Intervenção

Interpelação ao Governo centrada na qualidade do emprego, designadamente no combate à precariedade, na defesa dos salários<br />Intervenção do Deputado Carlos Carvalhas

Senhor Presidente Senhores Deputados Senhor Primeiro-Ministro

Um membro do actual Governo, em tempos com a função de deputado do PS, no confronto com o primeiro pacote laboral de iniciativa do governo de direita PSD/CDS, afirmava que as grandes causas sociais e os direitos fundamentais dos trabalhadores constituíam em si mesmo, a linha de fronteira entre a esquerda e a direita. Foi disso que estivemos a tratar!

E tanto é assim que esta interpelação podia ter sido centrada "à contrário", na excelência dos lucros da multinacionais realizados no nosso país, na excelência dos lucros da banca, na excelência dos lucros das operações especulativas e parasitárias, na excelência dos lucros do capital financeiro, colocando-os por exemplo, em comparação com os aumentos que o Governo quer impor nomeadamente, aos trabalhadores da Administração Pública e dos transportes. É uma vergonha! Como é uma vergonha que o Governo nada faça em relação aos aumentos de 8% no gás. Este aumento só se faz depois de já ter sido aumentado no final do ano, por ter a cumplicidade do Governo socialista. E vamos ver o que se vai passar com os medicamentos e com o aumento dos passes sociais e com o preço dos transportes. Compreende-se assim porque é que Portugal ocupa o 1º lugar entre os países da União Europeia e em que é maior o fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres.

Esta Interpelação do PCP ao Governo PS, podia de facto ter sido centrada nos excelentes lucros ou nas magnificas taxas de exploração, mas nós resolvemos centrá-la nas questões que atravessam hoje o mundo do trabalho, sustentada nos exemplos e nos problemas concretos dos trabalhadores, sublinhados na intervenção inicial do Deputado Lino de Carvalho, e durante o debate trazendo à ordem do dia as razões fundas do descontentamento e de luta, a necessidade dum outro rumo da política nacional que valorize o trabalho e os trabalhadores.

Fizemos a crítica e a denuncia de realidades com base em testemunhos vivos de contacto direito com os que se sentem injustiçados, com as suas organizações representativas, com organizações sociais empenhadas no combate às injustiças.

Mas também fizémos propostas que a serem aprovadas contribuirão para corresponder a justas e legítimas aspirações e reivindicações dos trabalhadores.

Não pintámos de negro, nem de rosa a situação. Limitámo-nos a trazer exemplos concretos, incómodos mas concretos. Se o Senhor Ministro teima em os negar então aceite o convite para visitar connosco as situações que relatámos.

Ou então saia do casulo ministerial e faça um Ministério aberto pelo País e contacto com a realidade laboral !

Temos consciência que a situação que hoje se vive no país, na Europa e à escala planetária não é produto de fatalidades ou dificuldades casuísticas.

Vivemos um tempo em que por resultado de políticas e orientações neoliberais determinadas e decididas pelos centros do grande capital se assiste a uma avassaladora ofensiva desregulamentadora do direito do trabalho transformando o lucro e a competitividade numa ideologia e num fim em si mesmo em cujo altar se sacrificam direitos conquistados por gerações inteiras de trabalhadores e que no nosso caso concreto foram conquistados e consagrados durante o acto e o processo libertador da Revolução de Abril.

Mas vivemos também num tempo em que os trabalhadores, os povos e a opinião pública fez recuar em Seatle os propósitos da OMC e em que de novo dezenas de organizações se reuniram em Boston no mês de Março, lançando um novo manifesto de contra ofensiva no momento em que se retomam de novo as negociações sobre o Comércio Internacional, com o habitual mutismo do Governo e nenhuma informação a esta Assembleia da República. E é bom lembrar que na realidade o "liberalismo económico nada tem a ver com liberdade e muito menos com democracia".

Colocamos também por isso, aqui, a contradição desta época de formidáveis avanços nos domínios da ciência e da técnica em relação aos retrocessos das relações de trabalho para níveis do final do século passado.

