Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa NacionalTexto apresentado na Assembleia da Re

Nota Justificativa

O Conceito Estratégico de Defesa Nacional em vigor carece de urgente reformulação.

Para o PCP, o CEDN em vigor não projecta, como deveria, as garantias de uma estratégia assente no primado da defesa dos interesses nacionais. Não podem ser as dinâmicas e os interesses externos a determinar a condução e a definição dos objectivos nacionais. No entanto, esta tem sido ao longo dos últimos anos a prática escolhida pelos sucessivos Governos, com os resultados que a situação nacional nos planos económico, social, político e militar demonstram.

Com vista a reconduzir o processo à sua matriz racional e ao enquadramento que lhe decorre da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, o PCP entende que é essencial proceder à reformulação do CEDN. É deste que decorre a definição do Conceito Estratégico Militar, do qual, por sua vez, dependem a definição da missão genérica e das missões específicas das Forças Armadas, bem como a definição dos sistemas de forças e dispositivo. É também em função disto que se devem traçar as perspectivas e as prioridades em matéria de reequipamento, através da Lei de Programação Militar.

Assim, é no quadro configurado pelo artigo 8º da Lei de Defesa Nacional, designadamente o seu n.º 4, que o PCP apresenta na Assembleia da República o presente texto, de "grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional" e, dando assim o seu contributo para o necessário e inadiável debate sobre um problema da maior importância para o interesse nacional.

Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional

I
A Constituição da República como fonte central da estratégia do Estado

Sendo a CRP a lei matriz do ordenamento jurídico do Estado, é nela que se devem recolher os princípios e os interesses gerais que permitem enquadrar a defesa nacional. No Artº 9º da CRP são definidas as tarefas fundamentais do Estado, ou seja, os seus interesses gerais permanentes:

a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam;
b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;
c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais;
d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;
e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;
f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa;
g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;
h) Promover a igualdade entre homens e mulheres.

Na CRP encontram-se também definidos os princípios orientadores das relações internacionais. Assim o artº 7º estabelece que:

1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e progresso da humanidade.

2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como à insurreição contra todas as formas de opressão.

4. Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com todos os países de língua portuguesa.

5. Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.

6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelo princípio da subsiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia.

7. Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceitar a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, nas condições de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma.

Os objectivos permanentes de defesa nacional inserem-se nas tarefas fundamentais ou interesses gerais do Estado, como estão definidas no Artº 9º citado, mas conhecem especificação constitucional no Artº 273º, nº 2, quando este define que "a defesa nacional tem por objectivos garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaças externas".

Estabelece-se a obrigação do Estado assegurar a defesa nacional (Artº 273º, 1) e que a defesa militar incumbe às Forças Armadas (Artº 275º).

A Constituição inculca um conceito global de defesa nacional, integrando vários factores: físico-geográfico, político-diplomático, económico-financeiro, social, cultural, psicológico e militar, afastando assim concepções restritivas de redução da defesa nacional ao factor militar, ou de atribuição de prioridade a este, seja pelo fortalecimento desmedido de forças militares próprias, seja pelo seguidismo ou empenhamento desproporcionado na doutrina e nas acções das alianças militares ou da PESC, subalternizando ou condicionando fortemente as estratégias estabelecidas para outros factores (por vezes mais decisivos) e podendo pôr em causa a própria independência nacional.

A política de defesa nacional - ou seja, "o conjunto coerente de princípios, objectivos, orientações e medidas adoptadas para assegurar a defesa nacional" (Artº 4º, 1 da LDNFA) - é definida e posta em prática pelos orgãos de soberania competentes e deve estar de acordo e consubstanciar a dedução dos interesses gerais, objectivos gerais e objectivos permanentes da defesa nacional, atrás enunciados, sem o que as directrizes constitucionais serão prejudicadas.

Finalmente a política de defesa nacional caracteriza-se por ser (Artº 5º e 6º da LDNFA):

a) Nacional (Artº 5º);
b) Permanente (Artº 6º, 1);
c) Global, isto é, abrangendo uma componente militar e componente não militar (Artº 6º, 2):
d) De âmbito interministerial (Artº 6º, 3);
e) Objecto de informação pública, constante e actualizada (Artº 6º, 4).

Os normativos citados deixam clara a distinção constitucionalmente estabelecida entre a política de defesa (que se refere à agressão ou ameaças externas) e a política de segurança interna, bem como entre as missões das Forças Armadas (a quem incumbe a defesa militar da República) e as das Forças de Segurança.

II
Situação nacional: visão global das potencialidades e vulnerabilidades

Composto de uma parte continental e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, com uma área territorial pequena entre os países europeus principais, o nosso País dispõe de uma extensa ZEE, tem solos de estruturas variadas e subsolo rico em alguns minérios estratégicos. Margina com um só país, caso único na parte continental europeia.

Do ponto de vista militar clássico, o território português caracteriza-se por algumas vulnerabilidades: é estreito, descontínuo e não dispõe de redutos naturais. Não permite, assim, condições naturais de resistência senão escassos dias a uma invasão armada poderosa. Os principais centros urbanos estão muito acessíveis.

