Intervenção de

Interpelação ao Governo centrada na qualidade do emprego, designadamente no combate à precariedade, na defesa dos salários<br />Intervenção do Deputado Lino de Carvalho

Senhor Presidente, Senhor Primeiro Ministro, Senhor Ministro e restantes membros do Governo, Senhores Deputados,

"Forneço pessoal a entregar em qualquer parte do País, desde o Norte até ao Sul...A nossa empresa trabalha com pessoal de nacionalidades Portuguesa, Guiné-Bissau, Angola, Cabo Verde, Polónia, Bósnia, Ucrânia e Moldávia. É de informar que o meu pessoal ... trabalha muitas horas, incluindo sábados, domingos e feriados. Nas horas extras, sábados, domingos e feriados o preço hora facturado será sempre o mesmo. Fazemos entrega do pessoal com a máxima rapidez, dependendo das quantidades pedidas".

Não, senhor Primeiro-ministro. Não estamos a falar da promoção de um qualquer produto. Estamos a falar de trabalhadores, de pessoas, que o Engº Guterres, em tempos, dizia que para si não eram números. Estamos a citar circulares enviadas por empresas alugadoras de mão de obra, em Portugal, no ano da graça de 2000.

Muitos outros exemplos sobre a situação do emprego em Portugal podem ser dados e vão ser dados ao longo desta interpelação.

Mas este exemplo, em si mesmo, ilustra a dimensão dos problemas que esta interpelação quer suscitar: o emprego concreto que temos, a qualidade do emprego em Portugal tanto no que se refere à proliferação das relações de trabalho baseadas em vinculos precários ou mesmo precarissimos ou até no trabalho ilegal e clandestino, como nos baixos níveis salariais como na gritante violação dos direitos individuais e colectivos em muitas empresas e sectores de actividade.

Vejamos cada um destes grandes temas:

ALASTRAMENTO DA PRECARIEDADE

No nosso País tem-se agravado consideravelmente a precariedade no emprego. Em 1995, 11% dos trabalhadores assalariados (cerca de 336 mil trabalhadores), em Portugal, tinham contratos não permanentes. Hoje essa percentagem está na ordem dos 19% (mesmo considerando as alterações metodológicas entretanto introduzidas pelo INE), correspondente a mais de 650 mil trabalhadores. Um em cada cinco trabalhadores não tem em Portugal um emprego estável. Os jovens são as principais vitimas desta situação. A percentagem de jovens com mais de 15 anos e menos de 25 anos a trabalhar em regime precário, com contratos não permanentes, de acordo com os dados oficiais, passou de 37% no final de 1998 para mais de 41% um ano depois.

E quando o Governo tanto fala na "nova economia" baseada nas novas tecnologias informáticas e nas telecomunicações é preciso que se diga tal não é, infelizmente, sinónimo nem de emprego de qualidade nem de emprego estável. Basta dizer, por exemplo, que no conjunto das novas empresas que estão no mercado das telecomunicações a praticamente totalidade dos trabalhadores, a maioria dos quais jovens, estão a prestar serviço em regime de trabalho temporário.

Mas muitos outros exemplos poderiam ser dados, em quase todos os sectores de actividade, em variadissimas empresas grande parte das quais grupos multinacionais e em grandes obras públicas. Aqui deixamos alguns.

Nas grandes superfícies comerciais, hipermercados, grandes supermercados e sector da distribuição em geral, metade do emprego existente é constituído por trabalho precário, havendo empresas onde esse valor chega a mais de 60% e em que mais de 1/3 é trabalho a tempo parcial.

Em Alqueva, os trabalhadores, que são pagos com base num salário/hora, para a mesma função, recebem salários diversos consoante o subempreiteiro para quem trabalham e consoante a nacionalidade. Os donos da obra, EDIA e Governo, fingem que não é nada com eles.

Nas grandes obras de construção civil no Distrito de Lisboa, estima-se que cerca de 80% dos trabalhadores estejam em regime de trabalho precário. E, em geral, é assim em todo o sector da construção civil.

Na multinacional Grundig, em Braga, mais de 30% são trabalhadores precários. Na nova fábrica da Siemens, em Évora, com cerca de meio milhar de trabalhadores, 90% estão contratados a prazo.

Entretanto, um outro fenómeno tem-se vindo a multiplicar nos últimos anos no nosso País: a das empresas de trabalho temporário ou de aluguer de mão de obra, onde tudo parece ser permitido. Jovens e trabalhadores imigrantes, designadamente provenientes dos PALOP's e, em particular no sector da construção civil, são os mais atingidos. Hoje já há contratos ao dia, renováveis diariamente; é a proliferação dos recibos verdes e do falso trabalho independente, é o trabalho à hora, à peça ou à tarefa, é a hiper-exploração.

Em muitos casos existe manifesta violação da legislação. O que devia ser excepção passou a ser regra. Noutros, a proliferação do trabalho faz-se à sombra do próprio quadro legal. Trabalhadores com contratos a termo durante anos a fio satisfazendo necessidades permanentes que deveriam ser preenchidas por contratos permanentes; cessação dos contratos a termo na véspera da data limite da sua vigência para depois serem contratados de novo, a prazo, para a mesma função, com a mesma entidade empregadora; trabalhadores efectivos despedidos ou pressionados e chantageados psicologicamente para rescindirem os contratos reentram depois na mesma empresa para a mesma função como trabalhadores contratados por empresas de trabalho temporário, nalguns casos mais extremos, sem recibo de vencimento nem descontos para a Segurança Social. E que dizer da própria legislação que prevê, como uma das razões que justificam legalmente a contratação a termo certo seja, não a função que vai ser exercida, mas a condição de jovem à procura de primeiro emprego ou de desempregado de longa duração!?

Só que estes processos não se passam só no sector privado. A Administração Pública, que devia dar o exemplo, usa e abusa, da contratação a termo certo para satisfação de necessidades permanentes do Estado, da contratação a recibo verde, da multiplicação dos contratos trimestrais. Ainda recentemente o Governo, em vez de resolver esta situação, como se comprometeu, de proceder ao descongelamento de vagas, de celebrar os respectivos contratos de provimento, de, em suma admitir no quadro de efectivos da Administração Pública todos aqueles que estão a satisfazer necessidades permanentes aprovou para o Serviço Nacional de Saúde novas prorrogações de contratos de trabalho a prazo.

Outro fenómeno é o da multiplicação de processos de reestruturação empresarial, cisão de uma empresa ou grupo económico em várias empresas, extinção de certas funções na empresa-mãe com transferência para novas empresas que são criadas com cedência dos trabalhadores de empresa e de local de trabalho, sem que, muitas vezes, os seus direitos e garantias, designadamente em matéria de contratação colectiva, estejam garantidos.

Foi para combater, no plano legislativo, a extrema precariedade e fragilização dos laços laborais que hoje se vive que o PCP apresentou recentemente, e no âmbito do processo preparatório desta interpelação, dois importantes projectos de lei, um que altera a legislação dos contratos de trabalho a termo (que entraram no nosso ordenamento jurídico também pela mão do PS, em 1976); outro que reforça e garante os direitos dos trabalhadores em caso de cedência ocasional e de transferência de empresa.

Por isso, aqui fica o nosso primeiro desafio, Senhor Primeiro-ministro: que, connosco, se empenhe o Governo no combate à precariedade e à diminuição visível da qualidade do emprego. Que, connosco, o PS aprove os projectos de lei que apresentámos.

EFECTIVAÇÃO DOS DIREITOS LABORAIS

Neste contexto, a violação dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores constitui já hoje, particularmente em certos sectores e zonas do País, um verdadeiro escândalo a que urge pôr termo. A Inspecção Geral do Trabalho tem dificuldades de actuação em tempo útil não dispondo dos meios suficientes para uma intervenção eficaz em defesa dos direitos dos trabalhadores. Da parte do Ministério do Trabalho e do Governo no seu todo, parece haver manifesta falta de vontade política para que a IGT cumpra a função para que existe. Os exemplos chegam-nos todos os dias. Direitos não respeitados, pressões psicológicas, discriminação - quando não perseguição com despedimento - de dirigentes sindicais, alta sinistralidade por falta de condições de segurança o que coloca Portugal, onde morre, em média, mais de um trabalhador por dia em acidentes de trabalho na cabeça dos países com o mais elevado índice nesta matéria; desrespeito pelas próprias determinações da Inspecção, desconhecimento por vezes por parte dos Agentes - e até de responsáveis da Inspecção - da própria legislação que lhes permitiria actuar em defesa da legalidade.

