Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Horários de funcionamento das unidades de comércio e distribuição

(projecto de lei n.º192/XI/1.ª: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa...)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Os acontecimentos no País e no sector do comércio, depois de, em Maio de 2008, termos aqui discutido projectos acerca de horários para o comércio, só tornaram mais premente a necessidade de uma nova regulação dos horários comerciais.
Abortou a iniciativa legislativa do PSD que transferia para os municípios a definição dos horários e, a 4 de Dezembro de 2008, o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 21/2009, de completa liberalização do licenciamento. Apesar da obrigação de um novo regime jurídico da utilização de espaços em centros comerciais, face ao Novo Regime de Arrendamento Urbano, que deveria estar pronto até Agosto de 2007, o Governo não o fez.
A crise que caiu sobre o nosso país fez-se sentir significativamente no pequeno comércio tradicional e, face à nova relação de forças na Assembleia da República e às declarações eleitorais dos diversos partidos políticos, nomeadamente do PSD e do CDS-PP, em defesa das micro, pequenas e médias empresas, ninguém compreenderá que não se encontre outra solução para o horário do comércio. É neste contexto que o Grupo Parlamentar do PCP reapresenta o seu projecto de lei.
A situação, hoje, em Portugal é de uma quase total liberalização. Só as grandes superfícies comerciais estavam obrigadas a encerrar durante as tardes de domingo e feriado. Um recente parecer da Procuradoria-Geral da República, homologado pelo Secretário de Estado do Comércio e Defesa do Consumidor, acabou por legalizar a abertura de mais 86 grandes superfícies comerciais. Restam agora 191 que estão proibidas de abrir aos domingos de tarde.
A necessidade de uma regulação diferente e equilibrada do horário de abertura das unidades de comércio é hoje inquestionável, não para fechar tudo, como os adversários da sua regulação acusam, mas para fazer do encerramento ao domingo a regra, com todas as excepções necessárias à vida da sociedade hoje.
Há um parecer do Conselho Económico e Social, completamente esquecido por sucessivos governos, mas que é um elemento importante para justificar a alteração da actual legislação. Concluiu esse estudo que «As grandes superfícies comerciais e o comércio em geral devem encerrar ao domingo».
Os argumentos dos defensores da total liberalização dos horários comerciais não são suficientes ou carecem de sustentação.
Na Europa, incluindo Espanha, a regra é a do encerramento obrigatório ao domingo e a excepção a liberalização. A argumentação do Governo, de que haveria uma tendência liberalizante, não tem ponta por onde se pegue.
Os interesses dos consumidores, também têm costas largas, mas são uma mistificação que Galbraight reduz a pó numa das suas últimas obras — Os mitos dos economistas —, onde se pode ler que «o império do consumidor é como que a cobertura dos todo-poderosos interesses das grandes empresas». Aliás, este argumento deveria, em coerência, levar a que todos os serviços públicos estivessem abertos…!
Depois, temos a chantagem do emprego/desemprego. É o grande argumento dos grandes grupos de distribuição. Aliás, é exemplar a demagógica declaração da Sonae, na apresentação das contas anuais a 17 de Março, onde se pode ler que o encerramento do Continente ao domingo representa, pelo menos, 2000 postos de trabalho.
Ora, seria necessário demonstrar que o encerramento ao domingo iria produzir desemprego e tal não é demonstrado. Mas que não seja esse o argumento! Estamos inteiramente disponíveis para se encontrar um prazo razoável de transição para um novo horário, que permita que o possível volume de trabalho excedentário — e digo possível, porque tenho a certeza de que não há —, decorrente do encerramento ao domingo, possa ser absorvido sem sobressaltos.
E, por fim, o argumento de que o encerramento do comércio aos domingos não resolve os problemas do comércio tradicional. Pois não! Mas ajudaria bastante.
Este é um problema que se acrescenta a outro em que os interessados são os mesmos e os prejudicados também: a liberalização em curso do licenciamento das unidades da grande distribuição.
A par do aumento exponencial de lojas e área comercial, só na última década mais de 4000 milhões de metros quadrados de área bruta comercial, verifica-se um poderoso movimento de concentração e um crescente desequilíbrio dos formatos: dois grupos preenchem hoje mais de 50% do mercado; com mais dois temos 80% do mercado retalhista.
A regulamentação do horário de abertura, sendo um elemento de regulação e equilíbrio na distribuição da procura comercial de bens de consumo entre a grande distribuição e o comércio tradicional, necessita, por isso, de ser complementada com uma profunda e urgente revisão do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro.
Por isso, apresentamos, hoje, um projecto de resolução, visando suspender o Decreto-Lei n.º 21/2009, pelo menos durante o período do PEC.
Gostaria de terminar com mais uma declaração política: se estas iniciativas hoje em debate forem inviabilizadas, pese embora a afirmada disponibilidade do PCP para acolher alterações, em sede de especialidade, os comerciantes e as associações de comerciantes saberão a quem pedir responsabilidades — ao PS, ao PSD e ao CDS-PP.
E não valerá a pena invocar posições individuais de alguns Deputados para lavar a face. Esse foi «filme» já projectado na anterior legislatura pelo Deputado Mendes Bota, com os resultados que se conhecem. A responsabilidade do desfecho das iniciativas é dos partidos, onde os cidadãos votam e é a quem o comércio deverá pedir contas!
Disse.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Ribeiro,
Estava convencido de que, depois de tudo o que já lhe ouvi sobre esta matéria, vinha com o problema da chantagem do desemprego, mas, pelos vistos, isso deixou de ser problema. Ainda bem, porque deixa de ser necessário qualquer período de transição. Isso deixou de ser problema! Ainda bem, porque era o «grande problema» que os senhores colocavam, ou seja, o problema do desemprego com o encerramento aos domingos. Foi isso que os senhores disseram às associações comerciais, mas que, agora, pelos vistos, deixou de ser problema… — muito bem!
Gostaria de dizer, Sr. Deputado José Ribeiro, que os senhores insistem numa enormíssima mistificação. O senhor falou dos cidadãos, dizendo que os cidadãos antes de serem consumidores são trabalhadores e são até pequenos empresários, e isto não é distinguível. O que os senhores fazem, nesse «império do consumidor», de que fala Galbraight, para cobrir os interesses do Amorim, do Jerónimo Martins, da Sonae e de outros é esquecer que uma grande parte deles, antes de serem consumidores, é formada por trabalhadores e pequenos empresários.
Em terceiro lugar, gostaria de dizer o seguinte: o senhor fala da não uniformização na Europa. De facto, não há uniformidade, mas a excepção é a liberalização, que é a situação no nosso país. Essa é a excepção presente em dois países… Calcule, Sr. Deputado!
É porque em todos os outros, na generalidade, é a regulação, concretamente naquele que mais directamente pode afectar, e afecta, o comércio português, que é Espanha. Não há qualquer razão para que nós não regulemos o comércio, pelo menos, ao nível daquilo que fazem os nossos vizinhos espanhóis.
(…)
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Carlos São Martinho,
Como dissemos, a resposta a este problema não é única, precisa de várias respostas, inclusive o combate à liberalização do licenciamento. Aliás, até lhe pergunto já se estão de acordo connosco quanto à suspensão do decreto-lei do licenciamento actualmente em vigor.
Mas, Sr. Deputado, os senhores afirmaram-se durante a campanha eleitoral como um partido «amigo» das pequenas e médias empresas — aliás, têm feito essa afirmação sucessivas vezes.
Ora, ¼ das pequenas empresas portuguesas, seguramente mais de 250 000, pertencem ao sector comercial; destas mais de 95% são microempresas de comércio com entre um e quatro trabalhadores. Os senhores já deixaram cair uma das vossas promessas eleitorais: o fim do Pagamento Especial por Conta — uma reivindicação, também deste sector. E, agora, refugiam-se por detrás de uma argumentação sem sentido, porque há, certamente, necessidade de outras políticas, para recusar algo que o senhor sabe que todas as associações — do Minho ao Algarve, do litoral ao interior, qualquer que seja o local geográfico onde se encontrem — defendem; ou seja, outra regulação do horário comercial, com o encerramento do comércio ao domingo.
Era a isso que os senhores deviam responder, cumprindo ou dando resposta afirmativa àquilo que andaram a prometer, durante as eleições de Setembro de 2009.

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