Dispondo de algumas potencialidades económicas (minérios, florestas, pescado, algumas indústrias transformadoras, certos produtos agrícolas e pecuários, serviços), políticas económicas inadequadas e erradas fazem-no manter-se num grande atraso em relação aos países europeus. Da mesma forma, vulnerabilidades essenciais existentes, tais como as referentes à área da energia, à produção de certos bens de consumo essenciais e de equipamento, aos transportes marítimos do Estado, praticamente inexistentes, à frota pesqueira, destroçada, não têm sido superadas, antes se vêm agravando, mesmo no novo quadro da UE.

Financeiramente, Portugal tem-se mantido, nos últimos 17 anos, mercê de avultados subsídios e comparticipações recebidas da CEE/UE, da privatização do melhor do sector empresarial do Estado, das políticas de contenção salarial e de redução relativa das despesas sociais, da outorga de concessões de exploração de serviços públicos, com ou sem obras prévias. Mesmo assim, a convergência gradual não foi alcançada.

A adesão ao euro, com perda de controle sobre a política monetária e cambial, a volatização das cotações das bolsas de valores e a circulação desregulada de capitais criam grandes incógnitas quanto à gestão financeira do futuro próximo, enquanto a projectada adesão à UE de novos países, provindos de sistemas económicos e financeiros diferentes e/ou de níveis mais baixos do que Portugal, reduz a média a partir da qual os países (ou regiões) têm acesso aos fundos comunitários, pelo que virtualmente quase todas as regiões de Portugal deixarão de os ter ou verão reduzidos os seus montantes.

Entregam-se sectores inteiros da economia portuguesa, que passam a ter centros de decisão no exterior. A única hipótese de ter uma garantia de que esses sectores continuam em mãos nacionais é Portugal ter uma dominante posição pública.

Portugal é um Estado unitário, um Estado-Nação sem problemas fronteiriços, nem dificuldades linguísticas ou étnicas.

A estrutura política nacional comporta a existência de duas regiões político-administrativas (com estatuto especial e dotadas de órgãos de governo próprio e de poder legislativo) nos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Correspondendo às aspirações das populações locais, a autonomia regional constituiu a resposta do regime constitucional à situação dos arquipélagos.

Portugal conta, globalmente falando, com um regime democrático formalmente estabilizado. Mas subsistem grandes atrasos no desenvolvimento e crescem as limitações aos direitos políticos, económicos, sociais e culturais.

Existem relações diplomáticas diversificadas, e nalguns casos insuficientes, com todos os países, incluindo, agora, a Indonésia. Portugal faz parte das principais organizações internacionais, políticas, económicas, financeiras e sociais. Com a devolução de Macau à R.P.China e a extinção do papel de potência administrante de Timor-Leste, as relações diplomáticas clarificaram-se.

A integração na então CEE, apesar de auxílios comunitários substanciais (nem sempre bem negociados e aplicados) não tem contribuído, por falta de uma política verdadeiramente nacional integrada, para que Portugal atinja os níveis desejáveis e esperados de bem-estar e desenvolvimento. Os processos de integração na UE, para um país pequeno e de economia periférica e dependente como é Portugal, comportam perigos acrescidos, que nem sempre foram acautelados, para a defesa da independência e da soberania nacionais. A manutenção dos critérios de convergência tem vindo a exigir sacrifícios à maioria dos portugueses e o alargamento esperado da UE perspectiva, como se disse, uma redução de apoios e uma maior competitividade.

Nos últimos anos, os processos de desmantelamento das barreiras à entrada de capitais estrangeiros e as privatizações têm conduzido a preocupante situações de domínio de sectores e empresas portuguesas por capitais estrangeiros. Portugal não pode aceitar ser conduzido ao estatuto de uma mera região da Europa, um território ou um mercado ao serviço das multinacionais. Portugal não pode prescindir e, pelo contrário, tem de afirmar a sua soberania e a exigência de um verdadeiro projecto de defesa nacional. Portugal, com os seus 10 milhões de habitantes, está longe dos países mais populosos da Europa mas, com o desmembramento da URSS e da Jugoslávia, subiu muito no ranking demográfico.

Principalmente devido a motivos económicos, existem importantes núcleos de emigrantes portugueses na França, Suíça, Alemanha, Brasil, Luxemburgo, EUA, Canadá, RAS, Venezuela e noutros países, os quais, por um lado carecem de apoio mas, por outro, podem constituir uma alavanca na difusão da língua e cultura portuguesas e são um importante elemento da presença de Portugal no Mundo. No seu conjunto, atingem alguns milhões de cidadãos portugueses cuja solidariedade activa e passiva deve ser preservada.

Continua a existir um processo crescente de envelhecimento e de desertificação do interior e de fluxo migratório dos meios rurais para os centros urbanos, resultante da ausência de uma adequada política de desenvolvimento regional, do desmantelamento de algumas indústrias e das restrições devidas à PAC.

Embora portador de forte identidade cultural, de antigas e cimentadas raízes históricas - o que são potencialidades - Portugal continua a manter índices de carácter social, tecnológico e de investigação muito baixos, em termos de padrões europeus, apesar de decorridos 17 anos de adesão.

Globalmente, o nível de vida é muito reduzido, a repartição do rendimento cada vez mais injusta e criando a acentuação das desigualdades sociais, o que faz esmorecer a coesão nacional.

