Intervenção

Intervenção da Deputada<br />Proposta de Lei nº 18/VIII, que autoriza o Governo

Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça

V. Ex.ª introduziu na sua intervenção — a meu ver, bem — outras matérias que não se podem desligar do que estamos hoje a discutir. Deste modo, o debate não é tão simples assim, porque me parece que se entronca com outras questões relativas ao notariado e a algumas medidas já aprovadas. Neste meu pedido de esclarecimentos, gostaria de lhe fazer duas perguntas. Na parte final da sua intervenção, V. Ex.ª referiu-se à instalação de novos cartórios notariais. Gostaria de saber, em primeiro lugar, por que é que, antes de se tomarem outras medidas, como as relativas aos cartórios especiais e às fotocópias (e mais adiante referir-me-ei a esta questão da passagem de fotocópias), não se começa, primeiro, por modernizar os cartórios existentes, que bem precisam de modernização para poderem eficazmente cumprir as suas funções e, nessa medida, satisfazer melhor as necessidades dos cidadãos, e, em segundo lugar, por que é que não foi já tomada a medida, que, penso, tarda, de criar mais cartórios. Acontece que Portugal tem uma ratio muito baixa de cartórios em relação ao número de habitantes. Se compararmos a nossa situação com a da Grécia, se a memória não me falha, embora as realidades possam não ser comparáveis, podemos concluir que, para uma população de 10 milhões de habitantes, a Grécia tem 3000 cartórios, enquanto que em Portugal há trezentos e tal. Daí que estas medidas devam ser prioritárias. Parece que uma delas vai ser concretizada, embora tardiamente. Porque que razão se começou por outras medidas e não por estas que acabei de referir?

Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados

Vou fazer algumas observações ao diploma, mas, em primeiro lugar — e já foi aqui dito algo sobre isto, mas quero partir daqui —, gostaria de dizer que, de facto, o PCP sempre esteve contra a privatização do notariado, porque era, evidentemente, uma forma de privatizar receitas e de não conseguir, ao contrário do que disse o Sr. Deputado António Montalvão Machado e que está por demonstrar, que o cidadão comum tivesse, efectivamente, serviços melhores com a privatização.

Em segundo lugar, tratamos hoje, apenas e só, de questões ligadas ao arrendamento para comércio, indústria e exercício de profissão liberal e não ao arrendamento para habitação. Porém, quero dizer que o PCP sempre esteve contra aquelas disposições — e refiro-o, porque já se falou hoje aqui disso — relativas a arrendamentos habitacionais declaradas inconstitucionais. E registamos o namoro aqui feito ao Governo por parte do PP, para que reintroduza aquelas normas extraordinariamente graves para o direito à habitação. Em terceiro lugar, o Sr. Ministro da Justiça, logo na altura da apresentação do Programa do Governo, disse aqui algumas palavras, com as quais, à primeira vista, até estive de acordo e que, prima facie, me satisfizeram, sobre a questão de a privatização significar privatização de receitas — e era. Era um esbulho tremendo de receitas ao Estado, produzidas pelos cartórios — na altura, eram 14 milhões de contos e suponho que, agora, esse valor andará em mais de 20 milhões de contos…

