Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Impedir a entrega das casas aos bancos

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Medidas para garantir a manutenção da habitação
(projeto de lei nº 243/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A situação da manutenção da habitação de centenas de milhares de famílias portuguesas é, crescentemente, um dos maiores problemas que afetam a nossa sociedade.
Isto acontece, em primeiro lugar, por consequência direta de uma política que leva ao empobrecimento geral dos portugueses e em concreto dos trabalhadores. Uma política económica que fomenta o desemprego, que promove o despedimento e a precariedade, que reduz para metade o valor das horas extraordinárias, que altera os horários de trabalho, impondo mais trabalho por menos salário, que corta subsídios. Uma política que tem causado o aumento do custo de vida, seja pela via do aumento dos impostos sobre bens essenciais, do aumento dos transportes públicos ou da energia e dos combustíveis.
Por outro lado, a situação atual decorre também de uma política de crédito que os bancos, com o beneplácito de vários governos, praticaram, usando o crédito imobiliário como meio de lucro fácil e garantido durante 20 ou 30 anos, em claro prejuízo do apoio à atividade produtiva. E tantas vezes o fizeram com meios de publicidade agressiva e enganadora.
De facto, para milhares de famílias, em particular das novas gerações, e na ausência de uma verdadeira política de habitação, o acesso ao crédito passou a ser, praticamente, a única forma de ter casa própria. Estas famílias não tomaram decisões irresponsáveis, tomaram a única decisão que lhes era possível para ter casa.
Neste momento, devemos concentrar-nos numa questão principal: é preciso que as pessoas não percam as suas casas.
E numa altura em que se agrava brutalmente a situação económica e social, mais se impõe este objetivo fundamental. Entendemos que é preciso, perante a diversidade de situações contratuais e concretas, prever soluções diversificadas que conduzam a este resultado.
É por isso que propomos a possibilidade de o mutuário solicitar a apresentação pela instituição bancária, no prazo de um mês, de um plano de reestruturação de créditos que introduza condições mais vantajosas. Mas, na nossa iniciativa, também prevemos a possibilidade de aceder a um período de carência, até o máximo de 4 anos, que pode ser de uma carência total durante dois anos.
Propomos ainda a possibilidade de se requerer a redução dos juros remuneratórios, para uma taxa de Euribor mais 0,25%, pelo período máximo de 48 meses.
Propomos também que se possa requerer a possibilidade de perdão parcial da dívida nos casos em que o empréstimo esteja na sua fase final e em que, portanto, a remuneração do banco foi já significativa, permitindo a opção por uma de três modalidades de perdão parcial, sendo que isto significa que, na fase final do contrato, não podemos aceitar que, por uma questão de dificuldade, as pessoas percam a casa e tudo aquilo que pagaram durante uma grande parte do seu contrato.
Propomos ainda a proibição de penhoras, seja por falta de pagamento do IMI, cujos valores estão a ser fortemente aumentados, seja por incumprimento de outros créditos de valor claramente inferior e que não devem pôr em causa a casa de habitação.
Nos casos, em que mesmo assim, de nenhuma forma seja possível a manutenção da habitação, a sua entrega deve saldar a dívida por completo, dando-se a possibilidade, na nossa proposta, de o devedor poder tornar-se arrendatário na sequência desta solução.
Finalmente, propomos a proibição de práticas abusivas das instituições bancárias, como seja a imposição de juros por atraso da prestação desproporcionados (e que, aliás, dificultam muitas vezes a recuperação da situação de dívida e de atraso), o aumento do spread nas situações de viuvez, divórcio ou similares, ou a alteração de produtos financeiros impostos em conexão com o contrato principal de crédito à habitação.
Mas há uma questão fundamental neste debate: é que, na situação atual, não haverá verdadeira solução para muitas famílias se isso ficar dependente da autorização da banca. Se a banca quisesse de facto fazer isso não seria preciso estarmos, hoje, aqui a fazer este debate. É preciso que, em situações comprovadamente justas e dentro dos parâmetros que propomos, as soluções para manter a casa se imponham à banca, que nem por isso ficará prejudicada no final, uma vez que em cada empréstimo recebe duas a três vezes o valor do capital emprestado.
Mais do que as soluções concretas, que são importantes, esse é o grande problema das propostas da maioria, que deixam — em condições diferentes, reconheça-se — margem para os bancos não aceitarem as condições necessárias para diminuir a taxa de esforço às famílias.
Quanto às propostas do PS, elas não se centram na manutenção da casa mas, sobretudo, no saldar da dívida em caso de incumprimento, o que para nós deve claramente ser uma solução de fim de linha.
É indispensável garantir, por isso, que deste debate saem soluções concretas e efetivas. Não é aceitável, não será aceitável que, depois deste debate, depois do anúncio público de que se vão preparar alterações no sentido de garantir o apoio às famílias nesta situação, a solução final seja pouco ou nada diferente da situação atual.
Não basta que se aprovem recomendações ou manuais de boas práticas. É preciso que existam soluções que objetivamente estejam à disposição das famílias e não, como agora, dependentes da atualização da banca. Essa é a grande questão neste momento.
Esperemos que existam soluções rápidas no processo legislativo até ao final da sessão legislativa.
Faltará sempre, é evidente, uma política que resolva a questão de fundo. Uma política que combata o desemprego, aumente os salários, garanta os direitos laborais e diminua o custo dos bens essenciais. Continuaremos a lutar por essa nova política, independentemente das alterações que agora apresentamos sobre a questão do crédito à habitação.

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