Tem sido pública e notória a controvérsia em torno da perspectiva apontada pelo Governo, de atribuição de “poderes de polícia” aos funcionários das empresas concessionárias das infra-estruturas rodoviárias onde está prevista a cobrança de portagens. Assim, a confirmar-se tal perspectiva, esses funcionários poderiam mandar parar os veículos nas auto-estradas, identificar os condutores, levantar contra-ordenações e eventualmente exigir o pagamento.
Ou seja, tais funcionários teriam poderes de autoridade que desde sempre foram reconhecidos, apenas e só, às forças de segurança. No entanto, e mais do que isso, poderiam recorrer a procedimentos a que nem as forças de segurança recorrem, como seja a alegada faculdade de mandar parar veículos em auto-estradas.
Isso mesmo é o que resulta do disposto no número 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 113/2009, de 18 de Maio. A concretizar-se este cenário, então das duas uma: ou os funcionários de fiscalização das concessionárias esperariam que os condutores dos veículos saíssem da auto-estrada para só depois os mandar parar (e aí estariam fora da sua área de intervenção), ou então mandá-los-iam parar em plena auto-estrada ou em plena ponte, com evidentes perigos para a segurança de pessoas e bens, pelo risco de sinistralidade que tal situação acarretaria.
Não se pode ignorar que, embora o supra-citado Decreto-Lei tenha sido publicado num contexto político muito marcado pela perspectiva de imposição de portagens nas SCUT, a verdade é que os efeitos que produz se aplicam na legislação mais geral. Está em causa nomeadamente o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem – regime esse que foi aprovado em 2006, por proposta do Governo e com os votos favoráveis do PS, PSD, CDS e BE (e os votos contra do PCP e do PEV).
Isto significa que, muito mais do que as actuais SCUT, estão em causa (como expressamente se pode ler no citado normativo) as «infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem». O âmbito de aplicação de tal medida é assim muito mais amplo e pode causar situações de enorme gravidade, não só no tocante à segurança rodoviária como inclusive nos planos cívicos e democráticos, com o cenário de funcionários destas empresas interceptarem e mandarem parar os cidadãos que circulem em auto-estradas e pontes com portagem.
Assim, ao abrigo do disposto na alínea d) do Artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e em aplicação da alínea d), do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, pergunto ao Governo, através do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, o seguinte:
1. Como prevê o Governo que seja levada a cabo a perspectiva apontada no Decreto-Lei acima referido, de funcionários das concessionárias a interceptar e mandar parar os cidadãos que circulem em auto-estradas e pontes com portagem?
2. Que ponderação foi feita sobre as implicações de tal situação para a sinistralidade rodoviária, a segurança de pessoas e bens e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos?