem descurar as exportações pode inverter o desastroso rumo que o país leva. 

Uma estratégia exclusivamente centrada nas exportações, como os ideólogos da direita repetem monocordicamente, não tem interesse no melhoramento dos rendimentos do trabalho, nem na elevação das condições de vida do povo, porque a sua solução está assente numa política de baixos salários como único factor competitivo. 
Os factos têm vindo a mostrar o total falhanço desta política, com este governo do PS e com os que o precederam.

A valorização do salário será no contexto de uma política progressista, patriótica e de esquerda, um factor de desenvolvimento económico e social. Melhores salários não têm apenas consequência na satisfação de necessidades elementares de milhares de famílias e no combate à pobreza, são necessários para ampliar o mercado interno, dinamizando o conjunto dos sectores económicos e a densificação dos seus fluxos.

Melhores salários são necessários para travar o brutal prolongamento das jornadas de trabalho, através do duplo emprego e outras formas de trabalho que se procura para somar ao magro salário “normal”. Fenómenos responsáveis pelo aumento da economia subterrânea e informal, mas também por fadigas acumuladas que são a causa de acidentes, de redução de capacidade de trabalho e de produtividade e de ausência familiar.

Melhores salários são necessários para travar o já hoje elevado grau de endividamento das famílias.

Melhores salários são necessários para combater o trabalho infantil e outras forma anti-sociais de actividade laboral, e o combate à saída precoce de milhares de jovens da escola.

Melhores salários são necessários para fortalecer os impulsos ao processo de formação e qualificação profissionais.

Melhores salários são necessários para dar um salto na produtividade dos trabalhadores portugueses.

As medidas necessárias para produzir mais e melhor serão tanto mais eficazes quanto maior for a participação e a motivação dos trabalhadores e não quanto maior for a taxa de exploração e a sua insegurança.

Se queremos reduzir os custos das empresas e melhorar a competitividade da economia portuguesa temos de ir não aos salários, mas aos custos que o grande capital financeiro impõe ao conjunto do sector produtivo, em particular às PME.

As dificuldades competitivas da economia portuguesa estão no elevado custo do crédito, nos custos da energia superiores aos nossos congéneres europeus, nos custos agravados em matéria de telecomunicações e redes de transporte e logística, para não se falar das políticas que descriminam fortemente as micro, pequenas e médias empresas portuguesas, na distribuição dos fundos comunitários e do papel que o Euro desempenhou e desempenha na perda dessa mesma competitividade. 

Mas nesta matéria não se vêem medidas, por parte do governo do PS. Nesses interesses não toca, particularmente nos interesses da banca! Deixa tudo na mão desse simulacro de Estado regulador que permite todo o campo livre e total domínio à oligarquia económica e financeira que impõe os seus interesses e o domínio do mercado, contra o interesse geral.

É preciso recordar mais uma vez que só o trabalho humano, a força de trabalho, cria valor.

A actual crise mostra justamente que o dinheiro gerado na especulação financeira não tem qualquer valor real.

A crise actual e as medidas ditas de austeridade que se limitam a aumentar a taxa de exploração dos trabalhadores, provam-no plenamente.

O trabalho não é apenas um valor económico, é o criador de “valor”, a origem de todos os valores quer económicos quer sociais.

Os direitos dos trabalhadores não são pois privilégios, como a política de direita pretende estabelecer, são valores civilizacionais da maior elevação.

Os trabalhadores ao lutarem pelos seus direitos lutam afinal pela sociedade no seu todo, pela sua elevação civilizacional.

Quando os ideólogos do capital falam do “consumidor racional” que no fundo terá de aceitar a redução do salário real, aumentos de impostos, diminuição das prestações sociais, não vão além do que Marx já tinha já definido quanto ao que a burguesia do seu tempo pretendia: “Abaixamento do salário e longas horas de trabalho – é este o núcleo do (que designam por) comportamento racional e saudável do operário”.

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