Sr. Presidente, Senhores Membros do Governo, Srs. Deputados,
Devemos confessar uma dificuldade no início desta intervenção. É que tudo o que precisa de ser dito em matéria de reforma fiscal e combate à fraude e evasão fiscais está dito. Estudos, relatórios, diagnósticos, grupos de trabalho, debates, colóquios, interpelações, nomeações, demissões, de tudo tem sido preenchido o longo romance da discussão sobre reforma fiscal.
Os portugueses, sobretudo os mais prejudicados por uma política fiscal injusta, estão seguramente saturados de tanta conversa para tão pouca obra.
É por isso que o PCP decidiu, depois de esperar até ao último minuto pelo cumprimento das promessas do Governo, exercer os seus direitos regimentais, agendando para o próximo dia 11 de Outubro as nossas propostas substantivas da reforma do IRS, do IRC, de redução dos benefícios fiscais social e economicamente não justificáveis, de luta contra a fraude e evasão fiscais designadamente em matéria de alteração das regras do sigilo bancário, de alteração do regime fiscal no off-shore da Madeira, de tributação efectiva das instituições bancárias e seguradoras, entre outras.
Este agendamento teve, pelo menos, já uma virtude. O Governo decidiu finalmente acelerar as suas propostas e propô-las igualmente a debate e votação na marcação do dia agendado pelo PCP.
Muito bem! Esperemos agora que a partir do próximo dia 11 de Outubro estejam criadas as condições para que todos os contributos válidos para uma política fiscal justa passem à fase da especialidade e da Assembleia da República saiam leis materiais (e não meras autorizações) em matéria de alteração dos Impostos sobre o Rendimento e de combate à fraude e evasão fiscais.
Isto é o mais importante depois de tantos andarem durante tantos anos a falar de reforma fiscal mas sem a concretizarem.
E dito isto poderiamos ficar por aqui ou repetir os diagnósticos, críticas e propostas já tantas vezes avançados.
Por respeito para com a Assembleia da República e o partido interpelante procuraremos avançar um pouco mais.
E sobretudo para dizer que as análises feitas nos últimos anos em matéria de política fiscal se mantêm válidas. Mas mais do que válidas se agravaram.
Um só exemplo. Um dos princípios escandalosos do nosso sistema tributário é o facto de pagarem impostos sobretudo os que menos podem enquanto os grandes grupos económicos e, sobretudo, os rendimentos das instituições financeiras pouco contribuirem, em termos relativos, para as receitas fiscais do Estado.
O IRC tem uma taxa nominal de 34%. Mas a média da tributação efectiva das instituições bancárias, como é sabido, não tem ultrapassado os 20%, depois de usarem todos os mecanismos que, em muitos casos, a própria lei prevê, para fugirem ao pagamento de impostos.
Pois bem. Esta tributação efectiva de 20%, que já era um escândalo, agravou-se em 1999, ano em que baixou para 16% enquanto, Senhores Deputados, os lucros desses mesmos Bancos aumentaram desde o primeiro ano de governação socialista, 71%, passando de 197,1 milhões de contos em 1995 para 336,8 milhões de contos em 1999!
Mais. Neste mesmo período as margens financeiras dos Bancos cresceram 20%.
Enquanto, por exemplo, em 1998 obtiveram 321,5 milhões de contos de lucros e pagaram 67,5 milhões de contos de impostos, no ano passado - 1999 - para 336,8 milhões de contos de lucros (mais 15,3 milhões de contos do que no ano anterior) pagaram 54,1 milhões de contos de impostos, (menos 13,4 milhões de contos).
E isto enquanto as margens de intermediação no nosso País - 2,49% - mantêm-se como das mais elevadas (se não as mais elevadas) da União Europeia e da Zona Euro.
Sabemos todos - sabe o Governo - porquê é que isto é assim. Transferência de lucros para as sucursais sediadas no off-shore da Madeira onde estão isentos de IRC; utilização das benesses que usufruem em matéria de criação de provisões, de amortização de património, etc.
E só por si este exemplo impressivo que procurámos trazer ao debate constitui o maior libelo acusatório que se pode fazer ao Governo, a este Governo, ao seu responsável máximo Engº António Guterres, a este Ministro das Finanças, Dr. Pina Moura.
Claro que poderiamos voltar a falar do IRS, que no essencial é pago pelos trabalhadores por conta de outrém;
- dos 2/3 de empresas que não são colectadas;
- da despesa fiscal do Estado em matéria de benefícios que, só com o PS, aumentou de 132,6 milhões de contos em 1995 para quase 300 milhões de contos em 1999;
- da evasão fiscal em matéria de impostos especiais de consumo;
- de um imposto automóvel que tributa fortemente as viaturas de trabalho mas que isenta em 80% os jeeps, escândalo que só agora alguns deputados do PS descobriram depois de terem votado contra a proposta do PCP nesta matéria no debate do último Orçamento de Estado;
- da ausência de um imposto único sobre o património, que o Governo parece ter posto na gaveta;
- da ausência de uma reforma séria da Administração Fiscal que a modernize e dote o seu pessoal de mais meios especializados e mais recursos.
E poderiamos também acusar o Governo de tolerar e conviver bem com a fraude e a evasão fiscal.
Tudo isto está dito e redito.
É preciso passar das palavras aos actos. É por isso que cá esperamos o Governo no próximo dia 11 de Outubro e sem cedências de última hora, Senhor Ministro Pina Moura "aos lobos que vestem a pele de cordeiro".