Projecto de Resolução N.º 952/XII/3.ª

Honras de Panteão Nacional a Sophia de Mello Breyner Andresen

Honras de Panteão Nacional a Sophia de Mello Breyner Andresen

Grande poeta, cidadã exemplar, portuguesa ilustre, europeia consciente, Sophia de Mello Breyner Andresen foi uma das grandes figuras do nosso tempo. Na sua vida e na sua obra, há uma grandeza de ideais, de valores e de qualidades em que o país se reconhece e em que a democracia se revê.
Sophia mostrou como a mais alta poesia supõe e propõe a mais rigorosa ética e a mais exigente política. Por isso, muitos dos seus poemas denunciaram e combateram a tirania. Por isso também, e como disse Eugénio de Andrade, escreveu “os mais notáveis poemas da Revolução de Abril”. O poema “ 25 de Abril”, na sua concisão límpida, clara e lapidar, tornou-se uma inscrição do nosso regime democrático, tantas vezes citado na Assembleia da República.
Desde muito jovem, logo na primeira obra (“ Poesia”), Sophia anunciou-se como grande poeta.
Em cada livro seguinte, essa promessa foi-se confirmando, intensificando, magnificando. O longo caminho que vai do primeiro ao último poema é atravessado por um sopro cósmico, uma consciência do mundo, uma exactidão verbal, uma pureza de dicção, uma essencialidade vital, uma autenticidade pessoal, uma sabedoria visionária, uma inteireza moral.
Na sua poesia, o tempo mais antigo encontra o tempo mais novo (“ Na antiquíssima juventude do dia”), o esplendor do mundo não desconhece o sofrimento dos homens, o desejo de perfeição prolonga a vontade de verdade. Aí, estão os grandes temas e motivos que fizeram a nossa civilização e a nossa cultura: o caos e o cosmos, a natureza e a cultura, a liberdade e a justiça, os deuses e Deus, o amor e a morte, a viagem e a guerra, a terra e o mar, o apolíneo e o dionisíaco, a continuidade e a transformação, os mitos e as memórias, as figuras e os feitos.
Para Sophia, a poesia é revelação da dignidade do ser, louvor e aprofundamento da vida, edificação do humano. É relação com o universo, atenção ao mundo, fidelidade ao real, amor do concreto, comunhão com os homens, construção da cidade futura. Poesia política, no mais nobre sentido da palavra grega. Daí, a sua atualidade renovada, a sua força intacta, a sua beleza viva, a sua mensagem perene.
Sophia tornou a sua vida irmã da sua obra (“ Pela qualidade e grau de beleza da obra que construímos se saberá se sim ou não vivemos com verdade e dignidade”, escreveu ela).
Resistente à opressão e lutadora pela liberdade, pertenceu ao grupo dos católicos que tinham no Bispo do Porto D. António Ferreira Gomes, uma referência e que recusaram, como iníqua e inaceitável, a cumplicidade entre a ditadura e a religião. Nas organizações de escritores, lutou contra a censura e pela independência do pensamento e da criação literária e artística. Antes
do 25 de Abril, foi presidente do Centro Nacional de Cultura e da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores, duas instituições que se destacaram na resistência política e cultural à ditadura. Foi, ainda, e na mesma altura, fundadora e presidente da Associação de Socorro aos Presos Políticos. No 25 de Abril, naqueles dias em que “a poesia está na rua”, ela acreditou que ultrapassaríamos “a lei da negatividade e o desencontro do país consigo próprio”. Depois, foi deputada à Assembleia Constituinte, onde a sua voz se ergueu na defesa de uma revolução fiel à veemência da vida, à transparência da democracia e à exigência da
cultura. Participou em campanhas políticas e movimentos cívicos. Foi chanceler das Ordens Honoríficas Portuguesas – Ordens Nacionais. Para a autora do “Dia do Mar”, a intervenção política fez-se sempre por imperativos morais e poéticos. Até ao fim, a sua voz disse as palavras da sua vida: liberdade, justiça, beleza, poesia, dignidade, esperança.
Enaltecida e saudada como uma das grandes escritoras contemporâneas por, entre muitos outros, Teixeira de Pascoaes, João Cabral de Melo Neto, Jorge de Sena, Maria Helena Vieira da Silva, Arpad Szenes, Eduardo Lourenço, Júlio dos Reis Pereira, Agustina Bessa-Luís, Miguel Torga, Eugénio de Andrade, Mário Cesariny, Herberto Helder, David Mourão-Ferreira, José Escada, Manuel Alegre, José Saramago, António Ramos Rosa, Maria Velho da Costa, Óscar Lopes ou Manuel Gusmão; consagrada pelos poetas mais novos como uma referência; reconhecida e amada na comunidade de povos que falam a língua portuguesa; distinguida com
as mais altas condecorações e os mais importantes prémios nacionais e internacionais (Camões, Rainha Sophia, Vida Literária, Petrarca, D. Dinis, Rosalia de Castro, Max Jacob), a autora de “Navegações” engrandeceu a nossa cultura e prestigiou o nosso país. E os seus livros para crianças têm dado a sucessivas gerações o gosto da leitura, da natureza, da imaginação e da beleza ( “ A beleza é uma necessidade, um princípio de educação e de alegria”, afirmou ela).
Por isso, a sua obra continua viva, a sua memória perdura e transmite-se, o seu exemplo permanece.
Nos termos da Lei 28/2000, de 29 de Novembro, que as define e regula, “ as honras de Panteão destinam-se a homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao País, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignidade da pessoa humana e da causa da liberdade”.
Pela sua obra e pela sua vida, a autora dos “ Contos Exemplares” tornou-se um símbolo de grandeza poética, inteireza moral e dignidade cívica, que honra Portugal e orgulha os portugueses.
Atento o exposto, assinalando os dez anos da morte de Sophia de Mello Breyner Andresen e celebrando os quarenta anos do 25 de Abril, a Assembleia da República resolve, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição e do nº 1 do artigo 3º da Lei n.º 28/2000, de 29 de novembro:
1. Conceder honras de Panteão Nacional aos restos mortais de Sophia de Mello Breyner Andresen, homenageando a escritora universal, a mulher digna, a cidadã corajosa, a portuguesa insigne, e evocando o seu exemplo de fidelidade aos valores da liberdade e da justiça que nos devem inspirar como comunidade e projetar como País.
2. Constituir um grupo de trabalho, composto por representantes de cada grupo parlamentar com a incumbência de determinar a data, definir e orientar o programa da trasladação, em articulação com as demais entidades públicas envolvidas.
Assembleia da República, em 14 de Fevereiro de 2014

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