Intervenção de

Interpelação ao Governo - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Interpelação ao Governo sobre educação

 

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra da Educação,

Antes de mais, é de estranhar que, sendo esta uma matéria sempre querida e bem-vinda para o Partido Socialista, ainda há bem pouco tempo, há cerca de 15 dias, o PS tenha rejeitado um requerimento do PCP sugerindo a vinda da Sr.ª Ministra da Educação à Assembleia da República.

Também gostava de fazer referência a alguns comportamentos que já vêm sendo prática e que lamentamos, obviamente.

O Ministério da Educação foi confrontado, numa reunião, com alguns dados sobre o ensino especial, mas recusou-se a responder.

Todavia, lá fora, para os jornalistas, rapidamente anunciou mais um «milagre»: depois de ter reduzido brutalmente o número de professores afectos ao ensino especial, perante as notícias de que, todos os dias, há mais crianças com deficiência ou necessidades educativas especiais que ficam sem apoio e perante o desespero de pais e professores que, diariamente, são confrontados com o abandono a que este Ministério votou o ensino especial, o Sr. Secretário de Estado Valter Lemos anunciou o pleno emprego dos professores do ensino especial!

Numa tentativa desesperada para justificar a colocação dos professores de electrotecnia ou de agropecuária no grupo do ensino especial destinado às deficiências mais graves, o Sr. Secretário de Estado da Educação anunciou, no dia 21 de Outubro que não há professores de ensino especial desempregados para colocar nas escolas: estão todos empregados!

Até anunciou que seria necessária a contratação de mais 35 professores de outras áreas para acompanhar o ensino especial...!

Contudo, todos recebemos aqui, nesta Assembleia (presumimos...), no dia 6 de Novembro, uma carta de uma senhora que é, exactamente, docente, com pós-graduação e especialização na educação especial, e que está - imagine-se! - desempregada, referindo um conjunto muito vasto de outros professores na mesma situação.

Sr.ª Ministra, o seu Ministério começa a ficar sem desculpas para a forma indigna como tem tratado o ensino especial e as crianças com deficiência, mas esteja certa de que, enquanto aplicar estes critérios economicistas acima dos critérios pedagógicos e da necessidade de acompanhamento destas crianças, continuará a contar com a oposição do PCP.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo e Srs. Deputado,

Se alguma conclusão podemos retirar destes três anos de Governo do Partido Socialista em matéria de educação é esta: este Governo, além de prosseguir as políticas de direita, agravou-as acentuadamente e isso tem significado a degradação da qualidade do ensino em Portugal. Este Governo quer fechar 45,7% das escolas do 1.º ciclo do básico até 2009.

Diz que não têm a qualidade mínima para funcionar, que só têm dois ou três alunos.

Mas investiu este Governo na requalificação das escolas do 1.º ciclo do ensino básico? Não. Manda-as fechar!

Mas promove o Governo a fixação das populações nas zonas mais deprimidas do País? Não. Obriga-as a deslocarem-se para os centros urbanos!

E, mesmo assim, muitas são as escolas apontadas para encerramento que apresentam condições invejáveis e até muitas com mais de 10 ou de 15 alunos.

O Governo, na sua fúria economicista, quer levar tudo à frente neste ataque ao ensino público e a pouco e pouco, paralelamente à campanha de propaganda do Governo, a qualidade da educação vai-se degradando.

O Governo tenta falsificar quantitativamente a formação qualitativa dos portugueses, impõe aos professores que passem os seus alunos para não aumentar os números do insucesso, procede a uma monumental chapelada estatística ao retirar aos portugueses o direito efectivo à educação e à formação para os substituir por operações de reconhecimento e validação muitas vezes viciados.

Ou seja, o Governo valoriza o diploma, em vez da real qualidade da formação e ensino.

Este Governo prossegue a linha de elitização do ensino num País cada vez mais empobrecido em relação ao contexto internacional em que se insere. Portugal é hoje o país mais desigual da União Europeia, pelo que é ainda mais grave o peso da componente social e económica no sucesso escolar.

O estudo PISA 2006 (Programme for International Student Assessment) da OCDE refere que Portugal está acima da média europeia no que toca às implicações da condição social da família no sucesso escolar do estudante.

Contra a mentira que o Governo espalha quando se fala de elitização, aí estão os dados que mostram que existe uma significativa diferença entre os pontos obtidos por estudantes dos meios mais pobres e os dos meios mais ricos.

