Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Honras de Panteão Nacional a Sophia de Mello Breyner Andresen

(projeto de resolução n.º 952/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Sophia de Mello Breyner Andresen alcançou com o verbo uma dimensão que vai além daquela que possamos expressar, ou mesmo escrever, como na justíssima exposição de motivos do projeto de resolução que todos os grupos parlamentares subscrevem e agora votam.
A poeta elevou as palavras à altura da mais essencial poesia. Num espaço próprio de teor vibrante, numa forma clássica, criou alguns dos mais belos versos da história da literatura portuguesa e ilustrou com o seu próprio sopro artístico o momento maior da história contemporânea do nosso povo, o 25 de Abril de 1974 como, aliás, já foi citado. Foi uma construtora de Abril, também pela sua intervenção enquanto católica, ao subscrever o protesto dos católicos que denunciava a cumplicidade entre as cúpulas da Igreja e a ditadura fascista, bem como no movimento associativo, na Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos.
Sophia de Mello Breyner Andresen tem uma expressão poética que ultrapassa a inteligência e a racionalidade e isso talvez seja a tradução da forma como até si lhe chegou a voz dessa arte irreprimível, e cito: «(…) Eu era tão nova (…) que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas; (…) pensava também que se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em si. No fundo, toda a minha vida tentei escrever esse poema imanente (…)».
Sophia conseguiu versos puros que transcendem o sujeito e o objeto. Além do generoso e fundo contributo que entregou a quem a leu, lê e lerá e do contributo criativo que deu a todos quantos, após Sophia, escrevendo contemplam os seus versos, Sophia encontra-se entre os poucos portugueses que preenchem a plenitude dos critérios que justificam as honras de Panteão: foi Deputada à Assembleia Constituinte; difundiu e expandiu a cultura portuguesa; distinguiu-se e foi distinguida na criação artística e literária e na defesa, tantas vezes parte da sua vida, do ser humano e da liberdade, antes e depois da Revolução.
A sua poesia, mais do que um valor humano, assume-se como um valor plenamente social, que integra o património cultural português e o honra, na senda dos seus maiores poetas. E se é injusto destacar um texto, destacamos apenas Pátria, a raiz, que é agora também portadora das imensas raízes que Sophia de Mello Breyner Andresen felizmente nos deixou.
A quem reconheceu a Pátria como física — pedra, rio, vento, casa —, mas também reconheceu a Pátria como humana, como outros não fazem — pranto, dia, canto, alento —, devemos retribuir com a honra reconhecida mas, essencialmente, com a libertação da sua arte e daqueles que hoje em Portugal, sendo homens e mulheres da poesia, veem vedado o caminho a terem o seu trabalho valorizado.
Também para que a obra de Sophia de Mello Breyner Andresen contribua para a valorização da arte e da cultura, no presente e no futuro, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português associa-se a esta homenagem do reconhecimento de honras de Panteão a Sophia de Mello Breyner Andresen.

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