Intervenção de Francisco Melo, membro do Comité Central e director das Edições Avante!, Sessão Pública Evocativa do 40º aniversário da Revolução de Abril «Os valores de Abril no futuro de Portugal», Reedição da obra de Álvaro Cunhal «Contribuição para o estudo da Questão Agrária»

A história da publicação, elaboração e utilização no combate político-ideológico da obra Contribuição para o Estudo da Questão Agrária

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Venho dirigir-vos apenas algumas palavras sobre a história da publicação, elaboração e ulterior utilização no combate político-ideológico por Álvaro Cunhal da sua obra Contribuição para o Estudo da Questão Agrária.

Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1966, na União Soviética, em russo, pela Editorial Progresso, de Moscovo, com o título Ensaios sobre a Questão Agrária, mas indicando-se como título original Contribuição para o Estudo da Questão Agrária, seguindo-se a sua edição, em 1968, no Brasil, em língua portuguesa, pela Editora Civilização Brasileira, com o título A Questão Agrária em Portugal, com um Prefácio de Álvaro Cunhal datado de 1966. Uma edição fac-similada desta edição foi recentemente publicada pelas Edições A Bela e o Monstro, Lisboa, por acordo com a Editorial «Avante!», e distribuída juntamente com um jornal diário. Nesta edição foi reproduzido o despacho da PIDE em que se aconselha a proibição da sua circulação em Portugal, despacho da autoria de Estevão Martins, designado por «O leitor». Nele se pode ler que «A personalidade do autor, português renegado, a sua nefasta actuação política e os dizeres apresentados nas orelhas da capa são suficientes para impor a proibição deste livro», o que julga ser «um dever» fazer-se. Embora o pidesco «leitor» refira no seu despacho temas do conteúdo da obra, que considera serem «debatidos pelo autor de maneira revoltante por traduzirem um profundo rancor à actual situação política portuguesa», a sua leitura da obra não deve ter passado das mencionadas «orelhas da capa» pois, tendo recebido o livro para leitura no dia 2 de Maio de 1969, exarou o seu despacho logo no dia seguinte. São muitas páginas, mesmo para um treinado «leitor»!

Em 1976, as Edições «Avante!» publicaram, com o seu título original, uma outra edição da obra de Álvaro Cunhal, seguindo o texto da edição publicada no Brasil.

Em 2010, integrada no tomo III das Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal, as Edições «Avante!» publicaram nova edição, na qual se procedeu à correcção de numerosas gralhas tipográficas, de que o próprio autor nos tinha informado, em dados numéricos nas tabelas e no texto, assim como nas referências bibliográficas de obras de Marx, Engels e Lénine.

A presente edição, no quadro dos 40 anos da Reforma Agrária cujas comemorações serão desenvolvidas em 2015, reproduz o texto e as Notas finais constantes dessa edição.

No Prefácio que escreveu para a publicação da obra, datado de Fevereiro de 1966, Álvaro Cunhal explica «as circunstâncias particularmente adversas» da sua elaboração — a qual, como informa em Nota final, remonta a meados dos anos 50 quando se encontrava preso na Penitenciária de Lisboa —, circunstâncias que «limitaram os elementos de estudo e que obrigaram a fugir de considerar problemas, a calar ideias, a deformar a expressão delas, a riscar, a mutilar, a escrever menos do que pensávamos e pior do que sabíamos». E continua: «Foi forçoso dar relevo a factos e números e apagar considerações teóricas; substituir, por vezes, a precisão e incisão da análise e as considerações próprias por uma forma descritiva e a abundância de citações; não ligar de uma forma viva os problemas económicos com os problemas políticos da actualidade.» Mas uma outra limitação se fez sentir: a do texto ser escrito de modo a poder passar as malhas da censura fascista, pois Álvaro Cunhal tinha a intenção do seu trabalho «poder um dia ser publicado legalmente».

Ao preparar a edição do seu trabalho em 1966, diz-nos no referido Prefácio que, dadas as suas tarefas políticas de então, não lhe foi possível dispor do «tempo necessário para [o] refundir» nem «actualizar os elementos estatísticos» (os últimos dos quais remontam a 1954 e sendo «muito anteriores» os relativos «à maior parte dos assuntos», como refere na Nota final que então acrescentou ao seu estudo), tendo por isso decidido «manter toda a sua estrutura», introduzindo «alguns dados novos mais significativos numa nota final» e fazendo «apenas uma rápida revisão para dar maior clareza à linguagem e tornar explícitas citações de escritores clássicos».

O texto originário da sua obra, escrito como dissemos em meados dos anos 50, é mencionado num manuscrito de Álvaro Cunhal redigido quando se encontrava preso na Cadeia do Forte de Peniche para onde foi transferido em 27 de Julho de 1956 e intitulado «Inventário de objectos e escritos pertencentes a Álvaro Cunhal, em sua posse ou em depósito na Cadeia do Forte de Peniche (A serem entregues a sua família em caso de sua morte)».Com efeito, desse «Inventário» consta «um estudo sobre a agricultura portuguesa (possível tese de doutoramento), em 13 capítulos» constituído por «3 cadernos (600 páginas)», a que se juntavam «Folhas soltas (cerca de 25) com emendas ao estudo anteriormente indicado». Em relação a estas, acrescente-se que em 6-12-1955, Álvaro Cunhal tinha anotado num dos cadernos que possuía na prisão: «Entreguei para a censura “Emendas à “Agricultura Portuguesa”.»

