Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Interoperabilidade entre sistemas de informação dos órgãos de polícia criminal

Procede à primeira alteração à Lei n.º 73/2009, de 12 de agosto, que estabelece as condições e os procedimentos a aplicar para assegurar a interoperabilidade entre sistemas de informação dos órgãos de polícia criminal, e à segunda alteração à Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto, que aprova a Lei de Organização da Investigação Crimina
(proposta de lei n.º 273/XII/4.ª)

Sr.ª Presidente, peço a palavra.
Estava à espera de ouvir ainda alguns argumentos da parte dos partidos que apoiam o Governo relativamente a estas propostas, mas não há problema em dar já a opinião que temos sobre elas.

Sr.ª Presidente,
Sr.ª Ministra da Justiça,
É certo que não sendo da responsabilidade deste Governo, mas do Governo anterior, do Partido Socialista, gostava de sugerir que se pudessem recuperar os debates de 2009, quando foram aprovadas quer as alterações à Lei de Organização da Investigação Criminal quer a criação do Sistema Integrado de Informação Criminal (SIIC) e da Plataforma para o Intercâmbio de Informação Criminal. É que se recuperarmos os debates de 2009 percebemos que podemos atalhar esta discussão.
Já em 2009, identificávamos este problema que estamos a tratar, com uma caraterização e, de resto, as intervenções dos Srs. Deputado Nuno Magalhães e Fernando Negrão na altura não iam muito longe. Tratava-se de um problema de governamentalização do Sistema Integrado de Informação Criminal, que afastava por completo as magistraturas do controlo da informação criminal, obviamente remetendo até para um papel secundário a Plataforma para o Intercâmbio de Informação Criminal.
Portanto, o problema central é o da governamentalização do Sistema Integrado de Informação Criminal, que tem no seu vértice o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, que é nomeado diretamente pelo Primeiro-Ministro e, portanto, há um completo afastamento das magistraturas do controlo desse sistema. Este é o primeiro erro basilar, sendo esta uma questão de fundo. Porquê? Porque é dessa estrutura orgânica que resultam estes problemas. Não foi preciso muito tempo até que as magistraturas começassem a queixar-se de que não conseguiam ter acesso à informação criminal de que os órgãos de polícia criminal dispunham. Porquê? Porque o acesso das magistraturas é limitado e a participação das magistraturas em todo o sistema acaba por ser limitada.
Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, este problema tem de ser resolvido. É certo que a proposta de lei que a Sr.ª Ministra apresenta hoje não pretende abarcar esse problema de fundo; pretende resolver o problema do acesso das magistraturas à informação criminal, não pretende resolver o problema da estrutura orgânica do Sistema Integrado de Informação Criminal.
Porém, o problema do acesso das magistraturas à informação criminal, que tem de ser resolvido — não sei se hoje alguém manifestará uma posição discordante dessa opção, mas é óbvio que as magistraturas têm de ter acesso à informação de que o sistema já dispõe —, não pode ultrapassar algumas preocupações nesta matéria, que têm de estar presentes. Vou dar exemplos de algumas.
Em primeiro lugar, quanto ao problema da definição das bases de dados complementares, sabemos que esta Plataforma para o Intercâmbio de Informação Criminal garante a articulação no acesso a dados que estão contidos noutras bases de dados. Por que é que não se identificam claramente as bases de dados complementares? Esta, de resto, é uma preocupação manifestada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados. Para cumprimento do princípio da legalidade, é necessário identificar essas bases de dados, porque elas também têm de ser criadas na base de um princípio da legalidade. Portanto, nem sequer há o problema de deixar de haver uma referência a bases de dados que possam vir a ser criadas.
Segunda questão: porque é que não se definem critérios ou condições concretas para o acesso a essas bases de dados complementares? Por exemplo, a existência de um resultado positivo numa primeira pesquisa que seja feita na Plataforma para o Intercâmbio de Informação Criminal ou a necessidade de a pesquisa ser feita a partir de chaves de pesquisa que tenham relação direta com o processo-crime que está sob tutela do magistrado, para evitar o acesso abusivo aos dados e a abusiva utilização da sua obtenção.
Sr.ª Ministra, uma outra preocupação tem a ver com o acesso, com os graus e com os limites que a Sr.ª Ministra já hoje referiu. Este acesso tem de ser necessariamente restrito e balizado em função de princípios da legalidade, que, de resto, decorrem até dos princípios que norteiam a organização da investigação criminal. Tem de haver uma preocupação com o controlo no acesso aos dados e com a utilização posterior que lhe é dada.
Sr.ª Ministra, em relação a este aspeto, temos uma preocupação grande quanto à referência que é feita à justificação da prevenção criminal. É que a justificação da prevenção criminal é muito genérica, que tanto abrange as competências do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acão Penal) em relação à matéria de criminalidade económica e financeira, nomeadamente em relação ao branqueamento de capitais — o DCIAP tem competências de prevenção criminal — como abrange competências que têm a ver com os órgãos de polícia criminal. Trata-se de competências de natureza muito distinta que não podem ser tratadas como se fossem a mesma coisa.
Portanto, julgamos que a exigência da demonstração desses fins de prevenção criminal é um critério mínimo para garantir o acesso a essas bases de dados.
Já ultrapassei em muito o meu tempo, pelo que vou concluir antes que a Sr.ª Presidente me advirta.
Sr.ª Ministra da Justiça, há aspetos que são de grande melindre, particularmente porque, pondo em causa o acesso a dados pessoais, põem em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que têm necessariamente ser considerados nesta lei.
Portanto, esperamos que, em sede de especialidade, todas estas preocupações possam ser tidas em conta e ultrapassadas, para que, como aconteceu em relação às leis de 2009, daqui por cinco anos, não estejamos novamente a discutir problemas que podiam ser resolvidos já neste processo legislativo.

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