«A Letónia como nó na cadeia dos Estados imperialistas»
Estimados camaradas e amigos!
Sem dúvida que para os marxistas como nós é hoje extraordinariamente importante não apenas ver a perspectiva de desenvolvimento do mundo, mas também poder transmitir esta visão científica - sublinho, científica - do desenvolvimento a amplas massas populares. É também neste plano que encontro uma enorme utilidade no nosso Encontro de hoje.
O capitalismo no seu estádio do imperialismo e da globalização entrou em colisão com uma série de contradições insuperáveis e antagónicas. Dentro das mais significativas, devem visivelmente ser destacadas o sobreconsumo e a limitação de recursos naturais, incluindo os energéticos; a crise ecológica global; a divisão do mundo entre ricos e pobres; a crise do sistema político do imperialismo; a crise das relações entre as nações; a crise de valores éticos e espirituais; o nacionalismo e o neofascismo. E, certamente, o capitalismo contemporâneo não atenuou, mas ao invés reforçou, as contradições entre o trabalho e o capital.
Na minha intervenção tocarei somente algumas das questões referidas, ilustrando-as essencialmente com dados analíticos a partir do contexto da Letónia. Mas, antes de o fazer, gostaria de referir que tudo o que aqui é dito se baseia numa concepção do mundo materialista e no materialismo histórico.
Existe uma multiplicidade de investigações científicas e de materiais de diversas conferências que confirmam a incompatibilidade entre o sobreconsumo capitalista e os recursos naturais disponíveis.
Segundo dados da ONU, 70% da população do planeta vive em países pobres e muito pobres. No grupo dos países mais ricos, onde vive apenas 8% da população, o PIB per capita ultrapassa 11 vezes o nível dos países pobres e mais do que 32 vezes (!) o nível dos países muito pobres. Os interesses do grande capital são incompatíveis com a necessidade de nivelamento do nível de vida em diferentes países. O interesse do capital é unicamente o lucro máximo ao menor custo. É neste princípio que assenta a admissão ou inclusão de novos países na União Europeia e na NATO. Antes da Letónia ter aderido em 2002 à UE, mediante a ajuda de diferentes consultores ocidentais, foram arruinadas a sua indústria e agricultura, que representam hoje menos de 50% da capacidade de 1990. No seguimento da adesão à UE, correspondem à Letónia subsídios dos fundos da União Europeia, mas o país não os pode receber e rentabilizar devido à baixa capacidade de co-financiamento dos projectos e à existência das quotas, que constituem apenas 20-25% daquilo que recebem os antigos Estados da União Europeia que integram o chamado “bilião dourado”*. Deste modo, é criada apenas uma aparência de utilidade, um engano da opinião pública - de que a União Europeia é uma coisa boa. Os últimos dados do Fundo Monetário Internacional mostram que a Letónia ocupa em PIB per capita o 51º lugar em 180 países do mundo. De facto, esta posição é muito pior, se se tomar em consideração que o contributo da indústria transformadora no PIB é de apenas 12,7%, sendo os serviços a parte restante, incluindo o crédito bancário à população. Devido à destruição da agricultura, a Letónia perdeu a independência alimentar - e por conseguinte a sua segurança. A importação de alimentos cobre mais de metade da necessidade, quando o limiar “crítico” é de 20%. Em 16 anos de independência, após a saída da URSS, a Letónia não foi capaz de restaurar o nível de produção agrícola e industrial do período soviético até 1990.
Em conformidade com as regras da União Europeia, a Letónia não possui uma política agrícola própria, uma política de pescas, e também uma política externa independente. A Letónia de hoje depende inteira e completamente dos interesses do grande capital dos países da União Europeia. Para este capital é vantajoso manter a Letónia na lista dos Estados subdesenvolvidos, no plano industrial e agrícola, onde se pode comprar mão de obra barata e explorar os recursos naturais em proveito próprio. Não sem a ajuda do governo marionete do país, pronto a corresponder a qualquer exigência da UE, NATO e Administração dos EUA, a Letónia ocupa hoje os lugares do fim da UE/25 em todos os principais parâmetros económicos. Abaixo da Letónia encontra-se somente a Polónia. O meu país tornou-se um fornecedor de mão de obra barata para os países capitalistas desenvolvidos, um local de instalação de bases militares da NATO; participa com os EUA na ocupação do Iraque, sujeitando-se ao perigo do terrorismo.
As pessoas partem da Letónia em procura de trabalho e de uma vida melhor. Segundo dados estatísticos oficiais, 10% da força de trabalho ocupada na indústria da Letónia, partiu do país à procura de trabalho. Três quartos da população vive com rendimentos abaixo da linha de subsistência. Isto quando, no pacto aprovado pela Assembleia Geral ONU «sobre os direitos económicos, sociais e culturais» refere-se que os Estados signatários não só «reconhecem o direito de cada indivíduo a um nível de vida digno para si próprio e respectiva família, incluindo uma alimentação em quantidade suficiente, roupa, habitação e a melhoria permanente das condições de vida» (art. 11, ponto 1), como estipula que são precisamente os Governos nacionais que têm que procurar a realização prática destes direitos. É, contudo, precisamente a formação social existente, apesar dos seus representantes vozearem mais alto sobre os direitos humanos, que impede a possibilidade de realizar estes direitos. No começo do novo ano de 2007 aguardam a Letónia não só um aumento acentuado dos preços da electricidade e do gás natural, mas também os despejos em massa dos apartamentos de prédios “desnacionalizados”, em virtude das incomportáveis rendas de habitação. Todos estes fenómenos não são mais do que um produto do regime de poder existente. Na antiga Letónia soviética, no seio da URSS, o nível de vida era uma grandeza suficientemente estável, enquanto hoje diminuiu várias vezes e continua a diminuir para a maioria da população. A tudo isto a população reage de forma natural: os fracos perecem, os fortes partem em busca de condições de sobrevivência. A mortalidade supera quase no dobro a natalidade. As perdas da população da Letónia em 15 anos na via de desenvolvimento capitalista são comparáveis às perdas durante todo o período da II Guerra Mundial. Durante a guerra a população da Letónia reduziu-se em 450 mil pessoas. Durante os 15 anos de independência, a redução da população no país foi quase de 400 mil pessoas.
