Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

"Os instrumentos de dívida na gaveta dos CTT"

Declaração política referindo-se a um estudo realizado e divulgado pela DECO-Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor feito a partir de uma investigação que revelou que várias estações de correios forneceram aos potenciais compradores de «Certificados de Aforro e de Certificados de Aforro Poupança Mais» informações incompletas ou erradas

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Foi há dias tornado público um estudo, realizado e divulgado pela DECO-Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, a partir de uma investigação que incluiu a visita a cerca de meia centena de estações dos correios.

Em causa estavam as respostas e as recomendações que eram dadas pelos CTT sobre instrumentos financeiros, designadamente sobre os títulos do Estado comercializados pela empresa.

O que esse estudo revelou foi que, num número preocupante de casos registados, foram fornecidas aos potenciais subscritores de Certificados de Aforro e de Certificados do Tesouro Poupança Mais informações incompletas, ou mesmo erradas, sobre estes instrumentos de dívida pública.

A pergunta que era feita aos balcões dos CTT era sempre a mesma e implicava uma hipótese em que a resposta necessariamente seria «Certificados do Tesouro Poupança Mais», mas, em muitas situações, a recomendação era outra e apontava para alternativas completamente descabidas.

O que essas aplicações alternativas tinham em comum era o facto de serem produtos financeiros de grupos económicos parceiros dos CTT e que, assim, eram apresentados, promovidos, recomendados em detrimento dos títulos do Estado.

Entre esses produtos estavam seguros de capitalização, seguros de poupança dirigidos a crianças e jovens, planos poupança reforma, fundos de investimento, tudo disponibilizado, comercializado e propagandeado na rede de estações dos correios.

A publicação deste estudo provocou espanto e indignação perante toda esta ocorrência de recomendações descabidas e informações erradas e houve quem perguntasse como seria possível tanta confusão e tanto erro.

A verdade é que a resposta a essa questão já tinha sido dada vários dias antes, mais concretamente no dia 6 de março, aqui mesmo, na Assembleia da República, e veio na denúncia da Comissão de Trabalhadores dos CTT, na audição sobre a petição do SNTCT (Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações) contra a privatização da empresa, realizada em sede de Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública.

Aqueles trabalhadores deram conta de orientações que vêm sendo dadas aos funcionários por parte da hierarquia da empresa para que fossem recomendados e promovidos os produtos financeiros das entidades parceiras, em detrimento de instrumentos do Estado, como os Certificados de Aforro ou os Certificados do Tesouro Poupança Mais.

Esses deviam ficar na gaveta, enquanto eram apresentados e propostos os tais seguros, os PPR, as poupanças e outras aplicações financeiras de instituições como a Fidelidade Seguros, a Caixagest ou a Mapfre Seguros de Vida SA, para quem os CTT-Correios de Portugal trabalham como agentes de seguros.

Sabemos que essas parcerias não são novidade e que os CTT estão há anos registados no Instituto de Seguros de Portugal com funções de comercialização e poderes de cobrança ao serviço dos grupos financeiros; o problema é quando há ordens dadas aos trabalhadores para que esses grupos financeiros e os seus interesses se sobreponham ao interesse público.

Esta situação é tanto mais grave na medida em que — fora o próprio IGCP — os CTT têm o exclusivo da comercialização aos particulares, às famílias, destes títulos do Estado. Não é em qualquer empresa que se adquirem Certificados de Aforro; é nos Correios! E os Correios, privatizados em dezembro e recebidos anteontem em festa no PSI 20, têm agora a sua estrutura acionista abrilhantada por grupos financeiros como o Deutsche Bank ou o Goldman Sachs.

Esta situação vem juntar-se a toda a política e a toda a estratégia que, ao longo dos anos, se evidenciavam nos sucessivos Governos e nas sucessivas administrações dos CTT e que passaram pelo encerramento de centenas de estações e postos de correios, pela destruição de milhares de postos de trabalho, pela degradação do serviço postal e pela preparação da privatização da empresa.

O banco postal está na calha. Produtos e aplicações financeiras vão ser mais que muitas, para serem promovidas aos balcões dos CTT.

Perante tudo isto, fica a pergunta: que tratamento é dado, afinal, à comercialização dos instrumentos de dívida do Estado?

É para abordar esta questão que o PCP apresenta um requerimento para que se realize a audição, na respetiva comissão parlamentar, da Sr.ª Secretária de Estado do Tesouro sobre esta matéria.

Aqueles que procuram, tantas vezes com enormes dificuldades, realizar alguma poupança e recorrer a instrumentos seguros, que contribuem para o financiamento do Estado, não podem ser tratados desta forma, usados desta forma e encaminhados desta forma para os interesses dos grupos privados. Nem pode ser tratada desta forma esta componente do financiamento do Estado, que é dirigida aos pequenos aforradores e que não está nas mãos dos sacrossantos mercados.

O Governo tem de dar explicações ao País e à Assembleia da República. É essa a proposta que, desde já, apresentamos.

(…)

Sr. Presidente,

Começo por registar que sobre uma matéria escandalosa como é esta, a forma como está a ser tratado o problema dos Certificados de Aforro e de outros instrumentos de dívida pública através dos Correios, estranhamente não haja uma palavra da parte das bancadas do PSD, do CDS e do PS.

Quando se fala de dívida pública e de financiamento do Estado, quem defendeu e defende a privatização dos Correios tem aqui uma boa oportunidade para falar, perdendo, outras vezes, boas oportunidades para estar calado.

Em relação à pergunta, que agradeço, da Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, queria começar por chamar a atenção para o problema que está colocado, não apenas do ponto de vista do crime económico, que é a privatização dos Correios, ainda para mais agravado e adensado com esta escandalosa distribuição de dividendos na ordem dos 61 milhões de euros dos lucros declarados agora, para ações compradas em saldo no final do ano, e para a valorização das ações que já foi identificada na semana passada, salvo erro, em 44,9% — negócio melhor do que este não há certamente!…

Para além deste problema, há um outro, também seriíssimo, que tem a ver com o financiamento do Estado, em que esta componente do financiamento e este instrumento da dívida pública, que são os Certificados de Aforro e os Certificados do Tesouro Poupança Mais, estão agora entregues à concorrência. Ou seja, o Deutsche Bank e a Goldman Sachs, que estão entre os tais que vão ao BCE comprar dinheiro a 0,5% para vender ao Estado português a 4% ou a 5%, ou mais, e que estão lá no meio dos tais mercados que dominam a dívida pública e o nosso financiamento, estão na central de comando da empresa que tem o exclusivo dos Certificados de Aforro em relação à sua comercialização, fora o IGCP, que tem a sua venda direta.

É, pois, caso para dizer que o instrumento de dívida fundamental para os pequenos aforradores está entregue, por parte do Estado, à sua própria concorrência.

Isso é altamente preocupante e exige uma resposta cabal por parte do Governo, que tem a tutela e a responsabilidade de garantir e de gerir as carteiras de títulos que têm a ver com os Certificados de Aforro. Por isso, se até agora tínhamos razões para nos preocuparmos, mais razões teremos agora para denunciar, para agir e para lutar em relação ao tal banco postal que está na calha e aos negócios e negociatas que aí estão no horizonte.

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