Num recente comunicado do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil e Madeiras do Distrito de Braga, pode ler-se que "95% dos pedidos de intervenção da IGT não têm resposta; 90% das respostas da Inspecção demoram entre 8 meses a mais de um ano; 98% das intervenções nada detectam porque os agentes nunca falam com os trabalhadores, limitando-se a falar com o encarregado ou com o patrão; quanto à mão de obra ilegal a IGT ou não vê ou faz-se anunciar"

Outro exemplo: na conhecida empresa têxtil Manuel Gonçalves, em Vila Nova de Famalicão, por exemplo, são exibidos no local de trabalho filmes sobre o regime de trabalho em países asiáticos acompanhados de textos e de vozes onde se convidam os trabalhadores a reflectirem sobre as virtudes da flexibilidade e da precariedade do emprego sob pena do futuro da empresa estar ameaçado.

Há, aliás, hoje menos inspectores de trabalho do que havia no início .dos Governos PS.

Por isso, Senhor Ministro aqui fica o nosso segundo desafio: crie as condições, no plano político, legislativo e de dotação de recursos humanos e financeiros, para que a Inspecção actue com eficácia no terreno, para que o que são necessários agentes com formação e vontade adequada, que sintam que têm o apoio da tutela.

A democracia, Senhor Primeiro-ministro, Senhor Ministro, não pode ficar à porta das empresas.

DEFESA DOS SALÁRIOS

Esta é uma matéria que volta a estar na ordem do dia.

Desde logo, porque a irresponsável decisão do Governo quanto ao aumento dos combustíveis e suas consequências na inflação não pode passar sem que, simultaneamente, o Governo se disponha a rever os vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública e, por reflexo, de todos os trabalhadores portugueses. É inaceitável que o Governo se tivesse disposto a compensar as empresas de transportes e outros sectores empresariais e, arrogantemente, se recuse, a actualizar os vencimentos dos trabalhadores. É bem a caracterização, também aqui, de quem, para o Governo, tem de suportar a sua política de aumento das receitas fiscais e eleitoralista: sempre e sempre os trabalhadores.

Mas a questão é mais vasta. Baixos salários, agravamento das desigualdades salariais, bloqueamento da contratação colectiva, encerramento fraudulento de empresas com milhares de trabalhadores a aguardarem anos pelo recebimento dos seus créditos para, depois, a mesma empresa, com as mesmas máquinas mas com outro nome reabrir uns quilómetros mais à frente; salários em atraso são uma realidade ou que se mantém ou que tem mostrado, nos últimos anos tendência para se agravar.

A crescente precariedade das relações laborais só agrava este panorama, sendo uma causa da pressão sobre os salários, da saída precoce do mercado de trabalho, das fortes discriminações salariais.

Aqui fica, pois, o terceiro desafio. Que o Governo assuma a defesa e o crescimento dos salários e das pensões de reforma como um dos objectivos prioritários da sua política laboral e social. Que o Governo aceite aumentar desde já os vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública como compensação pelo aumento geral de preços resultante do aumento dos combustíveis.

Aliás, os baixos salários exercem pressão negativa sobre a produtividade. Só melhores salários e o aumento do poder de compra dos trabalhadores poderão impulsionar o mercado interno e por esta via o próprio desenvolvimento da economia e da qualificação e produtividade do trabalho.

Senhor Presidente,

Contra esta realidade, o Senhor Ministro virá aqui vangloriar-se de uma diminuição estatística do desemprego. Não nos furtamos, também a esse debate. O PCP não partilha a tese do quanto pior melhor. Aumento do emprego e diminuição do desemprego é, seguramente, uma das causas que são a razão de ser do Partido Comunista Português. Mas, sem negar a realidade estatística e sem querer recordar o que o Engº Guterres afirmava sobre a distância que vai dos números à realidade social, importa sublinhar alguns aspectos dessa evolução estatística:

Primeiro, que a variação do emprego nos últimos anos se tem devido mais à própria conjuntura económica do que a medidas concretas de políticas orientadas nesse sentido; Segundo, que muito do que o Governo alega como sendo diminuição de desemprego está mascarado atrás das dezenas de milhar - talvez mais de 40.000 - de trabalhadores que frequentam acções de formação sobre acções de formação, POC's sobre POC's, durante anos a fio. Terceiro, o facto estranho do emprego crescer com mais intensidade, de acordo com os dados estatísticos, no grupo etário dos 45 aos 54 anos o que significa estarmos perante fenómenos superficiais com base em "biscates" e trabalho de muito baixa qualidade. Quarto, o preocupante facto do desemprego entre os jovens licenciados ter vindo a aumentar cada vez mais, representando hoje cerca de 10% dos desempregados. Não é raro encontrarmos jovens licenciados a esconder as suas habilitações para conseguirem um emprego, a terem de se sujeitar a frequentar estágios não remunerados, a exercerem actividades correspondentes a níveis de qualificação muito mais baixos.