Actualmente assiste-se a um crescente desinteresse pelas questões cívicas e políticas, fruto de desilusões e frustrações resultantes de um modelo de desenvolvimento que não dá resposta aos problemas e aspirações populares, abrindo caminho para o crescimento do racismo e da xenofobia, desaguando no reforço de forças políticas de extrema direita com todos os perigos daí resultantes.

As debilidades sociais revelam-se principalmente na falta e instabilidade de emprego, na habitação, no ensino, na saúde, na justiça, nas perspectivas de futuro para a juventude, na discriminação da mulher e na protecção à terceira idade. A taxa de analfabetismo mantém-se a maior da U.E., bem como os índices de iliteracia. Fenómenos muitos negativos do ponto de vista da saúde publica como o alcoolismo, a sida ou a tuberculose continuam a registar índices muitos elevados.

Nos meios da informação (imprensa, rádio, TV e novos meios) assiste-se à concentração dos media num cada vez mais reduzido número de grandes grupos económicos, numa lógica baseada na maximização do lucro e na desinformação e manipulação da opinião pública, em que informação e programação são cada vez mais dominadas pelos critérios comerciais e pela luta pelas audiências, com o predomínio da superficialidade, do espectáculo e do sensicionalismo.

Por outro lado, o propósito, assumido pelo Governo, de reduzir drasticamente o alcance e a influência do serviço publico de televisão, não deixará, se fôr por diante, de ter consequências profundamente nefastas no plano cultural, no pluralismo informativo, das condições de promoção e defesa da língua portuguesa, da própria democracia política. A redução da influência do serviço publico de televisão, implicando um aumento do peso relativo e absoluto dos grupos multimédia no domínio do audiovisual, que poderá inclusivamente ser subtraído ao controlo nacional, não deixará de ter consequências negativas para a própria soberania nacional.

O povo português assume os valores da paz, da independência nacional, da liberdade e da justiça social e tem lutado por eles com grande vontade nacional, mostrando-se disponível e solidário para o seu reforço. Mesmo em casos como o de Timor-Leste - terra longínqua, esquecida, pobre e sacrificada - revelou a sua afeição àqueles valores e tem aceitado os encargos adicionais que tal comporta.

Do que atrás se diz, pode concluir-se que embora existam algumas vulnerabilidades (média riqueza do solo e subsolo, dependência energética e em bens essenciais, estreiteza do território, atraso económico e social, crescente influência do capital estrangeiro, reestruturação atrasada nas FA's), as potencialidades (vasta ZEE, situação estratégica global, densidade populacional, condições democráticas, vontade nacional, condições para aumentar a produção de alimentos se necessário, larga comunidade linguística), carecendo de ser persistente e coerentemente desenvolvidas, superam as vulnerabilidades e podem constituir - se devidamente aproveitadas e se forem alteradas as políticas - uma base credível de desenvolvimento integrado.

Portugal não enfrenta, como certos países europeus, condicionalismos territoriais, populacionais, político-constitucionais, geográficos ou outros, que possam constituir-se, à partida, em fatalismo de vir a perder a independência ou de ter de se integrar forçosamente numa ou várias organizações internacionais para poder sobreviver como nação soberana. Portugal é viável e, com uma política integrada e adequada de defesa nacional, não correrá o risco de vir a colocar-se na posição de país exíguo. Num mundo em que aumentam as interdependências, Portugal tem - e pode aumentar - capacidade de intervenção, de autonomia de estratégia e de decisão (excluído que seja a forma obsoleta de nacionalismo autárcico). Portugal carece de desenvolver uma estratégia permanente, esforçada e coerente de redução das vulnerabilidades e de reforço das potencialidades, no quadro do primado dos interesses nacionais.

III
Situação internacional

O exame da situação internacional abrange preferencialmente as zonas mais directamente relevantes para efeito da elaboração do CEDN.

Essas zonas são aquelas em que Portugal se insere directamente, com as quais tem proximidade, para as quais apareça com alegado valor estratégico e aquelas com as quais desenvolve laços específicos de cooperação e amizade. Estão no primeiro caso a Europa e, em particular, a Península Ibérica; no segundo caso, o Magrebe e, em geral, o Mundo Árabe; no terceiro caso, os Estados Unidos; e, no quarto caso, os países de língua oficial portuguesa. Nalgumas dessas zonas, o exame conhece dificuldades decorrentes de processos em curso com rumo e desenlaces incertos.

A Europa mudou radicalmente. A uma Europa dividida em dois blocos (NATO e Pacto Varsóvia) sucedeu uma outra, onde um dos blocos (o PV) se extinguiu (política e militarmente) e o principal país que o integrava (a URSS) se desagregou.

Não foi por acaso que, imediatamente, começaram a surgir as chamadas "crises de média intensidade", com intervenções armadas poderosas e sofisticadas (Golfo, Bósnia, Kosovo, Tchetchénia, etc.), deslocações maciças de populações, chacinas, propaganda despudorada, ultrajes ao direito internacional.

Na Alemanha, a RFA anexou a RDA e, através de acordos múltiplos, fez cessar completamente o estatuto que lhe decorria da II Grande Guerra. A Alemanha aparece, hoje, no Centro da Europa, como uma grande potência (económica, financeira, populacional) e já participa com tropas em acções externas (Kosovo). A sua influência, nestes últimos 17 anos, estendeu-se e abrange hoje a Áustria, a República Checa, a Eslováquia, a Croácia, a Eslovénia, o Montenegro, a Macedónia, o Kosovo, parte da Bósnia, parte da Suíça, a Voivodina e mantém relações objectivas com descendentes de alemães que vivem nas regiões que pertenciam ao III Reich e que, pela derrota deste, couberam à Polónia.

Com as adesões em curso, o estatuto de neutralidade e não-alinhamento de vários países (Áustria, Suécia, Finlândia, Suíça) tende a ser apagado, em benefício da política de blocos e, como tal, a perder mais um factor de estabilidade.

A NATO, onde os EUA exercem uma hegemonia esmagadora que lhes permite usar a organização ou apenas invocá-la, escolher aliados e atribuir-lhes missões, engrandece-se face ao desaparecimento do outro bloco e aparece com uma estratégia ofensiva, procurando arvorar-se não só em polícia da "paz interna" (substituindo as funções dos sistemas de segurança) como em sistema de "defesa" contra ameaças externas, vindas agora, não do Leste, mas de qualquer azimute (reformulação doutrinária). Este processo tornou-se mais nítido em resultado do 11 de Setembro e uma nova reorganização está em curso no seio da NATO, cujos traços essenciais, embora ainda pouco nítidos, perspectivam o reforço do comando e controlo por parte dos EUA.

O Norte da Itália já não constitui a chamada "fronteira oriental da NATO". Agora, transfigurada que foi a Albânia em autêntica base dos EUA e quase-protectorado deste país, a influência da NATO estende-se em direcção ao Cáucaso e ao Mar Negro.

Para este novo papel da NATO contribuiu poderosamente a situação de guerra no Golfo e a campanha do Afeganistão, conduzidas pelos EUA, que demonstraram capacidade de pressionar e de pôr ao seu serviço não só FA's europeias e de outros países do mundo, como instituições de segurança, como a ONU. E conseguiram um objectivo estratégico que há mais de quarenta anos os ingleses e franceses procuravam e que a Liga Árabe sempre impedia: ter uma base militar dominando os poços de petróleo (Arábia Saudita). E, agora, bases e pontos de apoio militares na área estratégica que domina o sudoeste da Rússia, o sul da China, a Índia e Paquistão, o gasoduto e instalações de experiências nucleares.

Os exemplos da Bósnia e do Kosovo são paradigmas da doutrina americana pós-reunião de Washington (24/4/99). Ficou claro, com o novo conceito estratégico da NATO, que os EUA se arrogam o direito de fazer a guerra lá onde os seus interesses vitais o exigirem, com a ONU, sem esta ou mesmo contra esta organização de segurança, através da NATO ou sozinhos.

Neste quadro, a própria OSCE corre grave risco, já que está a ser hegemonizada pelos EUA, Reino Unido e Canadá e somente é activada quando interessa ampliar apoios.

Teóricos, políticos e opinion-makers tentam defender a necessidade da legalização de um "direito-dever de ingerência humanitária", o qual, aproveitando-se de quadros dramáticos, quantas vezes confusos e até forjados, poderia conduzir à autorização de intervenção de Forças de Interposição ou mesmo de Imposição pelo Conselho de Segurança, sem a solicitação ou autorização de país soberano. Relevante é, neste contexto, o accionamento pela primeira vez do artigo 5º do Tratado constitutivo da NATO.

O processo de desarmamento, através do tratado INF, do tratado CFE e do tratado START, tem tido muitos recuos e alguns desvios e avanços; paradoxalmente a França, os EUA, a China e a Índia reactivaram as experiências com bombas nucleares subterrâneas; os EUA relançaram, em força, a IDE (mesmo ao arrepio de 138 nações que, em Novembro de 2000, reafirmaram o Tratado Espacial de 1967, entre elas várias da NATO) e aumentam substancialmente o orçamento militar, agora também a pretexto dos "acontecimentos de 11 de Setembro". Por outro lado, o histórico conflito Israel-Palestina reganhou novos contornos e agressividade por parte de Israel, com os EUA a não assumirem, como historicamente têm feito, posições de firme condenação a Israel e de exigência do cumprimento das resoluções da ONU, visando pôr fim ao conflito e contribuindo para a solução do problema.

Tudo, pois, factores de instabilidade e de retrocesso.

A criação da UE, tal como resultou dos Tratados de Maastrich e de Amesterdão e as decisões tomadas na Cimeira de Nice, levanta novos e complexos desafios a Portugal. A UE está a conduzir um país como Portugal à subordinação dos seus interesses aos dos grandes países do centro da Europa, nomeadamente através da recente alteração do peso relativo dos votos de cada país. A declaração de Lacken (15/12/01) suscita um conjunto de aspectos e de linhas força para a construção europeia que a consumarem-se consolidam uma via federalizante para a União Europeia.

A criação de uma PSDC, provida de FA e de comandos comuns centralizados, acelerando a militarização da UE e visando torná-la numa superpotência dotada de poder ofensivo táctico (FIR) e estratégico, representa um esforço de integração de países neutrais ou em polígonos de geometria variável, num projecto subordinado aos interesses da NATO e dos EUA. É óbvio que tal implementação contraria o desejável processo de construção de um sistema de segurança europeu global.

