Senhor Presidente, Senhores Deputados,Tendo abandonado, a intenção de proceder a alterações ao actual Código de Recuperação de empresas e de falências, fruto de uma outra conjuntura, o Governo optou por enfileirar com as orientações traçadas em todo o mundo, nomeadamente pelo FMI nos países em que se alapardou. Vide o caso da Argentina, e os acesos debates travados no Parlamento.Para o Governo, é preciso por as falências em dia para que a economia seja saudável. Mas o que resulta do diploma é que o mesmo conduzirá a exclusões sociais, melhor dizendo, a pobreza.A economia será saudável para os capitalistas, mas assentará num sociedade em que, cada vez mais, e a coberto do equívoco da palavra neoliberal, os seres humanos, vão sendo privados de direitos fundamentais. As empresas, mesmo as que já ultrapassam a dimensão das pequenas e médias empresas, vão sendo privadas do direito a subsistir, do direito de enriquecer o tecido produtivo.O caminho da exclusão e da pobreza está claramente definido para os consumidores que quiseram ter o direito ao conforto exigível no século XXI. O direito a um tecto, o direito a lazeres, o direito dos jovens à educação. O direito aos direitos sociais. Que sonharam realizar, apesar do Estado e contra o Estado.Colhidos nas políticas monetaristas que têm causado recessão, pobreza e exclusões, os consumidores portugueses, como aliás os consumidores dos países da União Europeia, são agora colhidos por este diploma que os coage a apresentar- se no Tribunal, para que seja declarada a sua insolvência, sem quaisquer apoios que os ajude a superar o risco da pobreza.A solução encontrada pelo Governo, merece fortes críticas.Apontando preferencialmente para a insolvência, e não para a recuperação, dos particulares
• Atira para os Tribunais, ignorando as formas alternativas de tratamento do problema e da prevenção, a estigmatização dos cidadãos; enxameia os Tribunais de acções recusando as formas alternativas de resolução do problema • Longe de representar um novo começo de vida, corre-se o risco de o sistema contribuir para as exclusões; • Acelera a exclusão dos devedores sobreendividados afastando-os dos circuitos económicos, pela limitação, senão pela exclusão do recurso ao crédito bancário. • Adopta medidas que podem levar à obrigatoriedade, para o insolvente, de aceitar um trabalho desqualificado, se quiser manter o plano de exoneração. • Em suma: as famílias de que tanto fala a maioria, têm pela frente o calvário do processo de insolvência sem perspectivas de recuperação no horizonte. • E o mesmo se passa relativamente às empresas.
A proposta de lei contém alguns mecanismos destinados a acelerar por intervenção do próprio Estado, a liquidação do património das empresas.O artigo 152º actual, do Código dos processos especiais da recuperação de empresas e de Falências, ao estabelecer em certas condições, a passagem dos créditos do Estado, das autarquias, da Fazenda Nacional, a créditos comuns, quis impedir que aquelas entidades, desatassem a requerer insolvências, preferenciando a responsabilidade das mesmas na reconstituição do tecido social e económico.A lógica agora é outra.Como se trata de acelerar insolvências mantêm-se privilégios de créditos das mesmas entidades, nos 6 meses anteriores à apresentação à insolvência. O que constitui uma luz verde para a apresentação à insolvência.E depois a proposta de lei diminui os poderes do juiz, sobrepondo-lhe a comissão de credores na nomeação do administrador.Permite que a Comissão de Credores, soberanamente, exclua como entender, da Assembleia definitiva de Credores, aqueles que mais interessados estariam na reconversão da empresa, dificultando a liquidação e o empobrecimento do tecido produtivo.E entre estes encontram-se os trabalhadores credores. Que correm o risco de nem sequer pertencerem àquela Assembleia.Isto traduz um dos dogmas do chamado neoliberalismo. Os trabalhadores são sempre os culpados por todos os desastres que afectam o tecido produtivo.A proposta do Governo é uma proposta de rejeitar.Relativamente ao projecto de lei do Bloco de Esquerda, consta do seu preâmbulo que, relativamente aos privilégios creditórios dos trabalhadores, as alterações eram meramente clarificadoras.Isto é: estaremos perante disposições que pretendem ser a interpretação autêntica