Intervenção de

«Os Grandes Portugueses» - Intervenção de Bernardino Soares na AR

O concurso promovido pela RTP «Os Grandes Portugueses», em que saiu vencedor António Oliveira Salazar

 

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Fernando Rosas,

Quero saudar a sua declaração política e a forma como abordou esta importante questão, não, sem dúvida, com o objectivo não de «alimentar» uma certa linha de valorização de um concurso cujo resultado não tem qualquer tradução na sociedade portuguesa - estamos convencidos! - mas chamando a atenção para um aspecto muito importante, que é o do papel que o serviço público de televisão tem de ter no nosso país. E é evidente que não está entre os deveres do serviço público de televisão, nem entre as suas prerrogativas, ter qualquer postura de neutralidade em relação ao fascismo e ao ditador Salazar; está entre as suas prerrogativas ser um serviço público ao serviço da democracia. E a postura neutral com que foi assumida esta questão choca com os valores da democracia e com aqueles que devem ser os valores do serviço público de televisão. Não há neutralidade perante o fascismo e qualquer dúvida sobre se Salazar foi um ditador está contra os valores democráticos instituídos pela Revolução de Abril e que todos, nesta Câmara, certamente, defendemos!

Mas quero chamar a atenção ainda para uma outra questão: é que o problema não é apenas o concurso - antes fosse! O problema é o de que a propósito do concurso, à boleia do concurso, aproveitando o concurso, se desenvolveu uma ampla campanha de branqueamento do fascismo, chegando a apresentar o ditador como uma espécie de «estrela pop» dos dias de hoje, que apareceria revigorado, em face da decrepitude e do desalento com que as pessoas olham para a situação política, económica e social. E este é um ponto que deve merecer a nossa atenção, não só o do concurso propriamente dito e da perspectiva errada da análise histórica que está ali em causa - como muito bem, e certamente melhor do que eu, salientou o Sr. Deputado Fernando Rosas - mas também o do terreno que ele proporcionou para aqueles que animam o revivalismo neofascista e que pretendem branquear aquilo que foi uma ditadura hedionda que não só perseguiu os que a ela resistiram e oprimiu todo o povo como contribuiu para um atraso do País que, ainda hoje, em muitos aspectos, estamos a pagar.

É, portanto, sobre essa questão de fundo que teremos de continuar a intervir, não baixando os braços, não deixando passar qualquer tipo de revivalismo fascista ou neofascista que esteja em campo, como temos visto, muitas vezes, nos últimos dias e nas últimas semanas.

 

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