Da mesma forma que as nacionalizações foram característica central do processo revolucionário, desde a sua realização por acção da Aliança Povo-MFA até à sua consagração na Constituição da República a 2 de Abril de 1976, também as privatizações foram um dos elementos centrais do processo contra-revolucionário, primeiro na reconstrução do capitalismo monopolista e do poder das grandes famílias, depois na desnacionalização da economia e de muitos dos seus sectores estratégicos, com as consequências que hoje estão à vista: a destruição do aparelho produtivo e o empobrecimento do perfil produtivo; a perda de receitas pelo Estado, a redução do rendimento nacional, o défice da balança de pagamentos com a crescente saída de recursos nacionais para o estrangeiro e o aumento da dívida externa; a degradação progressiva dos serviços públicos; a degradação das condições de vida dos trabalhadores com a crescente precarização das relações laborais; o crescente domínio do poder económico sobre o poder político degradando a democracia; e cada vez menos soberania económica.
Que o processo revolucionário tenha, em menos de dois anos, produzido os avanços que 48 anos de contra-revolução ainda não conseguiram reverter totalmente, é uma prova do carácter profundamente popular e democrático da Revolução Portuguesa.
Depois de 1976, o processo político português é marcado por duas dinâmicas antagónicas: por um lado as energias libertadas pela Revolução e pelas nacionalizações, a fazer avançar o País, e por outro lado, a acção contra-revolucionária, a querer reverter, inverter as conquistas da revolução.
O processo de privatizações avança pela mão de quem prometia ao povo português o chamado socialismo democrático ao mesmo tempo que abraçava a política de direita.
Foi assim na comunicação social, sector estratégico para a luta política, mas também com a banca, sector fundamental para alavancar as restantes privatizações num processo dissimulado e por fases.
Entregando muitas das empresas apenas parcialmente, mantendo no Estado a maioria do capital ou uma posição minoritária mas determinante, tipo «golden share», para depois alienar todo o capital.
Entregando as empresas a grupos nacionais que depois se encarregavam de as desnacionalizar e passar ao capital estrangeiro, e só mais tarde, passando o próprio Estado a desnacionalizar directamente.
Apontando à privatização dos sectores económicos não estratégicos, depois avançando mesmo para os estratégicos mas preservando no Estado os serviços públicos, e finalmente, como assistimos agora, avançando mesmo para a progressiva privatização dos serviços públicos e até de funções do Estado, como a saúde, a educação e a justiça.
O processo de privatizações conheceu e conhece diferentes tácticas:
- o sub-financiamento e a sabotagem das empresas públicas, processo que continua;
- a invenção de quadros reguladores do Sector Empresarial do Estado cada vez mais complexos, mais ineficazes e menos transparentes;
- a inserção de determinadas privatizações em pacotes de ingerência externa como os múltiplos processos liberalizadores da União Europeia ou os pacotes impostos pela troika;
- a degradação das condições de trabalho e remuneratórias do Sector Público, corroendo por dentro as empresas, limitando a sua capacidade de resposta, e procurando afastar os trabalhadores da defesa do seu carácter público e nacional;
- as recorrentes promessas aos trabalhadores e às populações das maravilhas das privatizações, dos preços que vão sempre descer, os serviços que vão sempre melhorar;
- a realização sistemática de campanhas negras sobre sectores nacionalizados, ao mesmo tempo que se acentuou a promoção dos valores ideológicos do neoliberalismo, criando verdadeiros mitos.
Mas a realidade, sempre que se consegue afastar a cortina de fumo montada pela ideologia dominante, encarrega-se de desmentir todos os mitos.
Cada privatização do passado é uma escola para as gerações actuais.
Olhemos para a banca, cujo carácter público colocou Portugal na vanguarda dos serviços bancários à escala mundial, e hoje, depois de receber mais de 20 mil milhões de euros de apoios públicos, está controlada, com a excepção da CGD, pelo capital estrangeiro, e suga a economia nacional em vez do papel que deveria ter de estímulo ao investimento e ao crescimento.
Olhemos para a energia, onde as privatizações foram conduzidas à boleia de processos de liberalização e com que resultado?
Lucros gigantescos que essas empresas acumulam e transferem para fora do País e o preço cada vez mais elevado que suportamos no acesso à energia.
Olhemos para as telecomunicações.
Onde a privatização da PT e a liberalização colocaram o sector nas mãos das multinacionais, com o povo português a pagar preços exorbitantes pelo acesso a um serviço fundamental que devia ser público, e que podia e devia ser prestado numa base universal e a caminho da gratuitidade.
Ou para os correios, cuja privatização dos CTT levou à degradação do serviço público postal, à alienação do imenso património da empresa, ao abandono das populações.
Olhemos para a Sorefame, cuja privatização prometia colocar Portugal a produzir comboios para o mundo inteiro, e que acabou com o encerramento da produção nacional e contribui para que o País esteja há mais de 20 anos sem comprar um comboio.
