Intervenção de

Interpelação ao Governo sobre questões da situação social e laboral dos trabalhadores<br />Intervenção do Deputado Carlos Carvalhas

Senhor Presidente Senhores DeputadosAo decidir-se pelo agendamento desta interpelação centrada na situação social e nos perigos eminentes que decorrem das prioridades do Governo, designadamente da Lei de Bases da Segurança Social e do denominado código do trabalho, no sentido da regressão social e da satisfação dos grandes interesses, o PCP quis corresponder aos apelos, à denúncia e às fundadas preocupações de centenas de milhares de trabalhadores e das suas organizações representativas.Num quadro duma ofensiva legislativa sem precedentes articulada com uma proposta de Orçamento de Estado em que é claro o objectivo de fazer pagar a dobrar os trabalhadores, tanto nos seus salários como nos seus direitos, há uma primeira acusação que lançamos ao executivo do PSD/CDS-PP, a sua responsabilidade pela alteração de comportamentos e radicalização de sectores mais retrógrados da sociedade que se sentem impunes e intocáveis na violação dos direitos dos trabalhadores em muitas empresas.A contratação colectiva e os acordos estabelecidos são desrespeitados, ressurgem os salários em atraso, o lay-off é aplicado de forma cirúrgica como arma de chantagem, pratica-se o exercício do medo no prolongamento e banalização da jornada de trabalho sem a devida retribuição, os trabalhadores com vínculos precários ficam mais sujeitos ao arbítrio perante uma inspecção de trabalho, que mesmo que quisesse intervir, com as medidas em curso e este Orçamento fica sem meios, sem operacionalidade, sem capacidade de responder e actuar face a tantas e diversas situações.A segunda acusação que fazemos ao Governo é que ou por incompetência ou por opção (ou pelas duas coisas) também, o badalado Ministério da Justiça ainda não teve uma palavra, quanto mais uma medida concreta, para desafogar os Tribunais de Trabalho, tanto em relação aos processos correntes como no escândalo dos créditos em atraso que são devidos aos trabalhadores em resultado da falência de empresas.As suas prioridades são outras. A de dar satisfação aos grandes interesses, a de colocar os respectivos boys nos lugares estratégicos, a de criar a psicologia da crise e do medo do desemprego para liquidar conquistas, apertar o cinto aos do costume e prosseguir a política de concentração de riqueza.A prioridade vai para dois grandes negócios, a saúde e a segurança social a que mais tarde se juntará o da privatização da água. No apetecível e volumoso negócio da saúde, a primeira direcção deste Governo, foi para a aprovação da nova Lei de Bases de Gestão Hospitalar onde, para além da entrega dos novos hospitais à gestão privada e da privatização dos serviços mais apetecíveis, uns restantes, visa ainda, privatizar o vínculo do emprego público dos seus trabalhadores.Na segurança social colocando o Ministro Bagão Félix, como principal interprete das principais exigências das grandes seguradoras, o Governo prepara-se para as incorporar na lei estruturante do sistema de Segurança Social, tentando transformar o que é hoje um direito universal num risco ou numa esmola.Ao impor que as contribuições dos trabalhadores que venham a ser abrangidos pelos tectos contributivos se transformem em fontes de incalculáveis lucros para os banqueiros e detentores das grandes seguradoras; ao impôr-lhes que se sujeitem e assumam todos os riscos das suas futuras pensões, o Governo pretende que as futuras gerações de trabalhadores troquem as reformas certas, garantidas pelo sistema público, por reformas incertas; provoca a ruptura no princípio da solidariedade, põe em causa no futuro, os níveis dos subsídios de desemprego, de doença e de outras prestações sociais e desfere um golpe profundo no Sistema Público de Segurança Social.A fase de regulamentação posterior da Lei de Bases que o Governo quer aprovar aceleradamente revelará de forma ainda mais crua os reais objectivos deste executivo PSD/CDS-PP. Mas hoje podemos já fazer a acusação de que o ânimo e a pressa que fez correr este Governo não são os interesses dos trabalhadores e dos reformados. O que o anima e faz correr são as pressões, os interesses, as exigências do capital financeiroSenhor Presidente Senhores DeputadosNesta cruzada contra os direitos dos trabalhadores e as conquistas sociais, o Governo avança com a mais grave ofensiva contra direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.A filosofia, a natureza, dimensão e objectivos do denominado projecto do código do trabalho constituem em si mesmo um projecto que, com uma ou outra cenoura e um ou outro disfarce colide no essencial com um dos principais pilares do regime democrático-constitucional, retrocede nos termos de doutrina aos primórdios do capitalismo, tem uma natureza de classe desumana e discriminatória e tem como objectivo supremo aumentar a exploração dos trabalhadores.