E confrontamos o Governo e a Assembleia da República, com o facto de hoje, cerca de 20% dos trabalhadores por conta de outrém, particularmente as mulheres e os jovens sentirem todos os efeitos da precaridade, onde com lei, sem lei, ou contra a lei se exercita a impunidade, perante o "faz de contas" do Governo, transformando a excepção em regra geral, nas situações dos contratos a prazo, do trabalho temporário, do falso recibo verde, do trabalho a tempo parcial, do sistema de trabalho clandestino.

Responsabilizamos o Governo pela sua política de privatizações e desmembramento das empresas conducentes à abdicação do papel constitucional do Estado na defesa dos sectores e empresas estratégicas da nossa economia que vão sendo cada vez mais dominados pelo capital estrangeiro e ao abandono forçado de milhares de trabalhadores válidos para a produção precocemente empurrados para a rescisão e para a pré-reforma.

Batemo-nos pela revalorização dos salários, contra aquilo que é a segunda causa de pobreza em Portugal, os baixos salários, exigindo a reconsideração dos aumentos salariais da Administração Pública negociados de má fé pelo Governo, quando tardou a aplicação dos aumentos dos preços dos combustíveis.

Fomos às causas do aumento da sinistralidade no trabalho (que constitui mais um triste recorde na União Europeia).

Demonstrámos a necessidade da efectivação e regulamentação das leis do trabalho e apresentámos vários projectos de lei de que destaco:

- a redução progressiva do horário semanal de trabalho para as 35 horas;

- com sentido de responsabilidade, diferenciando as pequenas das grandes empresas, e tendo em conta os níveis de produtividade dos diversos países da União Europeia, considerando o desenvolvimento económico e valorizando a contratação colectiva, o PCP propõe esta medida de grande alcance social e civilizacional e que potencia a criação de mais emprego.

Uma outra proposta de grande actualidade é o projecto-lei sobre contratos a prazo. Partimos de uma ideia de fundo: a uma função permanente deve corresponder um posto de trabalho efectivo, salvaguardando as situações de excepcionalidade ocasional ou sazonal e eliminando a discriminação existente que se reflecte nos jovens à procura do 1º emprego e desempregados de longa duração. A precaridade é uma praga no nosso mundo do trabalho.

Apresentámos ainda um projecto-lei, que atende às situações de transferência e cedência de trabalhadores para empresas desmembradas, garantindo efectivamente a esses trabalhadores os direitos que detinham na empresa de origem.

Tomámos uma outra iniciativa legislativa, que visa a actualização das pensões degradas dos 40 mil reformados da Função Pública lesados quer pelo facto das pensões em vigor, antes do Novo Sistema Retributivo, estarem anexadas à da actualização dos vencimentos no activo, quer pelo facto de não terem sido consideradas ao nível das aposentações medidas de equiparação às próprias novas estruturas de carreira.

O protesto, o descontentamento e a luta que atinge vastos sectores de trabalhadores deveriam constituir pelo menos um motivo de reflexão para o Governo.

Mas o Ministro das Finanças no alto do seu mando, arrogante e autista "está-se nas tintas" – é mesmo esta a expressão que traduz a sua postura – para a sorte dos trabalhadores e suas famílias, bem como, para a situação dos utentes dos transportes. Nós comunistas continuamos a acreditar e a lutar para que seja possível no nosso país o trabalho com direitos.

E por isso, também denunciamos o farisaísmo daqueles que na Cimeira de Lisboa disseram que a sua agenda tinha por objectivo defender o emprego e combater o desemprego, quando afinal do que se tratou foi de consagrar as teses neoliberais de Blair e Aznar, de mais flexibilidade e mais desregulamentação, ou seja, de mais exploração.

A confirmação aí veio na recomendação da Comissão no que se refere aos mercados de trabalho, cito: «reforço da mobilidade do factor trabalho, modernização de organização de trabalho, revisão da legislação rígida em matéria de protecção de postos de trabalho e de elevados pagamentos por despedimento!». E em relação a isto o Sr. Primeiro-Ministro mais uma vez opta por um claro silêncio e certamente continuará a dizer que está a governar com muita consciência social?"

Pela nossa parte continuaremos a intervir e a lutar pela justiça social com determinação e com confiança.

Com a confiança que advém, daqueles que nas empresas, nos locais de trabalho e naquela manifestação nacional de 23 de Março, convocada pela CGTP, persistem na luta pelos seus direitos e com a profunda convicção que a luta é o caminho.

  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções