Aquando da última audição parlamentar na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (CACDLG), a senhora Ministra da Justiça anunciou que o Governo tinha em curso um processo de auscultação e discussão pública com vista à alteração do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEP), tendo inclusivamente distribuído aos Deputados da CACDLG uma cópia da Ante-Proposta de Lei em apreciação.
No entanto, no passado dia 31 de Maio foi aprovada na especialidade e no dia 1 de junho em votação final global uma proposta do Governo de alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do
território nacional, que conflitua com a Ante-Proposta de Lei de alteração ao CEP que continua em apreciação.
A alteração aprovada por PSD e CDS na CACDLG ao art. 151.º da Lei n.º 23/2007, tem o seguinte teor:
Artigo 151.º
[…]
1 - […].
2 - […].
3 - […].
4 - Sendo decretada a pena acessória de expulsão, o juiz de execução de penas ordena a sua execução logo que cumpridos:
a) Metade da pena nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão;
b) Dois terços da pena nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão.
5 - O juiz de execução de penas pode, sob proposta fundamentada do diretor do estabelecimento prisional, e sem oposição do condenado, decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão logo que cumprido um terço da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão e desde que esteja assegurado o cumprimento do remanescente da pena no país de destino.
Por seu lado, a Ante-Proposta de Lei de alteração ao CEP prevê o aditamento àquele Código de 3 artigos com o seguinte teor:
«Artigo 188.º-A
Execução da pena de expulsão
1 - Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz de execução de penas ordena a sua execução logo que cumpridos:
a) Metade da pena nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão;
b) Dois terços da pena nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão;
2 – O Juiz de execução de penas pode, sob proposta fundamentada do diretor do estabelecimento prisional, e obtida a concordância do condenado, decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, logo que cumpridos:
a) Um terço da pena nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão;
b) Metade da pena nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão;
3 – Para os efeitos do número anterior, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do condenado, o juiz solicita parecer fundamentado ao diretor do estabelecimento prisional.
Artigo 188.º-B
Audição do recluso
1 – Recebida a proposta ou parecer do diretor do estabelecimento prisional o juiz designa data para audição do condenado na qual devem estar presentes o defensor e o Ministério Público.
2 – O Juiz questiona o condenado sobre todos os aspectos relevantes para a decisão em causa, incluindo o consentimento para a execução antecipada da pena acessória de expulsão, após o que dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor, que podem requerer ao juiz que formule
as perguntas que entenderem ou oferecer as provas que julgarem convenientes, decidindo o juiz, por despacho irrecorrível, sobre a relevância das perguntas e admissão das provas.
3 – Não havendo provas a produzir, ou finda a sua produção, o Juiz dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor para se pronunciarem sobre a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, após o que profere decisão verbal.
4 – A audição do condenado, as provas produzidas oralmente e a decisão são documentadas mediante registo áudio visual ou áudio, ou através de auto quando aqueles meios técnicos não estiverem disponíveis.
Artigo 188.º-C
Notificação da decisão e recurso
1 – A decisão que determine ou recuse a execução da pena de expulsão é notificada ao condenado, ao defensor e ao Ministério Público.
2 – A decisão que determine a execução da pena acessória de expulsão, após transito em julgado, é comunicada aos serviços prisionais, aos serviços de identificação criminal, através de boletim de registo criminal, ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e demais serviços ou entidades que devam intervir na execução da medida.
3 – A requerimento do condenado ou do Ministério Público é sempre entregue cópia da gravação ou do auto no prazo máximo de 48 horas.
4 – O recurso interposto da decisão que decrete ou indefira a execução da pena acessória de expulsão é limitado à questão da concessão ou recusa da execução da pena acessória de expulsão.
5 – Têm legitimidade para recorrer o Ministério Público e o condenado.
6 – O recurso tem efeito suspensivo e reveste natureza urgente, nos termos do artigo 151.º.»
Como facilmente se comprova, a Ante-Proposta de Lei que o Governo tem ainda em apreciação e a norma legal já aprovada em votação final global no passado dia 1 de junho prevêm soluções substancial e procedimentalmente diversas para a mesma matéria.
Mesmo desconsiderando o facto de estas normas terem como única justificação a intenção de resolver enviesadamente o problema de sobrelotação das prisões e até desconsiderando os problemas de constitucionalidade que a este respeito se levantam, o facto é que estamos
perante uma situação grave que exige explicações do Governo.
Ou o Governo nunca teve verdadeira intenção de discutir seriamente alterações a propor ao CEP e quis encapotar essas alterações na revisão da Lei n.º 23/2007 num processo de clara desonestidade política ou, por incompetência, antecipou essas alterações sem se dar conta do que estava a fazer.
De uma forma ou de outra, a verdade é que estamos perante duas propostas distintas apresentadas pelo mesmo Governo, numa incoerência legislativa que pode vir a tornar-se ainda mais grave.
Além da discrepância entre o que dispõem o artigo 151.º da Lei n.º 23/2007 agora alterado e as normas constantes da alínea d), do n.º 4 do art. 138.º e do art. 182.º do CEP, a situação poderá tornar-se ainda mais grave se o Governo vier de facto a propor as alterações ao CEP previstas
na Ante-Proposta de Lei, situação em que teríamos um regime legal transitório a vigorar por intermédio da Lei n.º 23/2007 até alteração do CEP.
O PCP alertou em devido tempo para todos estes problemas, particularmente na discussão ocorrida na reunião da CACDLG no passado dia 30 de Maio. Alertámos ainda para os problemas que resultam da redação agora aprovada na alteração à Lei n.º 23/2007, nomeadamente para as dificuldades de interpretação e aplicação da lei quando, por exemplo, o preso esteja a cumprir não uma mas várias penas de prisão ou quando a pena de expulsão tenha sido aplicada apenas como acessória de uma delas.
Apesar destes alertas, o único resultado obtido pelo PCP foi o diferimento da votação desse artigo, tendo o mesmo sido votado e aprovado por PSD e CDS não na reunião de dia 30 mas no dia seguinte, na reunião extraordinária da CACDLG convocada para o efeito.
Assim, e ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, solicito através de V. Exa., ao Ministério da Justiça, os seguintes esclarecimentos:
1.Como justifica o Governo a apresentação de duas propostas distintas sobre a matéria referida?
2.Entende o Governo que a discussão e apreciação pública da Ante-Proposta de Lei de alteração ao CEP é compatível com as alterações agora introduzidas à Lei n.º 23/2007?
3.Em que medida pretende o Governo valorar os contributos dados pelas entidades a quem foram solicitados pareceres sobre a Ante-Proposta de Lei, considerando que sobre a mesma matéria já fez aprovar na Assembleia da República solução distinta daquela que sujeitou à apreciação?
4.Entende o Governo que é boa solução de política legislativa aprovar sucessivas alterações às normas que regulam a antecipação da execução da pena acessória de expulsão do território nacional, determinando alterações tácitas ao CEP e aprovando em lei extravagante um regime jurídico transitório?