Os estudantes que têm acesso a mais bens culturais têm mais pontos do que os estudantes que têm menores posses, como se verifica, inclusivamente, no referido estudo.

É também importante referir que, segundo esse estudo, 93,8% dos pais portugueses consideram competentes os professores dos seus filhos, o que significa que a campanha dirigida pelo Governo contra os professores não tem produzido os efeitos esperados pelo Governo na opinião pública.

Que valor seria este, então, se não fosse a brutal campanha contra os direitos dos professores, que tem criado um ambiente de grande instabilidade pessoal e colectiva, com reflexos inegáveis nas comunidades escolares e na qualidade do ensino? O Governo não quer melhorar a prestação profissional dos professores.

Está, sim, apostado em fazer aplicar a todo o custo um estatuto de carreira que tem sido ampla e diariamente contestado. Afinal, a Sr.ª Ministra da Educação perdeu os professores e também a opinião pública.

Perante o encarecimento do custo de vida e o empobrecimento da população e dos trabalhadores, é cada vez mais importante o reforço da acção social escolar e a gratuitidade do ensino.

Que temos, então, deste Governo? Aumentos das propinas no ensino superior, milhares de euros para pagar nos quarto e quinto anos dos cursos; empréstimos que hipotecam a vida dos estudantes, antes mesmo de começarem a trabalhar; privatização das cantinas e das residências.

Perante a necessidade de alargar o âmbito dos currículos - como, aliás, prevê a Lei de Bases do Sistema Educativo -, o Governo o que faz? Diminui o investimento na educação para desviar fundos para «actividades de empobrecimento curricular», não cumpre a lei, mas, pior, altera pela prática a lei de bases sem a submeter a um escrutínio democrático.

Perante a necessidade de reforçar o parque escolar e garantir a melhoria das condições materiais e humanas das escolas, o Governo o que faz?

Cria uma empresa para gerir o património do Ministério da Educação, como se de uma agência imobiliária se tratasse. Ao mesmo tempo, na sua estratégia de encerramento do parque escolar do 1.º ciclo, o Governo faz chantagem com as autarquias, através do regulamento de acesso aos fundos do QREN, negando-lhes esse acesso caso não fechem as escolas que o Governo indica para encerrar. Nem mesmo o ensino artístico escapa a esta prática economicista, autoritária e prepotente, e é também alvo de uma suposta «refundação» (nas palavras do Ministério).

Mas que refundação é esta que coloca alterações estruturais ao sistema sem qualquer discussão com os professores ou estudantes e perante um crescente desinvestimento? E escusa de se preparar para dizer que as escolas participam no grupo de trabalho da refundação, Sr. Secretário de Estado, porque é falso.

Não participam. Participam pessoas a título individual, duas das quais também trabalham em escolas, mas não estão em representação delas. O Sr. Secretário de Estado sabe isso bastante bem, pelo que não devia apresentar aqui essa desculpa.

A insensibilidade deste Governo atinge também, como já foi referido, o ensino especial: depois da aplicação cega da Classificação Internacional de Funcionalidade, baseada exclusivamente em critérios de saúde, retirando milhares de crianças das necessidades educativas especiais, o Governo coloca agora professores de qualquer área a acompanhar alunos muitas vezes com deficiências profundas e graves.

Estas são apenas algumas das expressões mais representativas da política do Governo. A escola pública, gratuita e de qualidade, a escola para todos e inclusiva, o respeito pelos professores e a dignificação da sua carreira como peça fundamental para o aumento da qualidade do ensino estão cada vez mais longe do horizonte político nacional - pelo menos, durante o mandato deste Governo.

Mas nesta ofensiva brutal contra os direitos dos estudantes, dos professores e dos trabalhadores em geral, o Governo também conta com uma luta cada vez maior, uma força resistente que cada vez mais lhe é inconveniente.

E contra esta política de devastação e destruição da escola pública levantar-se-ão mais e mais estudantes e professores. Vai mal a educação em Portugal, quando a qualidade se mede pelo seu peso no défice e no Orçamento do Estado, quando a qualidade se confunde com propaganda.

Diz-nos o Governo que o sistema assim é mais eficiente: ou seja, gasta menos e está no bom caminho para a sua empresarialização. Mas a eficiência que se quer do sistema público de ensino, Srs. Ministros, não é que funcione como uma máquina, em que professores, estudantes e funcionários são meras peças descartáveis, mas, antes, que integre a sociedade num projecto de desenvolvimento nacional que faça da educação uma alavanca para a formação integral dos portugueses e não apenas um instrumento de certificação para o trabalho.

 

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