Olhemos para a Saúde, onde o privado tem crescido sugando os recursos do SNS.
Quando olhamos para a crise que o SNS hoje enfrenta, é importante recordar que foi exactamente para prevenir esta crise que o PCP exigiu as alterações ao Orçamento do Estado de 2022 que o PS recusou e acabaram por ditar a sua não aprovação.
Olhemos para a ANA, onde a privatização vai custar ao País 20 mil milhões de euros em contas feitas pelo próprio Tribunal de Contas, que por a tal se ter atrevido tem sido tão profusamente atacado.
Para a ANA, que enquanto empresa pública suportou toda a modernização da rede aeroportuária nacional e agora transfere centenas de milhões de euros por ano para os accionistas da Vinci e atrasa todo o investimento em Portugal.
Olhemos para a TAP, três vezes salva de processos de privatização que a iam destruir e já mergulhada noutro processo similar.
Uma privatização já anunciada pelo actual Governo e que, a concretizar-se, liquidaria a maior empresa nacional na exportação de serviços e agravaria a dependência externa do País.
E em todos estes processos, vemos a mentira, a falta de transparência, a corrupção massiva, marcas do processo de privatizações.
Alguns dirão que só vemos o lado negro das privatizações e é assim porque olhamos a partir dos interesses dos trabalhadores e do povo português.
Claro que há um lado brilhante das privatizações.
Elas foram óptimas para as grandes famílias e para as multinacionais.
À sombra das privatizações enriqueceram um conjunto de intermediários pelo papel que tiveram no processo ou pela colocação que alcançaram no modelo liberalizado, como consultores ou reguladores ou gestores da acumulação privada de capital.
À sombra das privatizações muitos dos principais protagonistas do PSD, do CDS, do PS, mas também do Chega e da IL, encontraram guarida em conselhos de administração e lugares cimeiros de muitas destas empresas.
Este processo leva 48 anos.
Mas não está concluído. E essa é uma tarefa a que o actual Governo do PSD e CDS se propõe.
Por enquanto, apenas anunciou a quinta tentativa de privatização da TAP e o desenvolvimento de um plano de reestruturação do Sector Empresarial do Estado que inscreveu na proposta de Orçamento do Estado para 2025.
Mas não tenhamos ilusões sobre o que será essa reestruturação.
O plano é vasto, e não tem como objectivo resolver qualquer problema nacional, tem como objectivo transferir o máximo da propriedade social para o grande capital, para aqueles que vivem das rendas geradas pela aplicação do capital previamente acumulado.
Um plano cuja concretização passará pelas mais diversas tácticas e velocidades.
A retirada da publicidade à RTP é uma forma de privatização do sector, para já privatizando as receitas que podem sustentar o sector.
O caminho de privatização da CP está igualmente ensejado quando se fala no programa do Governo em liberalizar o longo curso ou quando se admite a possibilidade de partir a CP em troços e dispersá-los pelas regiões.
O sector da água também é um alvo, apesar do retumbante fracasso que foram as privatizações até hoje concretizadas.
O alargamento para 75 anos das concessões portuárias, inscrito na proposta de Orçamento do Estado, é outra forma de privatizar.
Aliás, aprovado o Orçamento do Estado com o PS, o Governo vai mostrar ao que vem.
Depois do período da troika e do pacto de agressão que empobreceu e arrasou o País, as privatizações aí estão de novo, suportadas na acção do Governo e no apoio que lhe é dado para esse fim e que vai do PS ao Chega.
O PCP não dará tréguas ao crime económico que elas representam.
Uma das primeiras iniciativas que apresentámos nesta legislatura foi precisamente a da constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito à privatização da ANA.
Levaremos à votação já neste Orçamento do Estado propostas para travar a privatização e desenvolver a TAP.
Para defender a CP e garantir a sua operação em todo o território nacional.
Para repor as receitas que o Governo quer retirar à RTP e assegurar o serviço público de Televisão e Rádio.
Para resgatar concessões rodoviárias entregues a parcerias público-privadas que são um assalto ao povo português.
Para defender e valorizar o SNS e reduzir a transferência dos seus recursos para os grupos privados do negócio da doença.
Um combate que se prolongará para lá da discussão do Orçamento do Estado e que, tal como noutros momentos, vai requerer a mobilização dos trabalhadores destas empresas e sectores, e de todo o povo português, para impedir que Portugal continue a ser vendido aos bocados.
Continuar a resistir a este processo de privatizações é do interesse e uma exigência dos trabalhadores, do povo e do País, do seu desenvolvimento e da sua soberania.
Por estes dias, a direita mais reaccionária – com a conivência daqueles que sempre com ela andaram de braço dado – vai querer comemorar o golpe militar do 25 de Novembro.
Não serão as comemorações do povo, porque essas são e só as de Abril.
