Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Instituições europeias preparam campanha de mistificação em torno dos resultados das suas políticas

No debate preparatório para o Conselho Europeu, Jerónimo de Sousa afirmou que tanto a Comissão Europeia como o Conselho Europeu estão a protagonizar uma gigantesca campanha de mistificação em torno da ideia de que o pior da crise já passou, aliás, tal como o governo português faz por cá.
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Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro:
Do que nos é possível conhecer até agora da agenda do Conselho Europeu, ficam claras duas questões.
Primeira, quer o Conselho quer a Comissão estão a protagonizar uma gigantesca campanha de mistificação em torno da ideia de que o pior da crise já passou. Conhecemos bem essa campanha por cá — uma campanha ditada pelo facto de estarmos à porta das eleições.
Mas, se há algo clarificador no projeto de conclusões do Conselho para lá da propaganda que encerra, é a involuntária confissão e o autodesmentido da campanha em torno da retoma e da saída limpa.
Lemos o projeto de conclusões e lá estão todas as linhas de aumento da exploração, de canalização de recursos públicos para a banca, de concentração e centralização do capital na União Europeia, de garantia de lucros fabulosos aos monopólios e às transnacionais, à custa dos salários e direitos dos trabalhadores.
Basta ver, por exemplo, o que está redigido no projeto de conclusões sobre a Irlanda para se ver quais são as tão cantadas saídas.
Sabe o que está na forja para o povo inglês, Sr. Primeiro-Ministro? No processo do Semestre Europeu, a Irlanda será incluída no procedimento por défice excessivo, portanto, será incluída no processo de governação económica, ou seja, restrições de soberania económica e orçamental, prosseguimento de destruição de direitos sociais e laborais, cortes adicionais nos salários e pensões de forma permanente, mais privatizações, destruição dos serviços públicos para alimentar a gula do grande capital.
Ora, isto vem dizer-nos o que já sabíamos: nem lá nem cá há saídas limpas! Só políticas das «troicas» por outros meios…!
Por outro lado, e apesar do orçamento da União Europeia continuar a ser um indigente — em sentido metafórico, perceba-se! —, pretende-se canalizar o que resta para melhorar a competitividade da política industrial, mobilizando os recursos para a investigação de excelência e para os grandes projetos de infraestruturas.
Ora, todo este palavreado mais não quer dizer do que subjugar o investimento na ciência ao serviço do mercado, particularmente as grandes multinacionais através do que chamam «de excelência» que, traduzido, significa a exclusão de estruturas de investigação de países como o nosso e a canalização dos fundos para a investigação em tudo o que possa ser vendável, deixando de fora qualquer política de investigação pública e ao serviço do interesse de todos, processo este, de resto, agravado pelo regime de patentes (unitária) e pela intenção da criação do tribunal unificado de patentes.
É preciso lembrar que, quando aqui colocámos a questão, só o CDS nos acompanhou, porque a posição do Governo de então do Partido Socialista era contrária, ou seja, era a favor desta mutilação que hoje volta a estar aqui na ordem do dia.
Para cumprir aqueles objetivos lá vêm com as parcerias público-privadas, forma bem conhecida de investimento público para lucro privado, e o recurso à dita «fuga de cérebros» jovens e menos jovens de elevado grau de formação e conhecimento científico.
Mas de relevo é a gigantesca operação de concentração do setor bancário que está em marcha. A operação a que chamam «união bancária», salvaguardando, ao mesmo tempo, a união económica e monetária e o instrumento que permite aos países produtores de produtos de elevada incorporação tecnológica e grande procura no mercado mundial continuarem a acumular excedentes e passarem aos países de economias mais frágeis, como Portugal, os défices.
Depois de terem privado os países da União Europeia da sua política monetária, avançaram para a política orçamental e fiscal e, agora, é chegada a vez de lhes retirarem o pouco — ou nada, se quisermos — que ainda restava de possibilidade de determinarem o papel da banca numa economia soberana e produtiva, tendo em vista a criação de emprego, uma política justa de rendimentos e de serviços públicos de qualidade.
Paulatinamente, os povos vão sendo privados de instrumentos fundamentais para a determinação do seu futuro, sem que se sejam chamados a pronunciar-se.
Vai-se acentuado, assim, o clamoroso confronto desta União Europeia com a democracia, em conflito com os interesses e aspirações dos povos. Um processo que cresce nas costas dos povos, retirando-lhe o seu inalienável direito a determinar o seu presente e o seu futuro, um processo que retira o poder de intervenção das instituições de soberania nacional e que se realiza contra direitos democráticos dos povos e das suas aspirações.

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