Intervenção de

Interpelação ao Governo centrada na qualidade do emprego, designadamente no combate à precariedade, na defesa dos salários<br />Intervenção da Deputada Odete Santos

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo: Abundam os números e os exemplos que comprovam as desigualdades e as discriminações que se vivem no mundo do trabalho. Não é difícil encontrá-los. Difícil é sintetizar em meia dúzia de linhas, as situações verdadeiramente dramáticas em que vivem muitos dos trabalhadores, aqui, como na Europa, como por todo o mundo. A presente interpelação do PCP desenha o quadro de uma depreciação do valor do trabalho, a que se foi chegando perante o demissionismo do poder político. E mesmo perante políticas activas de desregulação das relações laborais. Apesar da consagração constitucional do direito fundamental à estabilidade no emprego. Efectivamente, minando esse direito, e através de sucessivas formas de flexibilização dos vínculos laborais chegámos a uma situação em que reina a precarização, a quase completa desregulação das relações laborais, em nome da sacrossanta competitividade. Minguam os direitos. Campeiam as discriminações. Triunfam as desigualdades. A precarização teve e tem nefastas consequências, repercutindo-se negativamente nos salários, na qualificação profissional, na vida e saúde dos trabalhadores, na sinistralidade laboral, na competitividade das empresas. A precarização traduz-se numa gritante manifestação de desprezo pela dignidade humana. Como o mostra a realidade que se vive no mundo do trabalho. Relativamente aos salários, os números oficiais provam como através da instabilidade se visou enfraquecer as reivindicações dos trabalhadores. Alguns exemplos: No distrito de Aveiro, na empresa Funfrap o salário médio dos trabalhadores permanentes é de 120.000$00, enquanto o salário médio dos trabalhadores com vínculo precário é de 93.800$00. Na Renault Cacia, para uma e para outra categorias a diferença é entre 170.000$00 e 112.000$00. No complexo Grundig, mercê da precarização, a média salarial baixou entre 15 a 25 mil escudos. No sector do calçado e malas do Minho e Trás os Montes, a esmagadora maioria dos trabalhadores recebe entre 65 mil a 66 mil escudos por mês. No sector das madeiras do Distrito de Braga os salários dos trabalhadores situam-se entre o salário mínimo nacional para os indiferenciados, e 70.000$00 para os profissionais qualificados No Distrito do Porto, até na Administração Pública existe desigualdade salarial, em relação ao resto do País. A média salarial é aí de cerca de 88% relativamente ao resto do País. Esta degradação do salário, que se acentua no caso do trabalho a tempo parcial, e do trabalho clandestino ( há trabalhadores a ganhar 300$00 à hora, sem quaisquer direitos) é até bem patente nos casos de segmentação de empresas, como acontece com a Auto-Europa. Nas novas empresas surgidas da autonomização de Secções, os trabalhadores destas empresas auferem menos do que os trabalhadores da empresa mãe. A situação da remuneração do trabalhador , e as desigualdades daí geradas, estão aliás traduzidas no destaque do INE de 22 de Março último, divulgado a propósito da Cimeira de Lisboa. O INE assinala, nesta matéria o grande afastamento da realidade portuguesa face ás médias da União Europeia. Tendo em conta o contributo de cada indivíduo activo para o produto interno bruto, de cada um dos 15 países da U.E, Portugal apresenta apenas um valor equivalente a 42,6% situando- se na cauda, e bem distante, de resto, do país que se lhe segue, a Grécia. É ainda significativo que, segundo o destaque do INE, seja nas Actividades Financeiras que se registam as remunerações base mais elevadas, enquanto na indústria transformadora as remunerações médias se situam nos escalões mais baixos. De facto, Senhor Presidente, Senhores Deputados, o que hoje interessa ao chamado neoliberalismo, é o aproveitamento das novas tecnologias para criação de riqueza essencialmente através dos fluxos financeiros, através do uso da internet para as apostas nos mercados financeiros, através da sociedade de informação assim virada contra o próprio Homem. Podendo prescindir, para a criação da sua própria riqueza de matérias primas, o que lhe interessa é a depreciação do valor do trabalho humano. E ao que nos dizem os jornais sobre os trabalhos da último dia da Conferência Ministerial sobre a sociedade de informação e do conhecimento, o que está na mira não é a superação das desigualdades, mas o aperfeiçoamento de um sistema que gera novas desigualdades. A acrescer às já existentes e que afectam de uma maneira especial as mulheres e os jovens. E é por aqui que começa a desigualdade de oportunidades Para além da proverbial desigualdade de remunerações entre homens e mulheres, regista-se a taxa de feminização do trabalho a tempo parcial. Em 1998 foi de 81% chegando aos 92% entre os 35 e os 54 anos de idade. E daí um novo factor de desvalorização do trabalho e do salário feminino. É que, se no trabalho a tempo completo as mulheres recebem em média 84% da remuneração dos homens, no trabalho a tempo parcial essa percentagem é apenas de 62,1%. Os jovens são também afectados de uma maneira especial pelas discriminações. A precariedade aumenta na juventude, à medida que aumentam as habilitações dos jovens. Nos jovens a trabalhar a tempo parcial apenas 7,1% não quiseram trabalho a tempo completo, e 43,3% indicaram como motivo para trabalharem a tempo parcial, o facto de não terem encontrado trabalho a tempo completo. Os jovens ganham menos, em média do que os trabalhadores mais velhos. Os jovens são vítimas privilegiadas do falso trabalho temporário, das empresas de aluguer de mão de obra, e também das empresas ditas da sociedade de informação( TMN, Telecel, Optimus) que em vez de contribuírem para o combate à precariedade, se alimentam dela. A asséptica sociedade de informação parece ser a película brilhante que esconde as brutais desigualdades que envergonham a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Senhor Presidente Senhores Deputados Ao longo dos últimos anos, a partir da década de 80, o Estado deixou de intervir nos conflitos laborais, deixando os trabalhadores à mercê da mais desenfreada exploração. O Estado favoreceu mesmo a flexibilização das relações laborais. O que aconteceu entre nós, nomeadamente com a Lei da Flexibilidade e Polivalência. e com o anterior Governo do Partido Socialista. O Governo do Partido Socialista ensejou mesmo uma tentativa de degradar ainda mais o salário. Através de uma proposta de lei com a qual pretendia legalizar uma prática ilegal que se vem praticando nas empresas, e que é a de excluir formalmente do conceito de remuneração, subsídios e prémios. Desta forma se flexibiliza mais o mercado do trabalho. Diz-se que em proveito da competitividade das empresas. Das empresas do sector produtivo seguramente que não. Porque a precarização, a desvalorização do trabalho, a depreciação do salário, determina a baixa qualificação profissional, os ritmos ferozes na execução do trabalho, o aumento da sinistralidade laboral. O vice-presidente do IDICT revelou-se chocado com o facto de o Inquérito do Departamento de Estatística denunciar que cerca de 63% dos inquiridos terem declarado não ter qualquer formação em segurança no Trabalho. Mas que outro resultado seria de esperar no Império da precariedade? Será de admirar que, segundo os números de 1998, tenham ocorrido cerca de 20 acidentes de trabalho em cada hora? Parece que a maior preocupação do Governo, nos últimos tempos, foi a de encontrar uma tabela de remição de incapacidades que continuasse a beneficiar as seguradoras. Em vez de investir na prevenção, para a qual se torna imprescindível o combate à precarização, a valorização do salário, a qualificação profissional dos trabalhadores. Sem isto não haverá igualdade de oportunidades, mas discriminações. Sem isto não haverá cidadania, nem verdadeira democracia.

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