Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Institui um regime especial de defesa e valorização das embarcações tradicionais portuguesas enquanto património cultural nacional e Libertação da via da água e transporte não regular em estuários

(projeto de lei n.º 495/XII/3.ª)
(projeto de resolução n.º 924/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Aiolas, botes, iates, catraios, canoas, fragatas, moliceiros, rabelos, galeões — estas são apenas algumas das tipologias de embarcações tradicionais que continuam a navegar, testemunho histórico da vida e do trabalho de um povo ao longo de gerações. E esse testemunho prevalece graças à perseverança e dedicação de associações náuticas, de municípios, de artífices, de entusiastas, que daqui saudamos vivamente — alguns estão hoje aqui presentes.
A valorização das embarcações tradicionais portuguesas deve também ser encarada como uma forma de proteção de um valor histórico, mas deve igualmente ser encarada como uma forma de partilhar e afirmar a nossa identidade, aquilo que nos diferencia e de promover valores de uma vida mais sã em todos os aspetos, desde a saúde até ao associativismo.
Está enganado quem pensar que a continuidade deste trabalho e deste património são um dado adquirido e garantido para o futuro. Não é assim. É preciso acarinhar esta intervenção, criar condições para que se desenvolva, considerar e respeitar a sua especificidade.
E isso tem a ver com a exigência de normas e taxas, de vistorias e licenciamentos, de um regime que pode ser adequado para modernos barcos de recreio a motor, mas que em nada se coaduna com a preservação das características essenciais de uma embarcação da «Marinha do Tejo». Da mesma forma, as aplicações e usos de uma aiola de Sesimbra não podem ser comparados com os de uma lancha ou os de um semirrígido.
Com a presente discussão, que saudamos, o PCP retoma e reafirma as propostas apresentadas em fevereiro de 2009 no projeto de lei que mereceu então o contributo, a opinião e o apoio de tantas comunidades locais e de tantos profissionais e entusiastas que, diariamente, defendem e promovem este importantíssimo património cultural do nosso País.
Por outro lado, apresentamos um projeto de resolução sobre libertação da via da água e transporte não regular em estuários, porque, para o PCP, a via da água deve servir também para que as populações possam melhor conhecer e viver as zonas ribeirinhas e para que se promova o nosso património cultural e ambiental.
Salvaguardando sempre a segurança da navegação e diferenciando as áreas de intervenção em presença, consideramos aqui a especificidade deste transporte fluvial não regular, enquanto componente da defesa e valorização destas embarcações tradicionais e que, por isso mesmo, não pode ser confundido nem misturado com uma espécie de «oferta marítimo-turística» mais intensiva e indiferenciada, que aproveitasse a boleia para entrar no negócio.
Deixamos, por isso, o nosso alerta relativamente às opções que venham a ser tomadas no quadro legal e regulamentar a este propósito.
Dito isto, convergimos, no fundamental, com o teor do projeto de resolução n.º 759/XII (2.ª), também em discussão, e pretendemos contribuir para o debate, de forma construtiva, com as nossas propostas.
O que destacamos aqui, por um lado, é a possibilidade e o interesse em que esta Assembleia possa assumir o seu papel e definir esse regime especial de defesa e valorização das embarcações tradicionais portuguesas enquanto património cultural nacional, legislando nesse sentido e, por outro lado, a necessidade imperiosa de que as opções legislativas e regulamentares resultem de um processo fundamentado, participado, que considere de facto o conhecimento e a experiência do movimento associativo náutico, das autarquias, do IPTM/IMT e da Autoridade Marítima, designadamente. Aliás, a bem do rigor, importa retificar o erro de designação do nosso projeto e repor a referência certa, não à Marinha, mas à Autoridade Marítima.
Da parte do PCP, manifestamos, naturalmente, a nossa abertura para trabalhar numa solução consensual e reiteramos o nosso empenho em contribuir para a definição de um quadro legal que valorize o património cultural que está presente em cada embarcação típica e em cada comunidade ribeirinha que a preserva.

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