Projecto de Resolução N.º 267/XI/2.ª

Incêndios Florestais de 2010

Incêndios Florestais de 2010

As Áreas Protegidas e os Incêndios Florestais de 2010

1.Os Incêndio Florestais do Verão atingiram profundamente algumas das principais Áreas Protegidas do País. Quando ainda não há um balanço rigoroso e definitivo, o total de áreas ardidas ultrapassará os 15 mil hectares (ha), um aumento de 60% face á média anual (12 meses) dos últimos cinco anos.

Foram gravemente atingidos o Parque Nacional da Peneda Gerês, o Parque Natural da Serra da Estrela, o Parque Natural do Alvão, e ainda os Parques de Montesinho e Douro Internacional, embora de forma menos significativa. No PNPG, arderam 9 193 ha, 13,2% da sua área total, onde se inclui o incêndio da Mata do Cabril (3 529 ha), uma das áreas de protecção total e jóia da coroa do Parque do ponto de vista do património florestal e ambiental. No PNSE arderam 5 021 ha, 5,6% da sua área, tendo sido atingida a Reserva Biogenética (720 ha). No PNA arderam 791ha, 11% da sua área.

Em todos estes incêndios arderam extensas áreas de pastagens, carvalhal e outras valiosas espécies florestais como teixos, e ainda áreas agricultadas e instalações e equipamentos agrícolas.

2.No quadro geral de uma política agroflorestal, que ainda não retirou todas as devidas ilações do sucedido no passado, e em particular em 2003, e 2005, fundamentalmente, pela manutenção de políticas agrícolas (e não só) responsáveis pela desertificação de extensas áreas do território e pela ausência de uma efectiva prevenção estrutural das nossas florestas, as ocorrências verificadas nas Áreas Protegidas assumem particular gravidade.

Compreendendo terras com diversa titularidade de propriedade (privada, comunitária e pública), estão sob tutela directa do Estado, sujeitas a condicionantes próprias, que impedem uma ocupação territorial de acordo com as normas gerais, estabelecendo limitações e restrições aos seus habitantes nas actividades económicas. São áreas sob tutela directa do Estado, pelo que deveriam ser exemplares em matéria de prevenção, vigilância e combate aos incêndios florestais. E não são!

A presença e a acção do Estado, nomeadamente através do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), deveriam revestir-se de importância ainda mais substantiva para a gestão correcta e racional das Áreas Protegidas. Não basta decretar que uma determinada riqueza natural constitui património a preservar, é importante tomar as medidas para que tal preservação seja real, efectiva e orientada para o progresso social e económico das populações que ali habitam e não para a estagnação e abandono, com a consequente degradação dos recursos. Infelizmente, a política de direita seguida pelos sucessivos Governos, PS ou PSD, com ou sem o CDS, têm vindo a caracterizar-se pelo gradual desmantelamento do ICNB e das suas capacidades operacionais, fiscalizadoras e interventivas. Essa política traduz-se no abandono crescente das áreas sob tutela do ICNB e do Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, a par do confronto e hostilização das populações que nelas residem. Na concretização das políticas de direita, o desinvestimento nos meios humanos, materiais e técnicos do ICNB e a concentração dos meios administrativos do Instituto, levada a cabo pelo anterior e actual Governo do PS, têm vindo a afastar o Estado de uma presença adequada nas Áreas Protegidas, cuja gestão é da sua directa e exclusiva responsabilidade.

3.Apesar das denúncias e alertas do PCP e de outras entidades, os problemas agudizaram-se substancialmente nos últimos anos sob a pressão das políticas orçamentais restritivas (PECs), nomeadamente:

(i) com a alteração da estrutura orgânica do ICNB para as AP, estabeleceu-se uma gestão das AP por região (Norte, Centro e Alto Alentejo, Litoral de Lisboa e Oeste, Sul e Zonas Húmidas), tendo deixado de haver um Director por Parque, isto é, um responsável por Parque com suficiente autonomia de gestão administrativa e técnica;

(ii) com uma significativa redução dos recursos humanos, acentuando os desequilíbrios na sua composição (cerca de 200 técnicos superiores para pouco mais de 100 vigilantes da natureza); “despediram-se” via SME (Mobilidade Especial) técnicos e outro pessoal com anos e anos de experiência, numa situação, em que extensas AP, estiveram meses sem vigilantes (Douro Internacional/85 000 ha) ou com um nº ridículo (Tejo Internacional/26 000 ha com um, Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina/75 000 ha, com dois…); já a floresta ardia e ainda o Governo falava do lançamento de concursos para a contratação de novos vigilantes…; a operacionalização das equipas (sapadores florestais e de fiscalização, vigilância e primeira intervenção) ficou aleatoriamente dependente de candidaturas aos apoios do Fundo Florestal Permanente (Protocolo ICNB, IFAP, AFN)!