É sabido que o Direito do Trabalho se afirmou e evoluiu a par dos avanços civilizacionais das sociedades humanas, que a pulso, com muitas lutas, e nunca por dádiva, os trabalhadores viram reconhecidos na Lei direitos tão importantes como o de não serem despedidos arbitrariamente, o direito a um horário e a um salário dignos, a uma carreira profissional, o direito a férias, o direito de participação, de negociação e de organização, o direito de fazer greve.No nosso país foi também no acto e processo mais avançado e de maior modernidade da nossa época, o 25 de Abril e com a aprovação da Constituição da República, que os trabalhadores portugueses alcançaram direitos que integram o património da democracia.Alcançaram-no quando no dilema e no confronto entre os interesses e direitos dos trabalhadores e os interesses e privilégios do capital os constituintes recusaram as teses retrógradas e ultrapassadas da direita que tentavam fazer crer que existiam duas partes contratantes em igualdade de circunstâncias, o empregado e o empregador. Os deputados constituintes e posteriormente a Assembleia da República nas sucessivas revisões da Lei Fundamental fizeram uma opção inequívoca e de fundo ao consagrar e manter o Direito do trabalho no Capítulo mais nobre da Constituição, no Capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias contra o voto retrógrado do então CDS.Eis que agora, pelas mãos dum Ministro CDS/PP, o Governo afronta a opção constitucional tentando transformar em letra morta o que essa opção comporta e consagra, como claramente o revela entre outros, o artigo 294 do respectivo Código. E esta é a terceira acusação que o PCP faz a este Governo.Porque quer dar mais “causas” e facilidades às empresas para despedir, reduzindo o limite de faltas injustificadas, indo ao ponto em que quando uma vez por mês um trabalhador e particularmente uma trabalhadora que chegue atrasada ao local de trabalho ficará sob a alçada do despedimento com justa causa. E seguindo as pisadas do senhor Berlusconi um trabalhador injustamente despedido, que demore anos para ver o seu processo concluído pode são ser reintegrado se a empresa assim o decidir!Porque quer transformar a entidade empregadora em juiz de causa própria na gestão e organização do tempo de trabalho e em que com base num horário médio poderia exigir jornadas de trabalho de 10 horas diárias e de 50 horas semanais pagas a singelo. O trabalhador deixaria de poder organizar a sua vida pessoal, familiar e social.Chega ao ponto de inventar que o sol se passa a pôr às 11 horas da noite colocando o país num eterno verão nórdico, ao alargar das 20 para as 23 horas o início do horário de trabalho nocturno, medida feita à medida dos mandantes das grandes superfícies. (artigos 182 e 183)Chega ao ponto de exigir que o trabalhador se transforme em “pau para toda a obra” pela via da mobilidade funcional ou seja, de polivalência quase absoluta e de exigir a maior submissão pela possibilidade do recurso patronal à mobilidade geográfica do trabalhador onde praticamente só se lhe reconhece o direito de se despedir, quando confrontado com alterações radicais da sua vida.Chega ao ponto de querer invadir o direito à privacidade do trabalhador particularmente nos casos de admissão, designadamente em relação à gravidez. (artigo 14)Retoma uma velha proposta de alterar o conceito de remuneração reduzindo a parte fixa do salário e aumentando a parte variável e incerta com consequências para a protecção social, já que as empresas descontariam sempre menos.E condiciona o direito a férias ao princípio da assiduidade, dando com uma mão e tirando com a outra. Mas para se perceber o alcance e as malfeitorias deste retrógrado e inaceitável projecto bastaria ver o que pretendem fazer aos Contratos e Convenções Colectivas.Para este Governo, caso os Sindicatos se recusem a capitular nas cíclicas e repetidas propostas de eliminação do clausulado que consagram direitos, feitas pelos negociadores patronais, o Contrato ou a Convenção caducam ao fim de dois anos. Era a liquidação de uma penada de direitos duramente conquistados.À cautela, pensando nas dezenas de milhar de empresas sem organização de trabalhadores, dar-se-ia o poder de negociação às Comissões de Trabalhadores, ressuscitando a experiência de há 40 anos atrás das Comissões de Empresa ou do patrão. Porque é nessas que este Governo pensa, já às que existem e que são de facto Comissões de e dos trabalhadores, propõe-se cortar radicalmente o crédito de horas.Como “coroamento” deste pacote laboral o direito à greve, tal como a Constituição o conforma e consagra, seria restringido e condicionado.Ao propor-se aumentar as sanções sobre os trabalhadores escolhidos para os serviços mínimos e tentar criminalizar os Sindicatos por “greves ilícitas” inclusive só por desencadearem processos reivindicativos entre duas negociações de contratos, o Governo demonstra a sua verdadeira face.Assim havia de ser! Numa inconfidência o Secretário de Estado do Trabalho, afirmou publicamente que a celeridade do seu projecto só foi possível pela contribuição de advogados e de empresários.Fizeram o texto, fizeram a encenação e o Ministro do Emprego faz a propaganda.À música celestial da CIP juntaram-se as exigências e as chantagens dos porta vozes do capital alemão, de banqueiros, dos grandes grupos económicos enquanto surgiam alguns mais trauliteiros, mas em jogada combinada, a exigir ainda mais.E com os microfones todos abertos, incensado por alguns interessados directos neste pacote laboral, o Ministro Bagão Félix partiu para uma autêntica cruzada sustentando o seu código em quatro mandamentos e com algumas cerejas: a competitividade; a produtividade; a rigidez das leis laborais; os níveis de absentismo.E esta é a quarta acusação que fazemos ao Ministro e ao Governo porque como examinaremos mais à frente estamos perante meros pretextos e quatro embustes claros. Basta aliás recordar os salários e as leis laborais do antes do 25 de Abril e atentar no nível de produtividade, de competitividade e de desenvolvimento que esse modelo trouxe ao país.Senhor Presidente Senhores DeputadosAfirmámos no início desta intervenção que o Governo quer que os sacrifícios sejam pagos a dobrar pelos trabalhadores. Nos seus direitos mas também nos seus salários e pensões e reformas. E esta é a quinta acusação que vos fazemos.O nível de vida dos assalariados será drasticamente atingido pelo aumento dos preços, pelos impostos directos e indirectos, pela degradação dos serviços públicos e pela diminuição dos salários reais. Na verdade, nas Grandes Opções de Plano e nas propostas de Lei do Orçamento, os trabalhadores da Administração Pública são o alvo primeiro. Após a aprovação duma nova versão da famigerada Lei dos Disponíveis, contrariando justas expectativas e direitos adquiridos temos agora a proposta da diminuição dos salários reais e a pressão para que um tecto salarial de 2%, seja também aplicado às empresas do sector público e ao sector privado. Paralelamente isenta as sociedades gestoras de participações financeiras e aumenta os benefícios fiscais às actividades financeiras e especulativas. O Governo demonstra assim a sua natureza e a natureza da sua política.Senhor Presidente Senhores deputadosMarcámos esta interpelação porque as propostas do Governo em relação à Segurança Social e à legislação do trabalho são propostas de regressão social, de retrocesso civilizacional, que visam liquidar direitos que foram conquistados pela luta de gerações de trabalhadores e consagrados com o 25 de Abril.O Governo tem-nos dito numa grande operação de marketing que não, que as suas opções visam consolidar a segurança social pública, que tudo isto é feito para defender os trabalhadores, que tudo é feito para seu bem.Mas os trabalhadores e as suas organizações de classe, mal agradecidos não enxergam a bondade das propostas do Sr. Ministro do Trabalho. Não percebem que isto é só para defender os seus empregos, para aumentar a competitividade e a produtividade, para depois aumentarem os seus salários... São uns ingratos e uns injustos! Não