E é com o povo que o PCP está, o povo que este ano em Abril encheu a Avenida da Liberdade e tantas praças e avenidas deste País a comemorar os 50 anos da Revolução Portuguesa.
Esse povo que aliado ao Movimento das Forças Armadas teve a força de socializar, de nacionalizar o essencial dos sectores estratégicos da economia portuguesa, de rasgar para si próprio horizontes de esperança que as classes dominantes há séculos juravam ser impossível.
Não desvalorizando a necessidade de combater a reescrita e falsificação da História, o essencial não é nesta ocasião de demonstrar o que o 25 de Novembro foi ao contrário do que dizem ter sido (um golpe contra-revolucionário e não um contra-golpe); o que o 25 de Novembro não foi mas que alguns (não todos, faça-se justiça) ambicionavam que tivesse sido - um golpe que travasse a dinâmica revolucionária e o processo de transformações e conquistas que a Constituição da República Portuguesa veio a consagrar, reprimisse e ilegalizasse o PCP, liquidasse o regime democrático -, neste momento o que importa é destapar e expor a operação que está por detrás das chamadas comemorações do 25 de Novembro que a direita mais reaccionária há muito enseja e que decidiu tentar impor.
Uma operação que é uma provocação, no ano em se comemora o quinquagésimo aniversário da Revolução de Abril.
Uma operação movida por um recalcado e antidemocrático inconformismo com a Revolução de 25 de Abril, que procura desvalorizar e afrontar os seus valores e conquistas.
Uma operação que se explica pela crescente presença e promoção de concepções reaccionárias na sociedade portuguesa, por uma cada vez mais clara afirmação de forças e partidos movidos por um ideário retrógrado, antidemocrático e fascizante, e pelo propósito dos seus promotores de levar mais longe a sua sanha destruidora contra a realidade de Abril, ainda presente no País.
O que está por detrás da iniciativa dos que suportam o Governo da PSD/CDS, com o apoio dos seus sucedâneos da IL e do Chega e a cumplicidade e anuência de outras forças políticas, é relançar a ofensiva contra-revolucionária contra Abril e legitimar as suas próprias opções e política destruidora.
O que querem é esconder que os actuais e graves problemas e dificuldades do País, são o resultado das suas opções políticas de anos e anos contra Abril, as suas conquistas e valores.
As forças da revanche querem rescrever a História, e apresentar o 25 de Novembro, não pelo que foi, mas pelo que desejariam que tivesse sido de regresso ao passado de meio século de ditadura fascista.
O que querem é tentar equivaler um golpe contra-revolucionário, apesar de sustido no que de mais sombrio continha no propósito de alguns, com a Revolução libertadora do 25 de Abril.
A Revolução que devolveu a democracia, a liberdade e a paz ao povo português e que abriu caminho a um futuro de progresso, desenvolvimento e emancipação social que décadas de política de direita tem procurado cercear.
Procuram assinalar, com um indisfarçável saudosismo, um revés reaccionário não consumado nos objectivos que ambicionavam, e querem, os promotores desta iniciativa, reintroduzir os factores de divisão na sociedade portuguesa que marcaram o 25 de Novembro em detrimento daquilo que une o povo português sobre o que representa Abril, as suas conquistas e valores incluindo como projecto e perspectiva para o futuro de Portugal.
O PCP rejeita a operação em curso e os seus objectivos antidemocráticos de desvalorização e apagamento do 25 de Abril, de promoção de concepções e projectos reaccionários.
Uma ampla operação em que se insere a sessão prevista na Assembleia da República invocando o 25 de Novembro, na qual os deputados comunistas, marcando a sua inequívoca oposição e protesto, não estarão presentes.
É Abril e os seus valores que os democratas e os patriotas, os trabalhadores e o povo em geral devem afirmar e exigir que se cumpra na sua dimensão de transformação, igualdade e justiça.
É Abril com o acervo imenso de conquistas e direitos alcançados – políticos, sociais económicos e culturais - que vive e está presente enquanto referência de futuro como a imensa comemoração dos 50 anos da Revolução de Abril comprovou.
É Abril que deve ser comemorado enquanto o momento mais marcante da nossa história e não o que contra ele se arquitectou de conspirações, golpes e práticas que o negam e pretendem desvalorizar.
É essa luta para afirmar os valores de Abril que vamos prosseguir.
Dando combate à política que nega direitos, agrava a exploração, amputa a soberania e nega um futuro de desenvolvimento e progresso social.
Dando combate às privatizações e ao domínio dos grupos monopolistas sobre a economia e a vida nacional.
É a esse combate pela ruptura com a política de direita e pela concretização de uma política patriótica e de esquerda que o PCP dá corpo, com a sua acção e iniciativa, pela dinamização da luta, com a apresentação de propostas e soluções como no momento presente o faz no debate do Orçamento do Estado, com o estímulo à convergência e acção comum de todos os outros democratas e patriotas que não desistem nem abdicam de um Portugal com futuro.