Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Interpelação sobre educação

(interpelação n.º 10/XI/2ª)

Sr. Presidente e Srs. Deputados,
É a primeira vez que temos o prazer de receber aqui, na Assembleia da República, a Sr.ª Ministra desde o fim da anterior sessão legislativa e, portanto, a questão que gostaria de colocar-lhe é esta: qual é a justificação do Governo para ter desrespeitado quatro resoluções da Assembleia da República, que propunham a suspensão do reordenamento da rede escolar durante um ano para, entre outros aspectos (segundo o projecto de resolução do PCP), fazer a
definição de uma carta educativa nacional?
Qual é, de facto, a justificação do Governo para ter desrespeitado quatro projectos de resolução da Assembleia da República?
Ainda assim, entendemos que é inadmissível que o Governo, não apenas em matéria de educação mas sobre esta questão em concreto que lhe colocamos, tenha feito tábua rasa destas
quatro resoluções aprovadas e tenha levado para a frente a sua política educativa, com a destruição e a desertificação do interior e a degradação da qualidade de vida das crianças.
No dia 15 de Setembro, a Sr.ª Ministra afirmou que as comunidades locais vão passar a ser ouvidas sobre o processo de fusão de agrupamentos. Então, isso significa que, até aqui, as comunidades locais não foram ouvidas no reordenamento da rede escolar e na constituição de mega-agrupamentos! A informação que o Grupo Parlamentar do PCP tem é a de que, de facto, algumas não foram, nem comunidades educativas nem sequer autarquias.
Portanto, entendemos que houve um desrespeito profundo pela comunidade educativa e é fundamental que o Governo dê uma resposta objectiva sobre estas questões.
Também gostaria de colocar-lhe uma outra questão, que é muito objectiva (e ultrapassa a esfera dos 1300 funcionários e dos 300 que estão ausentes das escolas) e que se prende com a falta de funcionários nas escolas e com a falta de outros técnicos pedagógicos essenciais, como é o caso dos psicólogos.
No dia 20 de Setembro, o Governo autorizou a abertura de concurso para a colocação de funcionários nas escolas, mas este concurso só vai estar em vigor até dia 17 de Dezembro. Pergunto, Sr.ª Ministra, o que vai acontecer no início dos 2.º e 3.º períodos, porque se a abertura destes concursos e o contrato destes trabalhadores só vai estar em vigor até dia 17 de Dezembro, que, presumo, será o último dia de aulas do 1.º período, quem vai garantir o funcionamento das escolas em Janeiro!? Ou vamos ter de chamar outra vez a Sr.ª Ministra à Assembleia da República para dar explicações sobre esta matéria? Era, pois, fundamental que tivéssemos informação sobre esta questão.
Por outro lado, ao analisarmos em concreto o que representam estes contratos que foram autorizados pelo Ministério da Educação, verificamos que, por exemplo, no Agrupamento de Escolas D. João II, nas Caldas da Rainha, o concurso foi aberto para um contrato de 4 horas/dia, dois contratos de 3 horas/dia, quatro contratos de 2 horas/dia e seis contratos de 1 hora/dia.
Sr.ª Ministra, não estaremos a brincar com a estabilidade e o direito ao emprego destas pessoas, ao garantir a supressão de necessidades permanentes de funcionários nas escolas com o recurso à precariedade ilegal?! Isto é brincar com a vida das pessoas, é brincar com a vida destes trabalhadores, é brincar com a segurança das crianças que estão na escola e é brincar ainda com a qualidade da escola pública, e o PCP nunca poderá deixar de ter uma palavra a dizer sobre esta matéria.
Portanto, o que o Governo acabou por autorizar foi a abertura de concursos que vão permitir a estes trabalhadores levar para casa, ao fim do mês, um salário de 66 €. E, diga-me, Sr.ª Ministra: consegue fazer as compras de uma semana por 66 €? Penso que a maior parte dos trabalhadores e dos portugueses não consegue.
Portanto, objectivamente sobre esta questão, era essa a informação que solicitava.
A Sr.ª Ministra também nos falou aqui da inauguração de escolas.
Foi aberto, com a totalidade das suas capacidades, o Agrupamento de Escolas da Boa Água, que tinha, até à altura, um psicólogo para mais de 1600 alunos. Como não foi aberto concurso para a colocação de psicólogos nas escolas, a pergunta que gostaria de colocar é exactamente esta: para quando a abertura deste concurso? Nem estamos a falar da abertura de concursos para ingresso na carreira, porque esses não abrem desde 1997, estamos a falar da abertura de concurso anual!
Sr.ª Ministra, é esta a questão que colocamos e para a qual exigimos uma resposta objectiva e clara, porque é isso que as famílias querem.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Tivemos hoje, aqui, dois caminhos distintos de ataque à escola pública. O caminho sugerido pelo CDS, de financiamento directo ao sector privado por parte do Estado, e o caminho do Governo do Partido Socialista, apoiado pelo PSD, de o Governo se desresponsabilizar das suas funções sociais.
É claro que o caminho que o PCP defende não será nem o caminho do financiamento do sector privado nem o caminho da destruição da escola pública de Abril.
Como ficou bem claro das propostas aqui em debate, entendemos que o caminho tem de ser o da ruptura com esta política e de uma outra política educativa, alternativa, de investimento efectivo nas condições materiais e humanas das escolas, onde existam funcionários, psicólogos, técnicos pedagógicos especializados e professores que dêem resposta às necessidades permanentes do sistema e não o recurso generalizado e ilegal à precariedade para fazer face a necessidades permanentes da escola pública.
Podem os pais, os professores e os estudantes contar com o PCP nesta importante luta.

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