Tudo isto expressa a artificialidade de muitos dos números apresentados pelo Governo.

Senhor Presidente,

É toda esta realidade que esteve evidentemente afastada das preocupações da Cimeira de Lisboa. O Primeiro-ministro quis fazer crer ao País que por influência decisiva das preocupações e propostas da Presidência portuguesa a questão do Emprego seria o tema central desta Cimeira da União Europeia. Mas o que tivemos foi uma reunião deslumbrada com a chamada "sociedade da informação" e com a "nova economia", com a receita milagrosa das novas tecnologias e com as medidas de apoio à "integração dos mercados financeiros". O que tivemos foram medidas para acelerar o processo de liberalização das telecomunicações, dos transportes e dos serviços financeiros e para facilitar o domínio do mercado global pelos interesses económicos transnacionais nele empenhados.

Quanto ao emprego, que era suposto ser o tema central da Cimeira, para além de declarações de boas intenções, da renovação de promessas mil vezes repetidas e nunca cumpridas, de Cimeira para Cimeira, desde os 15 milhões de empregos até ao ano 2000 no já remoto Livro Branco de Delors até aos mais recentes Conselhos do Luxemburgo e de Cardiff, o que fica de concreto é a insistência na necessidade de flexibilizar ainda mais as relações de trabalho e de aumentar a chamada "mobilidade do mercado de trabalho". Agora, quando penetramos nas vestes da cuidadosa e tecnocrática linguagem usada e ultrapassamos o benchmarking o que encontramos, de facto, são as afirmações do Ministro Ferro Rodrigues de que "o modelo do futuro não é o do emprego para a vida inteira" ou o dos gurus da nova economia que falam em "empresas descartáveis por projecto" e em "leilão de competências e de tempo de trabalho" como as grandes soluções oferecidas aos trabalhadores. Claro que quando descemos à economia real, ao local da produção dos bens materiais, toda esta linguagem cerrada, codificada, para esconder o essencial, é traduzida com mais brutalidade por quem manda, de facto, na definição das políticas sociais europeias. Como se afirmava num recente Congresso Mundial da Economia, realizado na Alemanha, "neste novo mundo os trabalhadores são relegados para segundo plano, pois o capital transformou-se na matéria prima mais cobiçada". Ou, como dizia, nesse mesmo Congresso, o Presidente de uma multinacional, no futuro "só os grandes podem sobreviver" pelo que "o elemento social fica para trás" ou, como referia ainda mais explicitamente o Presidente da Airbus "temos de nos despedir dos nossos escrúpulos morais" ou, como sublinhava o Presidente da Bayer "a situação melhoraria consideravelmente se os que têm emprego renunciassem voluntariamente a uma parte das regalias sociais".

Porque estas é que são as questões reais e os objectivos concretos que se escondem por detrás dos textos e dos discursos bem encenados das Cimeiras e dos Conselhos, das Conferências de Imprensa e das entrevistas ministeriais.

Se dúvidas restassem, aí está a primeira concretização da Cimeira: a proposta da Comissão Europeia no quadro das chamadas Grandes Orientações de Política Económica, para que em Portugal sejam facilitados os despedimentos e flexibilizados ainda mais os horários de trabalho.

Neste modelo de economia que nos é oferecido uma variável é sempre imutável: a da concentração e centralização da riqueza e do capital, a da máxima taxa de lucro e de exploração dos trabalhadores. A outra, a que varia, a que deve pagar os custos da competitividade é sempre a do abaixamento do preço da força de trabalho.

Para esconderem estes objectivos utilizam um vocabulário abundante, manipulador, anestesiante onde, curiosamente, os que mais se esmeram são antigos apóstolos do anti-capitalismo: "adaptação", "empregabilidade", "rotação de empregos", "mobilidade", são alguns dos termos com que constantemente nos bombardeiam e se procura esconder a realidade do desemprego, o inaceitável carácter precário do emprego, os baixos níveis salariais.

O que está hoje em causa é a de um direito civilizacional conquistado em duras lutas dos trabalhadores e dos sectores mais progressistas do pensamento intelectual do nosso século: a do direito ao emprego com Direitos, condição de cidadania e dignificação da pessoa humana.

O que está hoje em causa é a do combate contra um modelo de economia neo-liberal, mesmo que recoberto com muito discurso sobre o social, em que se anuncia o "fim do trabalho" para melhor se explorarem os trabalhadores, em que o trabalhador é considerado uma peça descartável e em que a precarização das relações laborais e a segmentação dos processos produtivos e sociais procura fazer diminuir a capacidade reivindicativa do mundo laboral, torná-la mais frágil e dependente, diminuir a sua intervenção nos movimentos sociais e nas suas estruturas de classe.

Senhor Presidente,

Senhores Deputados,

Estas são as questões concretas, do mundo do trabalho, que trazemos a debate nesta interpelação. Não bastam discursos abstractos ou de reflexão académica sobre o futuro. Não dizem nada conceitos aparentemente aliciantes como o do "pleno emprego" se eles não servirem para mais do que esconder a gritante diminuição da qualidade do emprego e o visível subemprego.

O PCP defende mais emprego mas mais emprego com direitos. Um dos caminhos é o do País prosseguir a via para a redução do tempo de trabalho sem diminuição de salários. Por isso, entregámos também um Projecto de lei de redução progressiva, até 2003, do tempo de trabalho para as 35 horas semanais.

O PCP está obviamente de acordo que é preciso melhorar a educação, formação e a qualificação dos trabalhadores para melhorar a própria qualidade do emprego, a estabilidade, o nível de produtividade da economia e o nível das remunerações. Tudo o que seja feito, com verdade, nesse sentido tem evidentemente o nosso acordo e apoio activo.

Como não fechamos os olhos à realidade para as novas e diversificadas formas de emprego que se estão a multiplicar numa economia com crescente grau de complexidade e de integração.

Mas isso não pode ser o cobertor com que se procura esconder e justificar o intolerável incremento da precariedade nas relações laborais e da fragilização dos direitos de quem trabalha.

A mais emprego, a novos empregos, tem de corresponder melhores empregos. Não é isto, infelizmente, o que se passa em Portugal.

Por isso os trabalhadores deram, no passado dia 23 de Março, uma impressionante resposta de força, com mais de 80 mil trabalhadores na rua a reclamarem emprego de qualidade, contra a precariedade. Esta voz o Governo não a pode ignorar.

Por isso, desafiamos finalmente o Governo a reconhecer que existe hoje um problema grave em Portugal que constitui, ele próprio, um factor de debilidade da economia portuguesa: a falta de qualidade dos empregos, com altos níveis de precariedade, baixos salários, elevada sinistralidade, baixas qualificações, elevada carga horária.

Temos connosco os trabalhadores. Assim tenhamos, pelo menos, o interesse desta Assembleia, do Governo e de todos os órgãos de soberania.

Disse.

Sr. Presidente

Agradeço aos Srs. Deputados Fernando Pésinho e Barbosa de Oliveira as questões colocadas e vou responder-lhes em conjunto. Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Barbosa de Oliveira, sublinho que partilha das nossas preocupações e, ao contrário do que disse, o Sr. Ministro confirmou que não temos uma visão catastrofista ou negra da realidade. Como o Sr. Ministro referiu - e bem! - o PCP está disponível para apoiar, aprovar e apresentar, como apresentámos, várias iniciativas legislativas com vista a combater o problema do desemprego e, sobretudo, a aumentar a qualidade do emprego contra a precaridade.