Também nas componentes económicas e financeiras, a UE levanta graves problemas de soberania, traduzidos na criação do Banco Central e na transferência das entidades supranacionais do poder de emissão de moeda, factores que limitam fortemente a capacidade de definição nacional das políticas orçamental, financeira e económica e, consequentemente, das outras políticas. Quanto às componentes de segurança interna e de direitos, a UE tende claramente à limitação da soberania, quer pela criação de uma União Europeia de Polícia (EUROPOL), quer pela instituição de políticas comuns de vistos, direito de asilo e entrada e expulsão de estrangeiros, quer pela criação de sistemas e serviços de informação a nível comunitário, quer por formas de cooperação policial que permitem a actuação em Portugal de polícias estrangeiras (espanhola). É neste quadro que funcionam os Acordos de Schengen, a Convenção de Dublin e, mais recentemente, as conclusões do Conselho Europeu de Tampere.

A evolução política ocorrida na Europa Central, nos Balcãs e no Cáucaso e, particularmente, na Jugoslávia e na ex-URSS, trouxeram a primeiro plano problemas e questões resultantes da emergência de reclamações nacionalistas, que têm sido causa de profunda instabilidade e conflitos nessas zonas (acrescentando-se aos conflitos que, embora assumindo naturezas diversas, já sucediam no Ulster, no País Basco, na Córsega e em Chipre).

No quadro europeu, as relações com a Espanha não podem deixar de assumir uma grande relevância. Portugal e Espanha têm hoje particulares condições de cooperação.

Sendo parceiros na UE, na NATO, na OSCE e na ainda UEO, as relações bilaterais sofreram grande incremento. No comércio externo português, a Espanha representa um valor cada vez mais desnivelado. Cresce também o investimento directo espanhol em Portugal, principalmente nos sectores bancário e de seguros, na energia e na distribuição.

No plano da NATO, a Espanha considera ter interesses estratégicos em toda a área peninsular e mares circundantes, o que conduziu a uma complicada afectação de comandos navais e terrestres aos dois países peninsulares, cujo processo ainda não sedimentou.

A integração conjunta no Euroforce e no Euromarforce, para defender o flanco sul da NATO, no Mediterrâneo, abriu caminhos para uma crescente importância da Espanha na PESC.

Questões ambientais e de partilha da água dos rios podem criar problemas vitais. A gestão equitativa do turismo pode ser factor positivo de relacionamento e frutuoso para ambas as partes.

Entretanto, a Espanha não tem uma situação inteiramente estabilizada, não só devido às reclamações independentistas designadamente no País Basco, como pela presença britânica na Península (Gibraltar) e pela manutenção de duas cidades em Marrocos (Ceuta e Melila) sob administração e com presença militar espanhola.

Razões da história e da geografia ligam Portugal ao Mar Mediterrâneo e ao mundo árabe, particularmente ao Magrebe. Portugal, apesar da ocupação realizada no séc. XV, não permaneceu na zona para além do séc. XVI e não pertence por isso ao leque das suas potências coloniais (Espanha, França e Itália). Sem contenciosos históricos, geograficamente próximos, Portugal não desenvolveu relações económicas intensas com esses países, aparecendo alguns deles como concorrentes de Portugal nalguns produtos (conservas, turismo, etc.). Na evolução da zona, importa assinalar o retraído mas preocupante fenómeno fundamentalista, com o aparecimento de partidos religiosos e o forte aumento populacional que provoca o agravamento dos problemas económicos.

Produtor de petróleo, gás natural, fosfatos e dispondo de águas atlânticas ricas em pescado, o Magrebe árabe tende a suscitar no seio das instituições europeias (e em particular da UE) um crescente interesse.

O empreendimento de fornecimento de gás natural, por gasoduto, assenta na Argélia, uma opção que secundarizou o transporte marítimo para Sines e Leixões e, consequentemente, embarateceu o produto, mas sujeitou-o a um grau de segurança estratégico bastante menor.

Portugal continua, ainda que em menor escala, a aparecer, face aos EUA, como um território (no Continente e nos Arquipélagos) dotado de valor estratégico, designadamente para controlo do Atlântico Norte e ponto de passagem (ou reabastecimento) para operações militares destinadas à Europa Central e do Sul, à África do Norte e ao Próximo e Médio Oriente.

O acordo militar Portugal-Estados Unidos tem permitido aos EUA a utilização de bases e outras infra-estruturas portuguesas (particularmente da Base das Lajes) para operações no Médio Oriente.

O reforço da hegemonia mundial que os EUA evidenciam - se necessário contra a ONU quando interesses vitais estiverem em causa - tornarão, ainda mais, de uma forma ou de outra, aquelas utilizações contrárias aos interesses nacionais e susceptíveis de tremendas contradições na política externa nacional.

Nas relações de Portugal com os países africanos de língua portuguesa foram pesando, ao longo do tempo, irregularidades e dificuldades que não permitiram o seu desenvolvimento como teria sido possível e desejável. O novo quadro político existente em Angola, com um futuro que se apresenta mais auspicioso, pode e deve conduzir a um reforço das atenções nacionais.