Vinham, porém, de mais longe os seus estudos sobre a agricultura portuguesa.

Em carta à família enviada da Penitenciária de Lisboa, de 23 de Agosto de 1951, a propósito de uma visita da família à feira de Barcelos, Álvaro Cunhal escreve que «uma feira de Barcelos traz-me à ideia todo um conjunto de problemas em estudo» e passa a referir-se longamente, e apontando dados numéricos, às características e importância económica da criação e utilização do gado barrosão de Barcelos, à estrutura da propriedade agrícola e aos tipos de exploração dela decorrentes no mesmo concelho e no Minho em geral, entre outros aspectos.

Por sua vez, pela carta de 29 de Maio de 1951 ao Director da Cadeia Penitenciária de Lisboa, ficamos a saber que Álvaro Cunhal, a partir de Agosto de 1950, quando foi autorizado a «receber e conservar alguns livros de economia e finanças, tinha elaborado, «nas suas linhas gerais, alguns ensaios», citando entre outros: «Investigação de aspectos geográficos na evolução da agricultura portuguesa».

As limitações de tempo não nos permitem historiar aqui com algum desenvolvidamente as reflexões de Álvaro Cunhal sobre os assalariados rurais, os camponeses pobres, os rendeiros e os pequenos proprietários, sobre a evolução das estruturas agrárias sob o fascismo assim como sobre as formas de exploração dessas camadas e sobre o desenvolvimento do capitalismo na agricultura portuguesa. Reflexões que poderíamos rastrear no seu relatório «Unidade da Nação Portuguesa na Luta pelo Pão, pela Liberdade e pela Independência», apresentado ao III Congresso do PCP em 1943, no informe político ao IV Congresso, realizado em 1946, intitulado «O caminho para o derrubamento do fascismo», no informe sobre «Organização» apresentado ao mesmo Congresso, no seu relatório ao Comité Central intitulado «Unidade, Garantia da Vitória», de Junho de 1947, e num importante texto não datado, mas que tenho razões para pensar ter sido escrito pouco antes de Álvaro Cunhal ter iniciado a sua ida à URSS, via Jugoslávia, em finais de Novembro de 1947, que tem o modesto título de «Notas à margem do trabalho Vilar: O Latifúndio e a Reforma Agrária». Nessas «Notas», que um conhecido historiador com inconfessada ignorância e descarada imaginação data de 1954), o trabalho de Vilar (pseudónimo então de Júlio Fogaça) é considerado por Álvaro Cunhal como «o primeiro trabalho sério do nosso partido sobre a questão agrária em Portugal». Submete-o contudo a rigorosa crítica, na qual mostra possuir não só uma ampla informação factual colhida na bibliografia então disponível e na experiência acumulada pelo Partido sobre as questões agrárias, mas também uma sólida preparação teórica e metodológica adquirida no estudo das obras dos clássicos do marxismo-leninismo relativamente à problemática do desenvolvimento do capitalismo na agricultura. Revela-se já aqui o futuro autor da Contribuição para o Estudo da Questão Agrária, obra que utilizará na fundamentação das teses programáticas do Partido quanto à Reforma Agrária em Rumo à Vitória, de 1964, assim como no combate, no final dos anos 60, às concepções do radicalismo pequeno-burguês sobre a Reforma Agrária e às deturpações que faziam das análises e propostas do Partido nessa matéria.

Não queremos deixar de referir nesta breve intervenção que Álvaro Cunhal, nesta sua obra, com base numa exaustiva análise estatística, revela as leis do desenvolvimento capitalista na agricultura portuguesa, que confirmam a validade das teses marxistas-leninistas sobre a questão agrária, os graus de expansão já atingidos ao nível das forças produtivas e das relações de produção, e as tendências da sua progressão futura. O rigor analítico factual fundamenta a tomada de posição de classe face às contradições do desenvolvimento do capitalismo na agricultura, que promove simultaneamente progressos e retrocessos com a mesma consequência: a intensificação da exploração dos assalariados rurais e do campesinato por parte dos grandes agrários e capitalistas. Daí que, lembra Álvaro Cunhal na Nota final, o Partido inscreve-se «a Reforma Agrária entre os objectivos fundamentais da revolução democrática e nacional», e indicasse como medida central a expropriação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas na agricultura e a sua entrega aos assalariados rurais e aos camponeses pobres». A Reforma Agrária realizada no seguimento da Revolução de Abril confirmou o acerto das orientações programáticas do PCP. As consequências da sua destruição pela violência, iniciada pelo PS aliado à direita no Governo, fazem com permaneça válida, tendo em conta as condições do Portugal de hoje, a exigência da realização de uma Reforma Agrária que corresponda ao objectivo, formulado por Álvaro Cunhal na sua obra, de uma «agricultura progressiva e florescente — base indispensável de uma vida desafogada para todos os portugueses e de uma economia nacional próspera e independente».

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