da Lei 12/76 e da Lei 96/2001.No sentido de ficar claro que as indemnizações e compensações pela cessação, por qualquer forma, do contrato de trabalho, também beneficiam dos privilégios mobiliários e imobiliários gerais. Não podendo fazer-se, como uma certa corrente jurisprudencial o fez, a interpretação de que as indemnizações e as compensações por cessação do contrato de trabalho, eram apenas créditos comuns.Tal corrente que começou a ressurgir depois do diploma de 2001, usou para a interpretação da lei, apenas o critério da interpretação literal, abandonando todos os outros critérios de interpretação. Não teve, nomeadamente em conta, a vontade do legislador. E nas páginas do Diário da Assembleia da República, nomeadamente naquelas que se referem ao debate sobre o diploma de 1991, que teve origem num Projecto de Lei do PCP, abundam as referências a que os créditos não abrangidos pela lei 12/76, ficavam abrangidos pelos privilégios mobiliários e imobiliários gerais.Com isto, o legislador impediu que se tirasse do novo diploma a interpretação de que, afinal, se tinha reconhecido com o diploma de 1991, que as indemnizações e compensações não estavam abrangidas pelas garantias da Lei 12/76.Este diploma e o de 1991 têm de ser interpretados como um todo. E se não era, com o diploma de 1991, inviabilizada a interpretação jurisprudencial (nomeadamente da Secção Social) que já antes de 1991, considerava aqueles créditos como beneficiando da garantia dos privilégios creditórios, constantes da lei 12/76, aquela outra jurisprudência que os excluía da protecção, por aplicação do diploma de 1991, teria de os considerar abrangidos.Foi isto o que o legislador quis, sem margem para dúvidas. E não como consta de, pelo menos 1 acórdão, de que foi interposto recurso, segundo nos informam, para o Tribunal Constitucional.Assim que, este projecto de Lei tem de ser considerado como um diploma interpretativo, sob pena de contribuir para o insucesso do recurso interposto. É naquele sentido que o interpretamos.Contudo, face a jurisprudência muito recente do Tribunal Constitucional, relativamente a privilégios imobiliários gerais, que estabeleceu que estes não podem prevalecer sobre garantias reais como a hipoteca, relegando os titulares dos privilégios imobiliários gerais, na graduação, para o 2º patamar-como já vem proposto nos artigos 157º e 158º do diploma anexo à proposta de lei, face àquela jurisprudência, importa repensar as garantias dos créditos dos trabalhadores à luz do Código Civil e do princípio da confiança no Estado de Direito democrático.E sobre esta matéria, é omisso o Projecto de Lei do Bloco de Esquerda, e a proposta do Governo segue e dá como assente que não pode haver outra solução senão a constante dos acórdãos do Tribunal Constitucional.E o que é preciso pensar é noutra solução que combine o princípio da protecção da confiança no Estado de Direito democrático com o princípio de que são os trabalhadores os mais interessados na reestruturação da empresa, por forma a que possa sobreviver e inserir-se no tecido produtivo. Princípio que se encontra expresso na Constituição da República.O que decorre, bem lá no fundo, da proposta de lei, em várias das disposições, é que os trabalhadores e as suas organizações, é que os trabalhadores são culpados. Esta, é uma das ideias caras ao neoliberalismo.São culpados de lutar por salários justos, por direitos, por garantias. Havendo que afastá-los dos centros de decisão sobre o futuro da empresa, havendo que impedir que as suas garantias não prejudiquem o comércio jurídico.E ao fim e ao cabo, são os trabalhadores os mais interessados no comércio jurídico saudável e não naquele que visa como objectivo primeiro liquidar empresas para garantir o aumento do património das instituições bancárias, por exemplo.O remédio para a situação de catástrofe a que nos conduz o neoliberalismo, passa por uma outra política económica que desenvolva o tecido produtivo.Passa pelo abandono das políticas monetaristas.Até lá, urge acudir às famílias portuguesas realizando os seus direitos sociais.O problema que conduziu ao sobreendivamento e à situação de risco de muitas empresas, reside, precisamente na falta da realização de direitos fundamentais.E aí não é difícil descobrir os culpados: o neoliberalimo e os seus dogmas.