As relações económicas e culturais de Portugal com os países de língua oficial portuguesa são ainda de expressão muito insuficiente (entretanto Moçambique já aderiu à Commonwelth e a Guiné-Bissau pode aspirar a integrar-se na Francofonia) e sem correspondência real às potencialidades, haja em vista a presença comercial de outros países.

De sublinhar também o facto de Portugal pertencer a numerosas organizações internacionais de cariz muito diferenciado. Para além de ser membro da UE (desde 1986), da NATO (desde 1949), da UEO (desde 1990), e do Conselho da Europa (desde 1977), Portugal é membro da ONU e das suas organizações especializadas, da OSCE, da OMS, da OIT, do FMI e da OCDE, e é subscritor da OMC (ex-GATT). Sendo em todas estas organizações membro de pleno direito, Portugal neles dispõe de espaços adequados ao desenvolvimento e afirmação dos seus pontos de vista e de procura de maiorias que defendam os seus interesses vitais. Registe-se, a propósito, haver exemplos de países que deixaram alguns destes organismos (por exemplo - EUA, da Unesco, da OMS, da OIT; Grécia suspendeu a presença na NATO durante a crise de Chipre; a França e a Espanha durante anos só pertenciam à vertente política da NATO, etc.).

IV
Linhas de acção e prioridades relativas

Dos princípios e dos interesses ou objectivos gerais já anunciados, e tendo em conta a situação nacional e internacional atrás descrita, deduzem-se as actividades necessárias e as prioridades relativas da estratégia de defesa nacional no que respeita às áreas político-diplomática, social, cultural, económico-financeira, psicológica e militar.

Portugal tem interesse em privilegiar e angariar aliados para a vida político-diplomática visando garantir a sua segurança externa. Deve por isso empenhar-se na solução dos conflitos internacionais por via pacífica e justa. Portugal deve empenhar-se na recondução da OSCE à sua matriz inicial e no desenvolvimento, com outros países, da procura de caminhos tendentes a encontrar soluções pacíficas, quer na NATO, na UE, na ONU e, assim, estabelecer uma nova cultura de paz baseada em critérios de igualdade, respeito mútuo e não ingerência.

Tanto à ONU como quanto à OSCE, Portugal deve empenhar-se activamente para combater a sua hegemonização ou instrumentalização pelos EUA e outras potências militares da NATO. Portugal deve rejeitar desvirtuamentos do direito internacional como o recentemente invocado "direito-dever de ingerência humanitária", através do qual os EUA e outras potências liderantes da NATO procuram usar a ONU e a NATO para violar o princípio da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados invocando necessidades humanitárias.

A segunda ordem de prioridades liga-se à integração europeia e à necessidade de Portugal, como pequena potência periférica, estimular de forma muito activa os factores de coesão e identificação nacional. Portugal tem interesse em reforçar a sua identidade cultural e a presença da sua cultura e língua no mundo, em diversificar as suas relações externas, em reforçar a coesão do povo português (o que implica privilegiar as políticas de bem-estar e justiça e desenvolvimento harmonioso, incluindo na componente regional), em assegurar o controle dos comandos económicos e financeiros estratégicos do país, em garantir a formação das reservas estratégicas necessárias, em contrariar uma política externa de defesa em que Portugal fosse subalternizado, quando não mesmo diluído, e o país atrelado em iniciativas contrárias aos seus próprios comandos constitucionais. (De facto, o que é bom para a NATO ou para a UE pode ser péssimo para Portugal).

No quadro político-diplomático, Portugal deve desenvolver relações externas diversificadas, pautadas pelos princípios da cooperação, vantagens mútuas e não ingerência. Portugal deve ser particularmente expedito no aproveitamento da potencialidade que constitui a sua particularidade histórica e geográfica e alguma projecção internacional que, entretanto, adquiriu.

Na Europa, é prioritária a participação activa nas estruturas da OSCE, tendo em vista a institucionalização duradoura de um sistema de segurança colectivo e de cooperação na Europa, que supere definitivamente a lógica dos blocos político-militares e conduza ao seu total desaparecimento. Neste quadro, Portugal deverá desvincular-se da estrutura militar da NATO.

Ainda no quadro europeu, Portugal deve, entretanto, garantir a defesa da soberania nacional nos processos evolutivos da UE, não aceitando a participação em qualquer espécie de bloco político-militar europeu, ou qualquer outra forma de tentar transformar a UE numa potência militar, expansionista ou punitiva.

Não constitui necessidade, nem é do interesse de Portugal, uma integração militar sob a égide da Europa (ou dos EUA), estrategicamente apontada para a intervenção em outras regiões do globo. Pelo contrário, o rumo a seguir é o reforço da ONU e a disponibilização de apoios ao Conselho de Segurança, quando for discutida, aprovada e solicitada a colaboração portuguesa em acções de paz e de natureza humanitária.

Noutro plano, será estimulada a participação nos esforços conducentes à criação de sistemas de segurança colectiva e de cooperação regionais, sem prejuízo da ONU. A valorização do combate às diversas formas de terrorismo (incluindo o terrorismo de Estado), ao narcotráfico, ao genocídio, aos atentados, sistemáticos e comprovados, dos direitos humanos, à rapina de riquezas, à desestabilização ou interferência na vida interna de outros povos ou à livre escolha do sistema político em que desejem viver, deve ser prosseguida sem desvios.

