Uma vez mais nos reunimos, como anualmente ocorre desde 1998 em Atenas, os representantes dos partidos comunistas e operários do mundo, agora sob os auspícios do Partido Comunista Português. Agradecemos aos camaradas portugueses pela oportunidade que nos oferecem, pela generosa acolhida, a proverbial hospitalidade lusitana e pelo elevado nível de organização deste Encontro, assegurando plenas condições para o desenvolvimento de profícuos trabalhos.
O Partido Comunista do Brasil sente-se honrado de participar deste evento e compartilhar com os partidos irmãos informações e pontos de vista, o que consideramos de grande valia para a nossa luta comum pela emancipação dos trabalhadores de todo o mundo.
Nas condições difíceis criadas para o desenvolvimento da luta antiimperialista, anticapitalista e pelo socialismo, após os acontecimentos regressivos das últimas décadas do século 20, é auspicioso que em todos os continentes os partidos comunistas e operários realizem esforços para desempenhar papel destacado no processo objetivo, que se observa atualmente, de retomada das lutas políticas e sociais em diferentes níveis e variadas formas. Esse esforço, que a experiência vem revelando demandar prolongado tempo e aturada maturação, não está isolado das lutas políticas em curso, do enfrentamento de fenômenos novos na luta política de classes, do surgimento de formas novas de transições políticas. Outrossim, não está separado da luta ideológica e teórica em defesa e pelo desenvolvimento do socialismo científico, do marxismo-leninismo e do internacionalismo.
O Encontro de Partidos Comunistas e Operários afiançou-se como um espaço indispensável para, mantendo a autonomia de cada organização, firmar opiniões comuns sobre temas candentes da situação mundial, para estimular campanhas e iniciativas comuns e exercer na prática a solidariedade internacionalista. Foi deste encontro o mérito, em mais de uma oportunidade - desde que o imperialismo norte-americano pôs em prática sua doutrina de “guerras preventivas” - de condenar sem meias palavras tal política belicista, e de manifestar a mais irrestrita solidariedade aos povos e países vitimados pelas agressões imperialistas. Foi deste encontro o mérito, a partir de suas modestas possibilidades, de desmascarar os pretextos invocados pelos Estados Unidos para atacar e ocupar o Afeganistão e o Iraque, países onde a presença de tropas de ocupação, não só não contribuiu para restaurar a democracia, como provocou retrocesso nos planos político, econômico e social. Foi mérito deste Encontro rechaçar as ilusões quanto à possibilidade de colaboração com o suposto sentido democrático e civilizador da intervenção dos Estados Unidos no Oriente Médio. Para nosso Partido, foram de grande valia as declarações e moções aprovadas nos oito encontros precedentes. Acrescentaram-nos argumentos e elementos de convicção com os quais orientamos nossa intervenção e ação em outros cenários da luta política e social em que participamos: no Fórum de São Paulo, no Fórum Social Mundial, em encontros de caráter regional na América Latina, assim como na intervenção de nossos militantes nas lutas e campanhas com caráter de massas, principalmente na luta pela paz e contra a guerra imperialista.
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1 - São grandes os desafios para os comunistas na atual quadra histórica, porque são graves as ameaças provenientes de um sistema de poder político e econômico cuja permanência e expansão residem na liquidação de conquistas democráticas e sociais, no aniquilamento da soberania nacional de países e povos independentes e na ameaça à paz mundial. A humanidade encontra-se imersa num ciclo conservador que se traduz por uma abrangente ofensiva do imperialismo, em especial o norte-americano, contra os interesses fundamentais dos trabalhadores e povos. No plano político, a característica de nossa época é a ofensiva imperialista para estabelecer o domínio no mundo através da militarização e da guerra, assim como da prática de uma diplomacia que ignora o direito internacional e os organismos multilaterais. Apesar da instrumentalização demagógica da democracia e dos direitos humanos, invocados inclusive como pretexto para fazer a guerra, as liberdades políticas são aviltadas, o estado policial é hipertrofiado, os direitos civis são menoscabados e os direitos humanos vilipendiados. O “Patriot Act”, em vigor nos Estados Unidos, as leis “antiterroristas”, as torturas a prisioneiros de guerra em Abu Graib e Guantânamo e seu transporte ilegal são evidências disso.