Ao certo, não sei quanto é, mas atingirá muitos mais milhões de contos, depois dos aumentos de taxas, etc. O Sr. Ministro da Justiça falou na privatização de actos notariais e, em relação a alguns actos — digo, alguns —, parece-me que a desburocratização deve conduzir à privatização. E dou um exemplo, já dado há muito e com o qual todos estão de acordo, que é o de a procuração forense não precisar de ter o reconhecimento notarial, que era um fardo que recaía sobre os clientes dos advogados e os advogados, porque era sempre preciso mandar a procuração ao notário para reconhecer a assinatura. Com isto, estamos de acordo. Agora, perante algumas medidas já inseridas nos diplomas publicados em 14 de Março e perante o que aqui vem proposto, devo dizer que aquele meu tal acordo era mesmo prima facie, porque, hoje, tenho muitas dúvidas em relação a algumas das medidas tomadas. Agora, em relação a esta questão concreta, hoje em discussão, parece-me que, para se avançar neste sentido, era preciso ir mais longe na protecção das garantias do locatário. É que, quando um contrato destes — e um trespasse, normalmente, inclui também normas de arrendamento — é celebrado num notário, o notário preocupa-se em saber se tem licença de utilização, etc., se foi respeitada a finalidade do prédio e informa o cidadão candidato a locatário se aquilo está ou não em condições — e, se não está, não faz. Mas, agora, colocado nas mãos dos particulares — e devo dizer que aqui hoje se falou muito em cidadão comum, mas isto visa, sobretudo, os interesses de «grandes» cidadãos e não os do pequeno cidadão —, se não constar lá a questão da licença de utilização, etc., a sanção da indemnização não é uma sanção que, muitas, vezes, convenha ao locatário e, portanto, a sanção deveria ser a de se manter o contrato de arrendamento de qualquer forma. E, para além do mais, seria de perspectivar a possibilidade, que já constou do artigo 1029.º do Código Civil, que era a de, não havendo mesmo contrato por escrito, não ser apenas só com recibo de renda, mas, para além disso, também com prova testemunhal, a prova de que se pagou renda. E isto não é efectivamente resolvido. E dizia que isto satisfaz os grandes proprietários, porque esses estão mais do que avisados, têm advogados a quem recorrer, enquanto que os pequenos comerciantes, aqueles que querem abrir uma tascazinha já mais moderna, com outro ar, não têm acesso à informação e caem facilmente nas malhas de alguém que, sendo menos escrupuloso, redija um contrato que não respeite os seus interesses. Para além disso, isto também é privatização de receitas dos cartórios, porque vai ter de se pagar já não emolumentos aos cartórios, mas honorários às pessoas que fazem os contratos. E também está por provar que os honorários sejam inferiores aos emolumentos. Portanto, muitas privatizações de actos notariais devem ser analisadas devidamente, para se saber se, para além do mais, também a certeza e a segurança jurídicas estão devidamente acauteladas. É que, segundo o que aqui vem proposto e sabendo nós que a matéria do arrendamento é uma matéria que provoca grande conflitualidade nos tribunais, creio que isto, pelo menos, ameaça aumentar essa conflitualidade. Por isso, interroguei há pouco o Sr. Ministro da Justiça sobre a modernização dos cartórios notariais e a criação de mais cartórios. É que isso poderia perspectivar a questão da privatização já mais reduzidamente, a privatização de actos, e não ter de ser tão ampla como o está a ser, em minha opinião. Não vou ter muito tempo para fazer mais alegações, digamos assim, mas, no entanto, quero dizer o seguinte: é preciso ter cuidado com a questão da certificação de fotocópias pelos correios e por funcionários das juntas. É que há fotocópias e fotocópias! Há fotocópias de documentos que constituem o núcleo de uma acção, como, por exemplo, a de um contrato-promessa. E já apareceu um contrato-promessa nitidamente aldrabado, com linhas truncadas, etc., mas porque o notário era notário, pôs lá que o documento original não tinha o número de linhas suficiente. Pergunto, então, o que se passará — e isto é só um exemplo — com questões em relação a documentos que, depois, serão certificados por pessoas que, efectivamente, não têm preparação nesta área e nem sequer se apercebem dos problemas que estes têm. Estou absolutamente de acordo que algumas fotocópias sejam certificadas noutros sítios, mas penso que é preciso ter cuidado nesta matéria vendo-se quais são as situações que depois também podem causar problemas ao cidadão lesado com alguns contratos e problemas de dificuldade de prova nos tribunais. Por último, e mesmo para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria deixar uma nota final. Penso que o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes enfatizou a questão e terminou com uma frase muito bombástica ao felicitar o Sr. Ministro de Justiça pela sua coragem. Sinceramente, deixe-me dizer-lhe que não consigo descortinar essa coragem.

Sabe porquê, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes? É que eu gostava que lesse, aqui, em voz alta, o nome das entidades que subscrevem o tal Protocolo de Acção.

Leu, assim, muito «enroladamente»! Repito, muito «enroladamente»! Quem subscreve o Protocolo são associações empresarias, a saber, a Confederação da Indústria Portuguesa, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal…

Portanto, de facto, estamos a ver que quem subscreve o Protocolo são grandes interesses económicos e não é…

Portanto, efectivamente, não tem necessidade de vir aqui falar nisso e até lhe cai mal, porque – e vou mesmo terminar, Sr. Presidente – costuma falar-se muito daquilo que o Sr. Ministro da Justiça disse noutro dia e que até cai bem ao cidadão, que é o facto de os notários não terem de estar representados, alegando que assim estariam a defender interesses corporativos. Discordo um pouco dessa afirmação, porque os notários – e nós não concordamos com a posição que outrora a Associação Portuguesa de Notários tomou – é que podem, muitas vezes, retractar os problemas dos cidadãos, pelo que penso que é injusto os empresários estarem representados e os notários não o estarem.

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