As relações com os países de língua portuguesa devem ser fortemente estimuladas e desenvolvidas. As relações, de cooperação e amizade, devem privilegiar as áreas ligadas ao desenvolvimento económico e social, à cultura, à defesa da língua comum, à colaboração técnico-militar.

Quanto aos acordos bilaterais, deve ser estimulada a sua diversificação. Mas quanto aos acordos militares com os EUA, os interesses estratégicos nacionais e o quadro evolutivo da situação internacional impõem a sua revisão radical.

Quanto às instâncias internacionais, deve ser estimulada e reforçada a participação portuguesa. Portugal tem aí oportunidade para o desenvolvimento e afirmação dos seus pontos de vista, podendo, enquanto pequeno país, facilitar negociações e consensos, apresentar propostas exploratórias, ajudar a criar maiorias em prol da paz, da justiça, da cooperação, da autodeterminação dos povos, combatendo tendências para a hegemonização e para a subsistência da política de blocos, seguindo as traves mestras inscritas no Artº 7º da CRP.

Particular atenção devem merecer os governos e instituições que permitam a instauração de uma nova ordem política internacional de paz e respeito mútuo e de uma nova ordem económica internacional que contribuam para a liberdade e progresso social dos povos. É do interesse nacional que Portugal apareça e esteja particularmente empenhado nestas acções. A recém reforçada OMC, propugnando a liberdade de comércio "para os outros" e os protestos de Seattle, Davos, Génova,etc., mostram que há forças crescentes na luta por relações de troca justas e de interesse mútuo.

A preservação do meio ambiente ibérico e o empenhamento na concretização do protocolo de Quioto e das águas territoriais, são linhas de acção prioritárias.

No plano social, a política deve prosseguir os objectivos de reforçar a coesão nacional, desenvolver as potencialidades dos cidadãos e assegurar o seu bem-estar. A elevação do nível de vida; a eliminação das manchas de pobreza e outras chagas sociais; a segurança no emprego; a protecção das camadas mais desfavorecidas; o combate às discriminações; a integração e defesa dos direitos dos imigrantes; a protecção da juventude e garantia dos seus direitos; o desenvolvimento da saúde pública e do combate à toxicodependência; o fomento da habitação social; a defesa e preservação do meio ambiente - são, entre outros, programas imprescindíveis para congregar as vontades dos portugueses, de forma solidária e empenhada, na prossecução dos objectivos nacionais.

Também as políticas nos domínios da educação e cultura devem merecer particular atenção, com objectivo de robustecer a identificação do todo nacional através da elevação do nível educacional e cultural do povo e da promoção da actividade e acção cultural. A defesa da língua portuguesa e o fortalecimento dos laços culturais com os países, territórios e núcleos de emigrantes que falam a nossa língua, assim como o conhecimento e divulgação da nossa história devem constituir prioridade.

O apoio às actividades de I&D é também particularmente relevante. Portugal é o penúltimo país da UE em despesa com I&D e gasta cinco vezes menos que a Suécia. Portugal deve procurar ter acesso às tecnologias fundamentais e não somente limitar-se à utilização da Internet. A formação técnica actualizada é a base do desenvolvimento.

Particular atenção deve merecer a política dirigida às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. A política para os emigrantes deve ter carácter integrado, deve visar em primeiro lugar fornecer todo o apoio aos emigrantes enquanto cidadãos portugueses, deve tender a fortalecer as ligações das comunidades, no seu interior, com as outras comunidades e com a Pátria. Especial atenção deve ser posta ao ensino da língua, aos aspectos culturais, ao apoio consular. Os jovens filhos de emigrantes devem ser objecto de programas específicos. Abrir escolas de apoio a emigrantes nacionais envolvendo outros emigrantes dos países da CPLP, mediante programa negociado, pode assumir grande importância.

As políticas no domínio da informação devem ser coerentes com os objectivos. A actividade do Estado, através de meios próprios, deve ser transparente, aberta e fomentadora de uma informação subordinada a critérios de qualidade, isenção e pluralismo. Por outro lado, a existência de estações públicas de TV e Rádio deve ser também entendido como um elemento de afirmação da soberania e de coesão nacional.

Em face do citado empenhamento exterior justifica-se a existência de um SIEDM eficaz, fiscalizado e sem complexos retrógrados.

Quanto às políticas da área económica e financeira, constituiem prioridade garantir a suficiente capacidade nacional de decisão, implicando o controlo nacional dos comandos económico-financeiros estratégicos do país; promover a regionalização, o crescimento e o desenvolvimento económicos, combatendo as desigualdades sociais e regionais e a desertificação; promover o desenvolvimento das actividades em áreas estratégicas (incluindo nos campos dos transportes marítimos e aéreo, energia, comunicações, etc.); garantir a formação das reservas estratégicas necessárias, desde logo a energética e a alimentar.

V
Forças Armadas

As Forças Armadas, caracterizadas por um propósito eminentemente defensivo, devem garantir a defesa da integridade territorial e contribuir para o reforço da vontade colectiva de defesa contra qualquer ameaça ou agressão externas, no estrito cumprimento da CRP.