(iii) com brutais restrições nos equipamentos necessários, particularmente viaturas, não potenciando sequer a utilização plena dos escassos recursos humanos existentes; a reduzida disponibilidade financeira articulada com a gestão centralista implementada, traduz-se em parques de viaturas paradas por falta de meios para as arranjar e na carência de consumíveis (combustível, filtros, etc) obrigando à paragem forçada dos que funcionam; o reequipamento, dada as reduzidas disponibilidades orçamentais do ICNB, ficou dependente das parcerias com a ANPC (Protocolo entre o ICNB e a ANPC), por sua vez dependente de candidaturas ao FFP e ao QREN! E como “casa roubada, trancas à porta”, a Ministra do Ambiente anuncia em 31 de Agosto que no OE para 2011 se vai privilegiar o ICNB, para que possa consolidar “os seus meios de combate a incêndios” sendo que os parques da Peneda-Gerês e da Serra da Estrela deverão ser abrangidos por esse reforço de meios (Correio do Minho 01SET10) e o Ministro da Administração Interna anuncia em 27 de Setembro, a celebração de “um contrato para a compra de oito viaturas de combate destinadas aos parques naturais e áreas protegidas” (Jornal de Notícias 28SET10). E os dois, nas mesmas datas, anunciam pela quinquagésima vez o avanço do Cadastro Florestal, projecto experimental para sete concelhos!

4.Mas a questão, estruturalmente mais grave, é o já referido confronto e hostilização das gentes que moram e vivem nos Parques. As costas voltadas, o divórcio entre as populações, as suas autarquias e associações, e a gestão/responsáveis dos Parques. Como se não bastassem todas as limitações que as suas actividades profissionais já enfrentam pelo facto de as realizarem numa AP, como se não chegassem as restrições, proibições e impedimentos, na construção ou na instalação de uma eólica ou minihídrica, impedindo as comunidades de obterem os rendimentos, a que as aldeias vizinhas fora do parque têm acesso, o Governo avançou com uma imposição de taxas (Portaria n.º 138-A/2010 de 4 de Março) que nenhum residente pode aceitar. Taxas, que a Ministra do Ambiente em visita ao PNPG em pleno Agosto reafirmou: “há taxas que foram estabelecidas para suportarem financeiramente os meios necessários para os parques” (Correio do Minho, 15 de Agosto)! Tentativas de limitação das áreas dedicadas, desde tempos imemoriais, ao pastoreio, com os projectos de alargamento de zonas de protecção total ou classificação do território como área selvagem (wilderness area)! Revisões dos Planos de Ordenamento, de que é caso paradigmático, a do PNPG, que não têm em conta a participação e opiniões das suas populações, autarquias e associações!

As más relações, em geral tensas e muitas vezes conflituosas entre as administrações das AP e os residentes no seu interior são bem conhecidas da Administração. No Estudo do Projecto de Revisão do Plano de Ordenamento do PNPG afirma-se explicitamente: “Uma boa parte dos residentes demonstra hostilidade à existência do Parque Nacional”. Mas esta decisiva questão, tem sido ignorada e subestimada pelo Governo com o argumento pífio de que tal acontece em todo o mundo! Determinando inevitavelmente desafeições, incompreensões e má vontade das populações contra a existência das AP, e não favorecendo atitudes e comportamentos favoráveis à preservação deste património. Esta situação, não incentiva as populações a intervir e defender o seu território contra o flagelo dos incêndios florestais.

Porque a preservação da integridade dos recursos naturais e dos valores ambientais é um factor determinante para o desenvolvimento e porque da sua correcta gestão deve resultar um serviço às suas populações, (primeiros destinatários e fruidores desse património) e uma maior resiliência ao fogo, o Grupo Parlamentar do PCP propõe dois objectivos centrais e um conjunto integrado de medidas para que o Governo assuma as suas responsabilidades nas Áreas Protegidas.