querem entender que isto não visa aumentar a exploração, nem torná-los mais dóceis e sem poder reivindicativo, nem visa aumentar as taxas de lucro do capital financeiro e das multinacionais. Não percebem que as alterações à segurança social nada têm a ver com as seguradoras privadas, mas com o seu bem estar... Não entendem que quanto mais ricos forem os ricos sempre algumas migalhas cairão debaixo da mesa!Andam há anos a explicar-lhes que estamos no pelotão da frente, que iremos ter salários e pensões europeus e ainda não compreenderam que estas coisas levam tempo, que Roma e Pavia não se faz num dia, que primeiro é necessário ter taxas de lucro superior às médias europeias, cargas fiscais e preços a nível europeu e que só depois virão os salários...Senhor Presidente Senhores DeputadosSe o Primeiro-ministro na campanha eleitoral tivesse dito a verdade, se tivesse dito que ia aumentar o IVA, acabar com o crédito bonificado, diminuir os salários reais dos trabalhadores da administração pública, pois é disso que se trata quando se põe com a retórica da moderação salarial e da crise, se tivesse dito que ia mudar a legislação laboral no sentido em que aí está, não teria ganho as eleições. Teria sido derrotado sem apelo nem agravo. Hoje é Primeiro-ministro. Mas são estes comportamentos e outros, que conhece muito bem e que fazem parte do elenco ministerial do seu governo – como é o caso do Ministro da Defesa - que descredibilizam a política, minam as instituições e atingem a democracia.O país necessita de aumentar a sua competitividade e a sua produtividade como necessita de melhorar e valorizar o seu perfil produtivo, mas não é reduzindo ainda mais o poder de compra dos trabalhadores e liquidando mais direitos que tal se consegue. Direitos e salários justos são factores de motivação e de combate ao absentismo. Direitos e salários justos são factores de estímulo e de pressão a melhorias de organização e a ganhos de produtividade.Aumentar a competitividade baixando ainda mais os salários e reduzindo e liquidando direitos é a estratégia para quem quiser transformar este país numa república das bananas. O nivelamento por baixo em relação aos direitos e salários só é atractivo para o investimento estrangeiro desvalorizado.A competitividade e a produtividade do país passa por ganhos efectivos de gestão e organização, pela qualificação da força de trabalho, pela diferenciação e qualidade dos nossos produtos, pela valorização da nossa produção e dos serviços, pelas marcas prestigiadas, por continuarem no domínio público e no quadro nacional alavancas fundamentais da economia portuguesa.Se empresas e sectores estratégicos são entregues aos centros de decisão externos é uma evidência que o país terá cada vez mais uma economia sub-contratada, desvalorizada, periférica e marginal.Os baixos salários e uma mão de obra sem direitos e desqualificada atrai investimentos estrangeiros de tipo “beduíno”, de “aperta porcas” e não investimento com complexidade tecnológica que aumente o valor acrescentado e induza crescimento sustentado e valorizado.Já hoje o investimento estrangeiro quando olha para a Península Ibérica escolhe a Espanha para o investimento de maior complexidade tecnológica que aguenta melhores salários e guarda para Portugal o investimento mais desvalorizado e secundário...As alterações do CDS às leis laborais que o Sr. Primeiro-ministro quer fazer suas, não servem nem a economia nacional nem os trabalhadores.Os trabalhadores também têm direitos de cidadania.Perturba-se o senhor Primeiro Ministro face à profunda identificação do PCP com os problemas, o descontentamento, o protesto e a luta dos trabalhadores e das populações.Embalado pelo apoio dos grandes senhores do dinheiro e pela legitimidade eleitoral começa a ter até alguns tiques de arrogância face a outras legitimidades que a nossa democracia consagra e garante.Exercendo a nossa acção institucional através deste interpelação, aqui estamos defendendo os interesses dos trabalhadores e do povo, convictos de que a economia deve estar ao serviço do Homem e não o Homem ao serviço dos banqueiros e da oligarquia.E estaremos em todos os sítios onde os trabalhadores travam o seu justo e inevitável combate contra esta ofensiva.Pelos trabalhadores, pelo povo, por Portugal!

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