No entanto, Srs. Deputados e Sr. Ministro, não podemos aceitar que, a coberto de elementos estatísticos ou de um discurso muito geral, se esqueça a realidade do que se passa nas empresas, nos locais de trabalho, nos sectores de actividade, e o Sr. Deputado, no próprio sector onde intervém sindicalmente, sabe que é assim. Quando partimos para esta interpelação, eu próprio procurei conhecer a realidade para além dos números e dos gabinetes alcatifados, onde todos nós, porventura por culpa das nossas funções, passamos agora grande parte do tempo. Sr. Ministro e Sr. Deputado, as minhas dúvidas desvaneceram-se quanto ao problema do emprego e da sua qualidade em Portugal, e se têm dúvidas quanto ao carácter da precaridade crescente das relações laborais em Portugal, quanto ao que se passa nas empresas, temos aqui dossiers completos, com relatórios - empresa a empresa, sector a sector, zona a zona do País -, do que se passa, de facto, no terreno. E é essa discussão que queremos trazer aqui, hoje, a debate. Não é por acaso que o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira e o Sr. Ministro fugiram deste debate como «o diabo da cruz», refugiando-se nas estatísticas do desemprego. Sr. Ministro, nós não nos furtamos a esse debate, pelo que, como não vamos ter tempo para muito mais e para não relembrar os tempos em que o Sr. Ministro Ferro Rodrigues e o Sr. Eng.º António Guterres falavam, e bem, da distância que ia entre as estatísticas e a realidade social quando o PSD era governo - porventura, isso não mudou muito, Sr. Ministro dou-lhe um exemplo concreto: uma das acusações que fazemos é que, muitas vezes, por trás das estatísticas estão milhares de trabalhadores, designadamente jovens, que passam de programas ocupacionais e de formação para programas de formação sem que isso signifique, de facto, a diminuição do desemprego ou criação de emprego, mas que não fazem parte das estatísticas. Sr. Ministro, Sr. Deputado Barbosa de Oliveira, tenho aqui um documento - não é nosso, é um relatório oficial de avaliação dos programas operacionais do Instituto de Emprego - que refere que, nos últimos quatro anos passaram pelos programas operacionais cerca de 100 000 trabalhadores: 22 000 em 1994; 23 000 em 1995; 25 000 em 1996; 26 000 em 1997. E este relatório oficial diz que este ciclo vicioso dos POC mascara muitas vezes o desemprego, o que é particularmente frequente na população feminina e no grupo dos carenciados. No fundo, diz o relatório que mais de 50% frequentaram já várias actividades ocupacionais e estiveram várias vezes na mesma entidade. Em relação ao que daqui resulta para a criação de emprego, pode-se ler, mais à frente, que «no âmbito da empregabilidade, os resultados são pouco satisfatórios e, na grande maioria dos casos, os programas ocupacionais não proporcionam um emprego». Podia ler-lhe mais, Sr. Ministro e Srs. Deputados, mas nestes cerca de 100 000 trabalhadores que passam pelos programas ocupacionais está muito desemprego mascarado ou, enfim, a criação de condições para situações...

E por que é que, neste conjunto, não se criam condições para que se criem empregos? Por que é que a própria Administração Pública, neste momento, insiste em formas de precarização e de rotação frequente dos mesmos funcionários dentro dos mesmos sectores, para cumprir necessidades permanentes do Estado?

Podia continuar a ler o que vem nesse relatório. Por exemplo, o complexo Grundig emprega 3900 a 4000 trabalhadores, dos quais 1500 são precários; a Blaupunkt emprega 1800 trabalhadores, dos quais 600 são precários, etc., etc.; podia referir dados sobre o emprego precário na distribuição; dados sobre o emprego precário nas novas empresas de telecomunicações. Estes exemplos multiplicam-se por todo o lado! Por isso, Sr. Presidente, e para terminar, queria dizer ao Sr. Ministro que podemos entrar nesse debate, mas o que queremos aqui debater concretamente é esta questão, que é uma questão real, que não pode ser mascarada através de discursos e de números, pois tem a ver com o problema da precaridade e das relações de trabalho.

Nesse sentido, Sr. Deputado Fernando Pésinho, apresentámos, ainda recentemente, vários projectos de lei para alteração das relações de contratos a prazo, de forma a assegurar os direitos dos trabalhadores e criar novos empregos.

Este é o caminho e é o debate que queremos que seja feito com esta interpelação: um debate sério sobre o problema do emprego que temos em Portugal e sobre como contribuir para aumentar, e não diminuir, os direitos dos trabalhadores, isto é, sobre a criação de emprego com direitos.

