Intervenção de

Interpelação do PCP ao Governo sobre MOEDA ÚNICA - Intervenção de Lino de Carvalho, na AR

O caso Renault fez aparecer muitas vozes aparentemente indignadas
contra o comportamento desta transnacional europeia. Mas esta "indignação",
expressa desde logo ao mais alto nível por M. Santer, tem um nome: hipocrisia.
Porque tanto a Comissão Europeia como os Governos europeus sabem que o processo
de deslocalização das empresas e de encerramento e despedimento súbito dos trabalhadores
é uma consequência inerente ao modelo de economia capitalista em construção
na Europa e no mundo, é uma consequência da chamada liberdade de circulação
de capitais, é uma consequência do mercado único que se irá acentuar, acelerar
e multiplicar com a moeda única.

É, pois, uma refinada mentira a afirmação, como fez o PS no
folheto de propaganda do euro, que a moeda única vai criar
postos de trabalho.

A moeda única vai, pelo contrário, criar mais desemprego, e
ser factor de pressão e chantagem sobre os trabalhadores para um
emprego de menor qualidade e mais precário.

É um dado adquirido que uma integração económica mais
profunda no quadro de uma moeda única, com políticas
monetárias e cambiais comuns, vai estimular a deslocalização
das grandes empresas e das transnacionais para os países e
regiões da Europa mais prósperas e com maiores produtividades.
Como diz o Argumentário Euro "as posições concorrenciais
das empresas reflectirão, fundamentalmente, as diferenças de
produtividade e de inovação". Sabido que não são as
empresas portuguesas as mais destacadas nesse terreno - nem o
irão ser nos próximos anos - aí estará o Governo a oferecer
como alternativa e como vantagem comparativa uma força de
trabalho mais barata e com menos garantias sociais. E não venha
o Senhor Primeiro Ministro falar em "consciência
social" do Governo do Partido Socialista. Porque essa
consciência social está bem expressa na afirmação produzida
há poucos dias pelo Secretário de Estado da tutela quando, ao
referir-se ao "programa para a internacionalização da
economia portuguesa" apelava às empresas portuguesas se
considerassem que estavam a perder competitividade devido aos
salários, a deslocalizarem-se para regiões e países em que os
salários fossem mais baixos que os portugueses. Como está
expressa no comentário do Engenheiro António Guterres à
recente investigação de sociólogos do Ministério da
Qualificação e Emprego que estimam já em mais de 2 milhões de
empregos (46% dos trabalhadores) o volume do trabalho precário
em Portugal. Face a dados que confirmam uma situação
socialmente intolerável esperar-se-ia de um Primeiro Ministro de
um Governo do PS, no mínimo, preocupação e adopção de
medidas de combate à crescente precarização e
desregulamentação das relações de trabalho. Mas não. Numa
reacção que faria inveja à Senhora Tatcher (ou ao Senhor
Chirac, já que se encontrava em Paris) o Engº António
Guterres, veio dizer que a precaridade de emprego em Portugal é
um fenómeno natural e assegurou ao patronato francês que assim
iria continuar a ser. De uma penada o Primeiro Ministro de um
Governo "socialista" deita por terra a legítima ideia
de que os avanços civilizacionais e tecnológicos devem ser
colocados ao serviço da Humanidade, proporcionando uma melhor
qualidade de vida, nela se integrando a criação de "mais e
melhor emprego" e o "combate ao abuso do trabalho
precário e temporário" (citações do Programa Eleitoral
do PS). No fundo, o que o Engº António Guterres lamenta é que
a situação laboral em Portugal não seja ainda como a do Reino
Unido da Senhora Tatcher e do Senhor Major onde não há
restrições aos contratos a prazo, onde o número de contratos a
prazo sucessivos concluídos com o mesmo trabalhador podem ser
ilimitados, onde não há limitação legal à duração semanal
de trabalho nem obrigação de um mínimo de férias anuais; onde
os períodos experimentais podem ir até dois anos; onde os
despedimentos são feitos sem pré-aviso. É a isto que o Governo
do PS e o Engº António Guterres aspiram quando assumem como boa
a interpretação do patronato sobre a Lei das 40 horas ou quando
fazem apelo permanente às políticas de moderação salarial e
de desregulamentação das relações de trabalho.

Tudo em nome da "competitividade" e da
"globalização da economia". Tudo em nome da
"moeda única". É o sucesso contra o emprego, contra
os salários, contra as despesas sociais. É a chantagem sobre os
trabalhadores: ou te precarizas e aceitas salários moderados ou
me deslocalizo; ou aceitas a mobilidade e vais atrás das
empresas ou te desempregas. É o "sucesso" da economia
sempre à custa de quem trabalha que faria as delícias de
qualquer ideólogo do fundamentalismo neo-liberal.

Como afirma o Relatório do Conselho da Europa "as
Regiões periféricas do território da União Europeia, menos
preparadas e já pobres, arriscam- se a ver o seu desemprego
aumentar, sobretudo se os desempregados recusam a mobilidade -
isto é, a transferência - para zonas de forte
crescimento".

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Não venham com a cassete da visão catastrofista do PCP.
Respondam- nos com argumentos, se os têm. E respondam não só a
nós. Respondam também às várias Universidades Europeias que
fizeram, para o Parlamento Europeu, o estudo sobre as
"consequências sociais da UEM", respondam às
resoluções do Conselho da Europa; respondam aos múltiplos
analistas que em Portugal e por essa Europa fora têm as mesmas
preocupações que o PCP.

Se estão tão certos que o PCP não tem razão aceitem a
realização de um amplo debate nacional, aceitem a realização
de um referendo.

A Europa está a ser construída contra os trabalhadores e contra o emprego.
A moeda única está a ser preparada sacrificando-se o bem estar, a estabilidade
e as garantias de quem trabalha. Não foi isto, não é isto que foi, que é, prometido
aos povos. Por isso cuidem-se: em Portugal, em França, na Alemanha o descontentamento,
as lutas e os movimentos sociais alastram. E continuarão a crescer à medida
que os trabalhadores perceberem que mercado único e moeda única são cada vez
mais sinónimo de deslocalização, mobilidade, trabalho precário, desemprego.

 

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