2 – Para alcançar seus objetivos hegemônicos, submetendo todas as regiões ao seu controle militar, os Estados Unidos estão concentrando momentaneamente suas atenções na região do Oriente Médio. Ali se encontram as mais abundantes reservas petrolíferas do planeta. Seu controle direto é essencial, quando já se manifestam alarmantes sinais de crise energética, como mais um elemento da crise sistêmica do capitalismo e uma evidência a mais do parasitismo da economia norte-americana. Os Estados Unidos tratam de se adiantar aos seus aliados e rivais na concorrência pelo controle das fontes energéticas. Ademais, do ponto de vista estratégico, o controle da região terá grande valia quando os Estados Unidos tiverem de enfrentar seu principal rival em perspectiva, a China. Estas são as principais razões de fundo para a definição do plano estratégico prioritário da Administração Bush – o chamado Plano de Reestruturação do Oriente Médio. As guerras “preventivas” contra o Afeganistão e o Iraque, assim como a guerra de Israel contra o Líbano em julho e agosto últimos e a sistemática destruição da nação palestina, inviabilizando a criação do seu Estado nacional independente, são parte integrante desse Plano. Igualmente, é a ambição de controle político e militar sobre o conjunto da região, que faz com que os Estados Unidos coloquem na alça de mira de sua política agressiva a Síria e o Irã, países que não se submetem ao domínio norte-americano.
3 – A concentração da sua ofensiva na região do Oriente Médio não significa que os Estados Unidos não estejam agindo em relação a outras regiões do mundo. Particularmente a América Latina, que os imperialistas estadunidenses consideram como sua área de influência e região de seu exclusivo domínio econômico e político, segue sendo alvo da sua ofensiva. Diretamente ou através das classes dominantes locais, os EUA intensificam sua ofensiva no continente, sobretudo depois que se configurou uma tendência avançada, a partir das lutas democráticas dos povos da região, de eleger governos progressistas, populares ou mesmo de caráter antiimperialista e socialista . São expressões dessa ofensiva imperialista:
a) A tentativa, que afinal malogrou com a reeleição de Lula no Brasil, de fazer retornar ao vértice do poder nacional, as forças mais retrógradas da sociedade brasileira, abertamente neoliberais e pró-imperialistas.
b) A reiteração e mesmo o endurecimento das posições agressivas de Washington em relação a Cuba, com o anúncio de um novo “plano de transição”, o que revela o perigo de que sejam desencadeadas ações desestabilizadoras contra o país socialista caribenho.
c) O recrudescimento da ofensiva contra a Venezuela bolivariana. São inúmeros os fatos, sendo os mais recentes a ação direta do Departamento de Estado estadunidense para impedir que a Venezuela fosse escolhida para a vaga rotativa latino-americana e caribenha no Conselho de Segurança da ONU, além dos sucessivos vetos dos EUA à aquisição de equipamentos militares junto à Espanha, à França e ao Brasil.
d) O planejamento e a execução, já em curso, de um golpe na Bolívia, a tentativa de esvaziar os poderes da Assembléia Constituinte, a “sublevação” de quatro províncias orientais do país, entre elas a mais rica, Santa Cruz, incluindo a ameaça de secessão, a dura reação das elites brasileiras contra a nacionalização dos hidrocarbonetos, a reação dos Estados Unidos à política boliviana de plantio da folha de coca e das elites locais contra a reforma agrária.
e) A interferência direta ou por interpostas forças e até provocando fraudes, nos processos eleitorais do Peru, do México, da Colômbia e do Equador, onde à exceção deste último porque o processo não está ainda concluído, venceram candidatos neoliberais e dóceis aos Estados Unidos.
f) A assinatura de acordos de livre comércio com o Chile, o Peru, a Colômbia e o Panamá, além do Cafta-RD, com os países centroamericanos e a República Dominicana , significa na prática a existência de uma espécie de Alca sem Mercosul e Caricom. Esses acordos de livre comércio se fazem acompanhar de uma campanha de esvaziamento do Mercosul e a tentativa de implodi-lo, provocando a retirada desse tratado do Paraguai e do Uruguai e fomentando crises entre o Brasil e a Argentina.
4 – Os acontecimentos atuais revelam que o imperialismo norte-americano tem uma imensa capacidade destrutiva. Baseado na sua superioridade militar e nuclear, em seus métodos terroristas, nas desigualdades econômicas e sociais relativamente aos países mais débeis, chantageia, infunde medo e com freqüência provoca o holocausto de povos inteiros. Contudo, vistas as coisas por uma ótica multilateral, os dias que correm estão longe de assinalar a vitória dessa superpotência, antes mostram que está acumulando reveses. Mais distante ainda encontra-se o imperialismo estadunidense do seu apogeu e dias de glória. Os fatos a que estamos a assistir revelam, ao contrário, as imensas dificuldades que tem o imperialismo estadunidense para se impor. A começar pelo estado de sua economia. Muito embora os seus meios propagandísticos difundam que sua economia atravessa uma fase expansiva, a realidade fala de outra coisa. Os EUA são hoje uma nação parasita que consome muito mais do que produz, acumulando colossais déficities comercial, nas contas correntes e no balanço de pagamentos. Embriagado pela “ditadura do dólar”, o país se engana com a suposta capacidade de refinanciamento de uma dívida que já atinge a cifra inimaginável de 8 trilhões de dólares.
5 – Na frente política, o imperialismo norte-americano vem sendo sistematicamente derrotado. A guerra de agressão e ocupação no Iraque é um fracasso consumado para os Estados Unidos. Nenhum malabarismo da mídia, como nenhuma manobra para criar uma contrafação de democracia - quando na verdade se está a criar um regime títere e colaboracionista, um governo de traição ao povo e de renegação da soberania nacional - nenhuma medida repressiva, nenhum aumento de efetivos militares ou mobilização de seus instrumentos, como a OTAN no Afeganistão, nem mesmo a divisão artificial do país como cogitaram os estrategistas do Pentágono, será capaz de esconder o que está a olhos vistos – o retumbante fracasso dos EUA no Iraque, com inevitáveis conseqüências políticas internas e o desgaste cada vez maior da Administração Bush.
6 – O mesmo pode ser dito sobre a ocupação da Palestina por Israel, ponta de lança dos interesses norte-americanos na região, e sobre o Líbano, onde durante 32 dias os neofascistas israelenses martirizaram a população, diante do olhar silente de uma “comunidade internacional” paralisada pelo cantochão da senhorita Rice: “São as dores do parto do novo Oriente Médio”, dizia a secretária de Estado, enquanto a aviação israelense cometia genocídio. No Líbano, a resistência nacional, heterogênea num quadro de dilacerações étnicas e confessionais, foi capaz de rechaçar os agressores e derrotar os planos norte-americanos e israelenses. O Iraque, o Afeganistão, o Líbano e a Palestina, assim como o exercício da soberania nacional pelo Irã e a Síria em face das pressões estadunidenses, são demonstrações cabais de que não há futuro para uma política neocolonialista e o domínio militar das nações, por mais desigual que seja a correlação de forças. O século XX, com sua experiência de revoluções populares e lutas nacional-libertadoras já havia deixado este grande legado para os povos – a consciência de que é imperativo defender a causa nacional. Em grande medida, as potencialidades revolucionárias contidas na situação em desenvolvimento residem nesse fator – a resistência dos povos agredidos pelas guerras “preventivas” do imperialismo norte-americano.
