A Proposta de Código do Trabalho entregue pelo Governo na Assembleia da República confirma a gravidade da ofensiva em curso contra os direitos dos trabalhadores portugueses. Mantêm-se as principais alterações ao edifício jurídico-laboral constantes do ante-projecto antes divulgado e que têm merecido do PCP uma justa denúncia e oposição.Trata-se de uma proposta que visa fragilizar ainda mais a parte mais fraca das relações laborais – o trabalhador – diminuindo drasticamente os seus direitos e garantias. É uma proposta que: - Aniquila os direitos conquistados na contratação colectiva; - Aumenta a flexibilidade nos horários e nas funções do trabalhador; - Alarga a precariedade, designadamente em relação aos jovens trabalhadores; - Condiciona o direito à greve; - Facilita os despedimentos; - Ataca as retribuições dos trabalhadores permitindo a diminuição do salário, em resultado, designadamente, da alteração do conceito de retribuição e do horário de trabalho nocturno.É uma proposta que, contém, ao contrário do que tem sido divulgado, várias disposições aplicáveis a todos os trabalhadores da administração pública, para além de se aplicar globalmente aos milhares de trabalhadores de pessoas colectivas públicas sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho.A discussão da proposta de Código de Trabalho tem sido acompanhada por parte do Governo por uma intensa campanha de demagogia e falsificação, tentando esconder as reais consequências do que propõe. O Governo chegou ao ponto de apresentar como melhorias as alterações admitidas na concertação social, omitindo que tais alterações diminuem de facto os direitos previstos na actual lei. Pode o Governo dizer que afinal o trabalho nocturno já não começa apenas às 23 horas mas às 22h; mas o que a lei actual prevê é que se inicie às 20 horas. Pode o Governo afirmar que os contratos a prazo passarão afinal a ter um limite de 6 anos; mas na realidade a lei actual prevê um período máximo de três anos.Por outro lado o Grupo Parlamentar do PCP não pode deixar de manifestar o seu desacordo com a insólita tramitação que teve esta proposta de lei: - A iniciativa foi admitida de imediato pelo Presidente da Assembleia da República e anunciada no Plenário de forma isolada e, contra o que é costume, no final de uma sessão (aliás após a votação final global do Orçamento de Estado e das Grandes Opções do Plano para 2003)- No despacho proferido pelo Senhor Presidente da Assembleia da República a iniciativa do Governo é enviada imediatamente para a consulta pública, não tendo sido, como é regimental, a Comissão de Trabalho e Assuntos Sociais a deliberar fazê-lo. De facto o Regimento atribui à comissão essa competência no seu artigo 145º.- O pedido do governo de que a publicação se faça com carácter de urgência não tem fundamentação nem cumpriu o regimentalmente previsto para a consideração do processo de urgência. De facto a tramitação própria de tais situações, dos artigos 285º e seguintes do Regimento não foi cumprida.- O facto de a separata do Diário da Assembleia da República ter sido distribuída ontem, com data de 15 de Novembro, precisamente o dia do anúncio da proposta de lei em Plenário, para além de objectivamente encurtar o período disponível para a discussão pública, só pode significar que o governo tinha previamente diligenciado a sua publicação imediata, mesmo antes de a entregar.- Curiosamente, a carta em que o Senhor Ministro dos Assuntos Parlamentares remete a proposta de lei ao Senhor Presidente da Assembleia da República tem a data de 14 de Novembro, mas a data de envio para a DAPLEN – Divisão de Apoio ao Plenário – estrutura interna do parlamento, é do dia anterior, 13 de Novembro.Estes factos exigem uma explicação cabal e a garantia de que a Assembleia da República não está remetida ao papel de tabelião das decisões e dos calendários do Governo. Nesse sentido vamos escrever hoje mesmo ao Senhor Presidente da Assembleia da República pedindo todos os esclarecimentos sobre esta matéria.Finalmente, analisadas as matérias em causa na proposta de Código de Trabalho apresentada pelo Governo verifica-se a existência de claras inconstitucionalidades de algumas das suas disposições, de que desde já destacamos:- Artigo 14º (Direitos de personalidade – Liberdade de expressão e de opinião) – Restringe, contra o disposto na Constituição, o exercício da liberdade de expressão e de opinião dos trabalhadores, subordinando-o à definição discricionária pela entidade patronal do conceito de “normal funcionamento da empresa”.- Artigos 15º (Reserva da intimidade da vida privada), 16º (Protecção de dados pessoais) e 18º (Testes e exames médicos) – Permitem a devassa da vida privada do trabalhador e o tratamento dos seus dados pessoais em violação do disposto nos artigos 26º e 35º da Constituição.- Artigos 306º (Mobilidade geográfica) e 307º (Transferência temporária) – Ao prever a possibilidade, por estipulação contratual, de o trabalhador ser transferido para outro local de trabalho, não estando garantido que tal não implique um prejuízo sério para a conciliação da actividade profissional com a vida familiar, prevista no artigo 59º n.º1 alínea b) da Constituição.- Artigo 427º (Reintegração) – Permite que o empregador se oponha à reintegração do trabalhador, mesmo após sentença do tribunal, sendo que esta matéria foi já declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 107/88 do Tribunal Constitucional.- O artigo 592º (Greve – Contratação colectiva) – Admite limitações à greve em sede de contratação colectiva violando um direito constitucionalmente reconhecido a cada trabalhador pelo artigo 57º da CRP. Os trabalhadores são livres na determinação dos motivos da greve, não podendo haver restrições nem prévias negociações quanto ao exercício desse direito constitucional, quer no âmbito da relação de trabalho quer no âmbito da contratação colectiva. O texto constitucional exprime o princípio da garantia do direito à greve, enquanto direito irrenunciável de cada trabalhador a quem compete decidir quando e em que circunstâncias o exerce. Anunciamos assim que o Grupo Parlamentar do PCP irá recorrer amanhã da decisão de admissão pelo Presidente da Assembleia da República, da proposta de lei 29/XI que “Aprova o Código do Trabalho” com fundamento em inconstitucionalidade de algumas das suas normas.Anunciamos ainda que o Grupo Parlamentar do PCP irá promover, na sequência da audição já realizada e que contou com a presença de largas dezenas de dirigentes sindicais e membros de comissões de trabalhadores, um colóquio com a participação de especialistas de Direito do Trabalho e representantes das estruturas dos trabalhadores.