Assim, a Assembleia da República resolve, nos termos da Constituição da República e do Regimento da Assembleia da República, recomendar ao Governo:

I) A adopção de medidas tendo em conta dois objectivos centrais,
A) O restabelecimento da harmonia, diálogo e convergência de acções entre as comunidades residentes nas Áreas Protegidas e os órgãos locais e nacionais da Administração Central com tutela sobre essas áreas;

B) A dotação dos órgãos de gestão dos parques das Áreas Protegidas de autonomia administrativa e técnica e capacidade financeira suficiente estabelecida em Orçamento do Estado, para o cabal desempenho das suas missões;

II) O conjunto integrado das seguintes medidas:

1.A revisão radical e global das políticas para as Áreas Protegidas, nomeadamente das que suportam e enformam a elaboração dos Planos de Ordenamento e enquadram a sua gestão. Devem ser consideradas as seguintes orientações:
(i) O aproveitamento pleno de todas as potencialidades das Áreas Protegidas a favor dos seus residentes, que devem ser os primeiros e principais destinatários das políticas públicas para os Parques Naturais.

(ii) Condicionar qualquer novo agravamento das limitações ou restrições das actividades económicas, sociais ou outras, pondo em causa a exploração de potencialidades e recursos do território, com excepção das que sejam livre e claramente negociadas com as comunidades locais; caminhar no sentido da redução e simplificação dos actuais e exagerados pedidos de autorizações e licenciamentos nas actividades dos moradores;

(iii) Impedir o aumento dos custos directos ou indirectos decorrentes da residência e trabalho no território, como resulta da tese governamental de que as despesas do Estado com a administração, conservação e desenvolvimento do Parque, devem ser suportadas por receitas obtidas no próprio Parque. Ao estatuto de residentes, deve corresponder a completa isenção de taxas, com a consequente revogação da Portaria n.º 138-A/2010, de 4 de Março.

(iv) Respeitar a dominialidade das terras, pública, comunitária e privada, com a recusa de qualquer alteração da dominialidade dos espaços, terras, águas e bens imóveis dos territórios das Áreas Protegidas através de subterfúgios ou processos administrativos. Esses territórios têm espaços que são propriedade pública, a serem geridos pelo Estado, espaços comunitários – baldios – a serem geridos pelos compartes, conforme a Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, e espaços privados a serem geridos pelos seus proprietários. A natureza jurídica do território é assim multiforme e o facto de ao território corresponder uma área protegida não pode alterar as dominialidades consagradas na Constituição da República.

(v) Estabelecer compensações para impedimentos – proibições, limitações ou condicionamentos – no uso e exploração de recursos e potencialidades do território (na agricultura, energia, cinegética e outros. A eliminação de fontes de receitas e emprego às comunidades ou aos cidadãos, ou acrescentando custos às actividades económicas e sociais, deve ser ressarcida/compensada pelo Estado, inclusive com benefícios fiscais. Se um País quer ter áreas protegidas, tem que suportar solidariamente com dinheiros públicos, de todos os contribuintes, os seus custos. Não podem ser um encargo exclusivo dos que moram nesse território.

(vi) Devem ser clarificadas as fontes de financiamento para o investimento e funcionamento das Áreas Protegidas, com o Plano de Ordenamento suportado por investimentos da Administração Central. Deve, desde a sua entrada em vigor, ser conhecida a sua programação financeira, com uma orçamentação anual e plurianual (no mínimo, com o horizonte de 4 anos), e a indicação das fontes de financiamento, com a garantia de que as dotações necessárias – nacionais e comunitárias – são inscritas anualmente em sede de Orçamento do Estado.

(vii) Considerar a descriminação positiva das actividades económicas e sociais dos territórios no acesso aos fundos comunitários, atribuindo às candidaturas aos diversos programas de fundos comunitários e nacionais – QREN, PRODER e FFP – nomeadamente os projectos apresentados pelos municípios – quer na prioridade quer no valor percentual dos incentivos e ajudas.