7 – Na América Latina, embora num contexto inteiramente distinto, com ritmos e formas diversos, consoante a cultura política ali desenvolvida e as peculiaridades de cada país, cresce a resistência à estratégia de dominação dos Estados Unidos. A Alca, projeto de caráter neocolonialista, malogrou. O receituário dogmático do chamado “Consenso de Washington” e as políticas de ajuste de cunho neoliberal deterioraram ainda mais a situação econômica, aumentaram a dependência e as vulnerabilidades dos países da região e engendraram situações de crise social. Criou-se uma situação politicamente insustentável para os governos neoliberais, muitos deles batidos pelo voto popular. Na Venezuela, no Brasil, na Argentina, no Equador, na Bolívia, no Uruguai, no Chile a direita foi afastada do poder, emergindo daí situações políticas inteiramente novas, nas quais as forças revolucionárias e os Partidos Comunistas não estavam habituados a atuar, por força das circunstâncias.anteriores.
8 – É significativo que em pelo menos um desses processos políticos, o venezuelano, em que houve uma virtuosa combinação de mobilização das massas, vitória eleitoral e ação de uma liderança imbuída de convicções revolucionárias, tenha ocorrido um aprofundamento da luta antiimperialista e tenham surgido objetiva e subjetivamente as condições para postular o socialismo como alternativa de fundo, obviamente com caráter e forma peculiares à própria realidade nacional.
9 – Reveste-se também de significativo conteúdo que a Revolução Cubana contorne progressivamente os obstáculos criados pelo bloqueio imperialista, o país supere dificuldades econômicas e persevere no aperfeiçoamento e consolidação de um sistema que é apanágio da questão social. Com sua luta heróica, suas posições políticas firmes e seu internacionalismo, a Revolução Cubana continua inspirando as atuais gerações de combatentes que na América Latina e em todo o mundo lutam pela independência nacional e o progresso social. A recente realização da Reunião dos Países não-Alinhados em Havana foi mais uma contribuição que deu a Ilha socialista caribenha para aglutinar forças democráticas e independentes na luta contra o hegemonismo estadunidense.
10 – A reeleição de Lula da Silva, após o primeiro período de governo marcado por uma situação objetivamente desfavorável no tocante às vulnerabilidades econômicas do país vis-à-vis o capital financeiro internacional e subjetivamente condicionado por uma visão política moderada e tendente à conciliação, é um dado positivo na situação, que ultrapassa em muito as fronteiras nacionais e regionais. Os comunistas brasileiros valorizam como uma conquista importante que uma direita antidemocrática, repressiva, neoliberal, antinacional e anti-social tenha sido derrotada em duas eleições presidenciais consecutivas por um conjunto de forças democráticas. O êxito de um governo com esse caráter freia o impulso imperialista sobre o continente e, apesar de todas as limitações objetivas e subjetivas, abre melhores possibilidades para a acumulação de forças no Brasil e na América Latina. Por isso mesmo, a reeleição de Lula foi saudada por partidos comunistas e líderes revolucionários de todos os continentes, numa manifestação de solidariedade ao nosso povo e nosso país, pelo que agradecemos penhoradamente. A consolidação de uma tendência democrática e o fortalecimento de forças patrióticas na América Latina permite avançar num processo de integração regional, indispensável para o desenvolvimento econômico e para a resistência aos planos neocolonialistas dos EUA. Suas dimensões são, além de econômicas, também sociais e culturais, do que são importantes expressões o Mercosul, a Comunidade Latino-Americana de Nações e a Alba.
11 – A situação em desenvolvimento no mundo, com seus perigos e potencialidades revolucionárias põe em relevo na ordem do dia para os comunistas e demais forças revolucionárias e progressistas a tarefa de retomar a luta por alternativas de fundo, com caráter popular e que representem uma ruptura com o neoliberalismo e a dominação do imperialismo. Trata-se de enfrentar, na teoria e na prática, os desafios da nova luta pelo socialismo, nas novas condições do século 21. Os procedimentos táticos e estratégicos, as plataformas programáticas, as políticas de alianças, os métodos e formas de luta corresponderão às condições peculiares da luta em cada país. Hoje são maiores as evidências de que o imperialismo não é invencível e pode ser derrotado, assim como crescem os elementos de convicção de que outro mundo, socialista, é não só possível como indispensável para a solução dos impasses históricos engendrados pela dominação imperialista.