As FA's devem possuir uma capacidade militar autónoma, credível, dissuasora e que garanta uma capacidade de reforço e intervenção rápida em qualquer área do território nacional.

Os três ramos, tendo em conta especificidades próprias, devem actuar de forma coordenada e complementar e racionalizar meios de forma a garantir a rentabilização do binómio custo/eficácia. Neste âmbito, importa não a cópia ou padronização de modelos, mas a realidade nacional e o carácter das missões fundamentais atribuídas às nossas Forças Armadas.

Em tempo de paz, a estruturação e a atribuição de meios e actividades das FA devem ser condizentes com os objectivos e missões centrais que lhe estão confiadas.

Isto significa que devem dispor de um Sistema de Forças Permanente (SFP) capaz de crescer por mobilização, em situação de crise ou agressão iminente. Devem dispor, designadamente, de forças com elevado grau de prontidão, de eficazes sistemas de instrução, logístico, administrativo e de um sistema de mobilização e requisição, no quadro constitucionalmente previsto.

Deverá ser preocupação fundamental a dinamização, promoção e o desenvolvimento de mecanismos de entrosamento das FA com a juventude e, no quadro da lei, prover, por via do SEN, necessidades das FA.

As FA devem assegurar eficazmente a fiscalização do Espaço Interterritorial, nomeadamente a ZEE. Devem ainda desenvolver actividades complementares de interesse publico que sejam possibilitadas pelos meios de que disponham, nomeadamente em ligação com as estruturas do Planeamento Civil de Emergência e da Protecção Civil.

Em estado de guerra ou de conflito iminente o SFP deverá crescer, por mobilização, para o nível exigido por essa situação.

Neste quadro, o vector militar tornar-se-á prioritário e as FA terão o papel acrescido que lhe for conferido pelas Leis de estado de excepção garantindo, nomeadamente, a liberdade de acção dos órgãos de soberania.

É óbvio que este processo de crescimento tem de partir de uma base suficiente, precisa de dispor de infra-estruturas, reservas devidas, de equipamentos, transportes e de ser testado periodicamente.

Quanto a compromissos militares que possam ser tomados em sistemas de segurança colectiva (ONU e OSCE), eles deverão ser ponderados à luz do rigoroso respeito do direito internacional e dos limites de actuação de qualquer sistema de segurança. Em qualquer caso, esses compromissos não deverão exceder a prestação de facilidades e de apoio logístico-administrativo, a menos que, por motivos excepcionalmente ponderosos, examinados pelo conjunto dos órgãos de soberania competentes, caso a caso e esgotados todos os meios de solução pacífica, seja imprescindível e requerida a participação de forças portuguesas. Nesta eventual situação torna-se imperioso, todavia, acautelar o nível essencial do dispositivo de defesa do território nacional, é necessário preservar o comando directo das forças e salvaguardar a participação nacional nos Estados-Maiores conjuntos, porventura constituídos. Em tal situação, o acompanhamento político-militar das operações carece de ser estreito, permanente e divulgado à opinião pública.

Idêntica atitude se torna necessário assumir perante eventuais solicitações da ONU, conducentes à manutenção de paz, a apoio humanitário, e dentro do seu quadro exclusivo, caso não haja lugar a forças policiais.

No âmbito dos acordos de cooperação militar com os PALOP, as FA devem colaborar em todas as acções de apoio, integradas na política de cooperação, nomeadamente, a formação, o treino e o apoio ao desenvolvimento da indústria de defesa.

É urgente a definição de linhas estratégicas essenciais para as indústrias de defesa, tendo em conta a sua importância enquanto instrumento de suporte logístico. Neste quadro, a restruturação dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas deve constituir também uma prioridade.

Nota final

A estratégia global do Estado tal como é configurada nas Grandes Opções do CEDN que o PCP apresenta, põe em relevo seis traços que importa agora resumir:

Primeiro, é uma estratégia de matriz nacional, que privilegia os interesses nacionais e os meios nacionais de os prosseguir.

Segundo, é uma estratégia de coesão e solidariedade, que privilegia o fortalecimento da vontade popular por uma maior justiça social e um maior empenhamento cultural.

Terceiro, é uma estratégia de progresso, que privilegia a afirmação de Portugal no Mundo como uma nação em processo de desenvolvimento económico, com uma voz própria nos grandes processos estruturais, tendentes à criação de uma Nova Ordem Económica Internacional.

Quarto, é uma estratégia de amizade, paz e cooperação com todos os povos, que privilegia a solução negociada de conflitos, o diálogo, a acção nas instâncias internacionais, o respeito pelo direito internacional, a caminho da instauração de um novo relacionamento político planetário.

Quinto, Portugal deve aparecer aos olhos do Mundo como uma nação empenhada em defender, de forma coesa e eficaz, a sua soberania e independência nacionais perante qualquer ameaça e agressão externas.

Sexto traço, a estratégia do Estado deve ser uma estratégia de participação de todo o povo, uma estratégia democrática, assente no empenhamento de todos os portugueses na defesa de Portugal.

Assembleia da República, em 16 de Julho 2002

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