(In)Segurança Marítima

Em Novembro do ano de 2002, o navio de carga Prestige agonizou ao largo da costa da Galiza, terminando a sua vida com o afundamento de cerca de 70 000 toneladas de fuelóleo. Desde então, muita tinta (e muito crude, também) correu sem que se fizessem sentir efeitos práticos das políticas sobre a segurança marítima ou a protecção das orlas costeiras de acidentes deste tipo.

No Parlamento Europeu (PE), a discussão sobre este desastre ecológico foi acesa e, de certa forma, repetitiva visto que confirmou o que o navio Erika, naufragado junto à costa da Bretanha em 1999, já tinha demonstrado: a enorme fragilidade das medidas existentes, a ineficácia dos actuais sistemas de vigilância e acompanhamento do tráfego marítimo e o atraso na aplicação de novas regras.

Em sessão plenária foi aprovada uma resolução, votada favoravelmente pela generalidade dos grupos políticos, incluindo o Grupo GUE / NGL, em que os deputados do PCP se integram, solicitando um inquérito sobre as responsabilidades e circunstâncias do acidente, a aceleração da implementação dos pacotes Erika I e II, a obrigatoriedade de ajudas para reparar os prejuízos desta catástrofe, a elaboração de uma lista de zonas marítimas sensíveis e a adopção de medidas específicas para garantia de um equilíbrio ecológico correcto das zonas da rede Natura 2000 afectadas. Nessa mesma sessão, interveio a deputada Ilda Figueiredo no sentido de se averiguar as razões da crise actual, a persistência das suas causas, a falta de decisão na matéria e o atraso na transposição das normas.

Já este ano, o Grupo GUE / NGL promoveu uma Audição no PE sobre a Segurança Marítima na Europa com o título “Maré Negra – Nunca Mais”, tendo nela participado deputados franceses, espanhóis, o deputado do PCP, Joaquim Miranda, e ainda alguns convidados de organizações ambientais, organizações sindicais ligadas ao sector da pesca e especialistas em assuntos marítimos. Nesta audição foram ouvidos testemunhos sobre acidentes marítimos, as suas consequências para a vida económica e social das populações afectadas bem como algumas considerações sobre a política de segurança marítima europeia.

Também na Assembleia da República os deputados do PCP agiram no sentido de questionar o Governo sobre esta matéria, apresentando requerimentos sobre as consequências económicas e sociais do derrame de fuel para os pescadores do Norte do país e sobre as manchas de fuel do Prestige ao largo das costas portuguesas.

Vários deputados intervieram em diversos debates no plenário, apontando a necessidade de apurar as causas deste tipo de acidentes a que Portugal, com a sua extensa orla costeira, está especialmente sujeito, bem como a exigência de soluções urgentes no sentido de prevenir, limitar os riscos e combater as consequências económicas, sociais e ambientais de acidentes marítimos.

Num recente debate promovido pelo PCP, em Vila Praia de Âncora, em que participou Ilda Figueiredo, o Professor universitário Bordalo e Sá alertou para o perigo de surgirem pequenas bolas de alcatrão nas praias do Norte de Portugal se, entretanto, não fossem tomadas medidas que definitivamente eliminem a possibilidade de poluição do crude que continua dentro do Prestige, no fundo do mar.

Outras questões

Já muito se falou sobre as medidas urgentes a tomar para uma segurança marítima eficaz: a inspecção periódica e respectivas correcções regulamentares aos navios, o fim das bandeiras de conveniência, a formação específica e certificada das tripulações (para se por fim ao risco inerente à flexibilidade do trabalho, à inexperiência e à exploração existentes), a redução do tempo de vida dos navios, o duplo casco dos navios (apesar de existirem dúvidas quanto ao perigo de corrosão e explosão por acumulação de gases de alguns modelos), o controlo eficaz da limpeza dos tanques, entre tantas outras. A Comissão Europeia, por um lado, envida esforços no sentido de dotar a Agência de Segurança Marítima de recursos e poderes para agir, enquanto que por outro, propõe uma Directiva para a liberalização do acesso aos serviços portuários, numa clara contradição com a sua posição nos debates sobre o Prestige. Como conseguir uma fiscalização apertada e rigorosa sobre os navios em portos geridos pela mão e lógica privada?

Numa altura em que os hidrocarbonetos afundados com o Prestige, sujeitos à rotação dos ventos e marés, ainda ameaçam o litoral português, a preocupação com acidentes e com a segurança marítima deveria ser acrescida, não só pela dimensão da nossa Zona Económica Exclusiva (a maior da União Europeia) como também pelo seu valor estratégico no contexto do tráfego marítimo mundial. A situação vivida pelo povo galego deverá servir como alerta para o risco que corremos ao permitir a passagem, por ano, de cerca de 1500 navios considerados de alto risco nas nossas águas, não havendo os meios adequados para a prevenção ou resolução de possíveis acidentes que as leis em vigor não conseguem evitar.