2.Os Planos de Ordenamento das diversas Áreas Protegidas devem ser revistos no quadro das orientações atrás referidas. Os processos de revisão de Planos de Ordenamento não concluídos, como sucede com o do Parque Nacional da Peneda Gerês, deve ser suspenso, para que seja possível o aprofundamento da audição e participação das populações, autarquias, Conselhos Directivos dos Baldios e outras entidades envolvidas, na sua reelaboração.

3.A reversão da estrutura orgânica do ICNB para as Áreas Protegidas garantindo-se dois objectivos:

(i) A participação efectiva das comunidades que nelas residem através das respectivas autarquias e outras entidades, na direcção e gestão dos Parques;

(ii) A existência de um Director por Parque, dotado de autonomia financeira, técnica e administrativa adequada à concretização das políticas definidas para as Áreas Protegidas.

4.O estabelecimento pelo ICNB, em colaboração com a AFN e a ANPC de uma estratégia adequada e de significativo reforço dos dispositivos de prevenção estrutural, vigilância e combate aos incêndios próprios de cada Área Protegida, nomeadamente:

(i) Intensificando o ordenamento do território, criando faixas descontínuas de vegetação e intercalando zonas de folhosas, aumentando significativamente as áreas com acções de prevenção (faixas e mosaicos de gestão de combustível, gestão de povoamentos), a amplificação e manutenção em bom estado da rede viária e pontos de água;

(ii) Incremento da actividade agrícola e da pastorícia, para diminuição do coberto vegetal e favorecer a realização das queimadas em condições e períodos adequados, disponibilizando para isso os recursos humanos necessários sempre que solicitados; considerar a instalação de centrais de biomassa com localização e dimensão adequada às disponibilidades das Áreas Protegidas;
(iii) Reforço dos recursos humanos próprios ou de outras entidades (vigilantes da natureza, sapadores florestais, bombeiros, especialistas), valorizando também o seu trabalho fora dos períodos de incêndios, com melhorias nos sistemas de remuneração durante todo o ano e na formação, e privilegiando o seu recrutamento entre as populações residentes;

(iv) Dotação dos parques dos meios (veículos e equipamentos) necessários à boa utilização dos seus recursos humanos e para reforço da capacidade do dispositivo de combate; devem ter garantida uma eficaz cobertura com equipas de primeira intervenção, sendo que o PNPG pela sua dimensão e natureza de Parque Nacional, deve dispor no seu interior de helicóptero próprio, garantindo a mobilidade rápida de uma equipa de 1ª intervenção; deve ser feita avaliação sobre o comando e coordenação das forças dos dispositivos de combate nestas áreas de montanha no presente ano e tomadas as medidas convenientes;

(v) Acontecendo que muitos dos incêndios florestais verificados nas Áreas Protegidas aconteceram por propagação de fogos acontecidos nas zonas florestais limítrofes, deveriam considerar-se a criação, no seu perímetro, faixas de protecção, onde fossem reforçadas as acções de prevenção e vigilância;

(vi) O Ministério do Ambiente deve avançar no quadro da fase experimental anunciada, com a inclusão das Áreas Protegidas, na concretização do Cadastro Florestal;

5. A promoção de uma política agroflorestal adequada e incentivadora da actividades agrícolas, pecuárias e florestais no interior dos Parques, combatendo sua desertificação económica e humana, reforçando o apoio aos agricultores e pastores, aos CDB e associações florestais, pondo fim aos estrangulamentos financeiros, regulamentares e burocráticos que impedem a plena utilização dos meios do PRODER e do FFP. Três medidas urgentes são necessárias:

(i) A revisão da regulamentação das Iniciativas Territoriais Integradas (ITI)/PRODER, para que possam reforçar substancialmente o âmbito e o nível dos apoios aos agricultores nas Áreas Protegidas;

(ii) A revisão das medidas do PRODER para a floresta, permitindo, entre outras operações, a mobilização de meios para programas de reflorestação e repovoamento das áreas ardidas, com descriminação positiva para as espécies autóctones;

(iii) Que as medidas de emergência anunciadas pelo Governo cubram todas as áreas atingidas, assegurando a manutenção dos efectivos, repondo o potencial produtivo destruído (instalações, equipamentos, gado e culturas) e criando os instrumentos financeiros necessários para que os órgãos de direcção dos Parques e as autarquias possam repor e/ou reconstruir infraestruturas danificadas.

Assembleia da República, em 29 de Setembro de 2010

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