Seria uma meia-desgraça se estes processos tivessem lugar apenas na Letónia. Mas a estatística testemunha que este tipo de problemas deparam-se perante o mundo capitalista a uma escala global. O capitalismo domina hoje em grande parte da esfera terrestre, mas a sua essência exploradora não se alterou. Tal como antes, o capitalismo representa um tipo de sociedade em que a produção material e os valores espirituais estão subordinados às leis do mercado de extracção do lucro máximo para uma minoria - a classe governante da burguesia.
Os processos que têm lugar no tempo pós-soviético conduziram ao aprofundamento do fosso entre os países em desenvolvimento e os países desenvolvidos. De acordo com os cálculos mais moderados, a diferença de rendimento nos países desenvolvidos e em desenvolvimento era em meados dos anos 60 de 17-24 vezes, enquanto na actualidade é já de 60-70 vezes. A esta situação conduz o aumento incontrolado do consumo em larga escala e de longe excessivo dos Estados do chamado “bilião dourado”*, regra geral, à custa, de múltiplos canais de exploração dos povos dos países pouco desenvolvidos e em desenvolvimento. Na lista dos últimos encontram-se também muitos Estados da ex-URSS e antigo campo socialista.
«Todo o sal da sociedade burguesa - escreveu K. Marx - consiste exactamente no facto de nesta não existir apriori qualquer regulação consciente da produção. O racional e naturalmente necessário força o seu caminho como uma média estatística que actua cegamente» (obras de K. Marx, F. Engels, tomo 32, pág. 461).
Representa hoje um sério perigo o crescimento das mais variadas formas de nacionalismo. Foi precisamente o nacionalismo extremado dos partidos da direita liberal-nacionalista na Letónia que levou ao curso abertamente nacionalista do Estado. Iniciado com a divisão da população da Letónia em cidadãos e não-cidadãos, com a restrição dos direitos políticos e económicos de grande parte dos antigos membros do PCUS, este curso conduziu posteriormente o poder oficial do país a apoiar tendências pró-fascistas - à absolvição e glorificação dos chefes da hitleriana Waffen SS e dos bandidos que lutaram contra o poder soviético, à proibição do Partido Comunista da Letónia (que permanece até à data sob proibição) e à reescrita e revisão da história da Letónia e dos resultados da II Guerra Mundial. Toda esta situação é coroado pelos acontecimentos de 7 de Outubro último, quando nas eleições para o Seym parlamento mas uma vez não foi permitida a participação de 18%, da população, a maioria russófona; quando os antigos militantes do Partido Comunista da Letónia foram privados do direito de se candidatar ao parlamento, enquanto foi eleito deputado do Seym da Letónia um assistente de um oficial fascista das antigas Waffen SS. É sintomático que os órgãos de comunicação social locais silenciem esta informação, tal como o fazem as publicações oficiais do Estado e o Comité Eleitoral. Na nossa opinião este é o começo de um caminho muito perigoso para a Letónia, contra o qual nós, socialistas da Letónia iremos lutar.
O nosso Partido Socialista da Letónia parte do princípio de que a etapa contemporânea da globalização imperialista constitui a etapa final do capitalismo mundial no seu estádio imperialista, e o início da transição gradual da humanidade para o socialismo real. Esta é indubitavelmente uma etapa complexa e suficientemente prolongada. O imperialismo nunca aceitará ceder pacificamente as suas posições de “dono do mundo”. Concordamos em que o século XXI pertence objectivamente ao socialismo, no qual a loucura da concorrência capitalista, com a sua corrida pela satisfação das desmedidas exigências consumistas, dará lugar ao desenvolvimento planeado e auto-suficiente de todas as esferas da actividade humana e à satisfação racional de todas as necessidades da sociedade. Tem bastante razão o filósofo russo D.V. Djokhadze quando escreve que «no socialismo o povo foi o herói, depois dele - escravo; o socialismo puxou pelos pobres em relação aos ricos, pelos analfabetos em relaçãos aos instruídos, das camadas inferiores em relação às altas; o socialismo destruiu no nosso país na URSS - nota de A.R. o antagonismo secular entre classes, enquanto o capitalismo imediatamente o reconstituiu, além do mais, na sua forma mais rude» (D. V. Djokhadze «O Marxismo, o pensamento social contemporâneo e as tendências de desenvolvimento socialista da humanidade no século XXI», M., MAKS Press, 2001, pág. 24).
Se quer sobreviver, a humanidade não tem outra alternativa senão a transição para o socialismo. O século XX ficou marcado na história pelo imperialismo e os seus produtos, tais como as guerras sanguinárias, os desmandos do fascismo, o nacionalismo, o terrorismo, o genocídio, o infortúnio de milhões de seres vivos. Aos olhos dos trabalhadores o imperialismo está numa situação comprometida. A nossa tarefa consiste em mostrar aos povos do mundo o caminho para uma vida nova, e encabeçar a luta pela sua aproximação. Sem dúvida que o faremos!
Presidente do Partido Socialista da Letónia
Alfred Rubiks
* expressão usada em alusão aos cerca de mil milhões de habitantes do mundo capitalista desenvolvido