Sr. Deputado Barbosa de Oliveira

Os senhores têm um discurso que se centra basicamente no seguinte: reconhecem, como não podem deixar de reconhecer, ou dizem que reconhecem e que nos acompanham em muitas das preocupações que trazemos a este debate, afirmando que não negam as dificuldades e os problemas existentes. No entanto, depois, desenvolvem todo um discurso e toda uma prática que é orientada por dois elementos fundamentais. O primeiro elemento fundamental é a tese da inevitabilidade, que defendem dizendo que estamos numa economia globalizada, que o emprego mudou, que as relações laborais estão a mudar e que temos de criar as condições, nessa economia globalizada, para aumentar a competitividade da economia portuguesa. No fundo, este é um discurso orientado para que os trabalhadores e o mundo laboral aceitem a tese de que esta globalização, este sistema global de economia, tem de ser construído contra os trabalhadores e em prejuízo do emprego com direitos. De uma forma expressa, responsabilizarem os próprios trabalhadores pela situação de fragilidade das relações laborais, de diminuição da democracia nas empresas e de violação dos direitos, típicas do período que hoje atravessamos. Dizem ser preciso mais formação, mais preparação e mais qualificação e nunca questionam - o que é chocante, vindo de uma bancada que se afirma preocupada com os problemas dos trabalhadores, e vindo de si próprio, que foi, e ainda é, penso eu, dirigente sindical - o modelo de economia. Nunca questionam uma economia do tipo neoliberal que quer fazer assentar o aumento da competitividade, isto é, da taxa de lucro das empresas, à custa do emprego com direitos e dos trabalhadores.

O que se passa é que isto não é apenas um discurso. É um discurso que se traduz numa prática de tentar criar legislação que vai ao encontro desta tese. Isso, Sr. Deputado, não pode passar em claro e é verdadeiramente chocante, porque conduz, não a um reforço dos direitos de quem trabalha, não à criação de uma economia ao serviço de quem trabalha, mas, pelo contrário, a que os trabalhadores fiquem ao serviço dessa economia dominada por este mundo globalizante dominado pelas transnacionais. Este é um primeiro elemento que nos choca e sobre o qual não poderíamos deixar de reflectir. O segundo elemento que queremos referir é o problema da formação. Então, vamos a empresas de áreas novas, dedicadas a novas tecnologias, com técnicos... Sr. Deputado, a Telecel, empresa que da área das telecomunicações e do apoio técnico e que está relacionada com a engenharia, tem 400 trabalhadores, 80% dos quais são trabalhadores precários! A Novis tem 200 trabalhadores, 100% dos quais são precários!. A parte técnica das empresas de time-sharing tem 330 trabalhadores, 90% dos quais são precários! A Oni tem 200 trabalhadores, 100% dos quais são precários! Etc., etc, etc... Estas são empresas da tal nova economia e de sectores altamente qualificados. O Sr. Deputado Barbosa de Oliveira encontra justificação para que todos os trabalhadores estejam em regime de trabalho precário?! Posso dar-lhe ainda o exemplo dos serviços de apoio à toxicodependência. O Sr. Deputado pensa que é normal, durante anos a fio, 120 psicólogos estarem a cumprir funções permanentes do Estado, sem as quais estes serviços não podem funcionar, com contratos de trabalho precários renováveis trimestralmente?! Acha normal que os programas ocupacionais estejam a servir para satisfazer necessidades permanentes do Estado?! Estas são as questões concretas que se ligam a esta interpelação, e é para estas questões que queremos respostas!

Sr. Presidente

Não é bem um pedido de esclarecimento, porque isto não é nada comigo, mas atrevo-me a dizer que, de futuro, o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves arrisca-se a que o presidente do Grupo Parlamentar do PS, enfim… não o deixe falar!

Depois de todo este discurso que ouvimos e que não merece comentários, há, obviamente, uma questão de fundo que fica. «Os trabalhadores?! Não há trabalhadores para trabalhar! Lá, no meu sector, na minha região, temos empresas que querem contratar pessoas e que não encontram… Não há trabalhadores! Eles é que gostam de trabalho clandestino, de trabalho ilegal, de trabalho mal pago!…» - este é um discurso que já não se usa! Mas, a propósito desta questão, vou dar-lhe um exemplo concreto, Sr. Deputado. Há duas empresas do mesmo sector de actividade, vestuário e calçado, na mesma localidade, situando-se praticamente uma ao lado da outra; uma, tem o discurso que o Sr. Deputado acaba de fazer - «Não temos gente para trabalhar! Queremos contratar pessoas e ninguém nos aparece para trabalhar!» -, a outra, ao lado, tem uma lista de espera de 115 trabalhadores que ali querem trabalhar! Sabe qual é a diferença? A primeira paga abaixo dos mínimos legais, em completa ilegalidade, enquanto que a segunda cumpre o contrato, paga acima do contrato, valoriza os seus trabalhadores e, com isso, aumenta a produtividade da própria empresa e a produtividade da economia nacional. É esta a realidade para a qual é preciso olhar!

  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções