Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Três razões fundamentais levaram o PCP a apresentar esta moção de censura ao Governo. Primeira: o agravamento da situação económica e social do País, indissociável do empobrecimento do regime democrático e da liberdade como valor que lhe é intrínseco.
Segunda: a opção de fundo, classista, do Governo ao assumir-se, neste tempo de retrocesso e injustiça social, como autor material de uma proposta de alteração ao Código do Trabalho contra a Constituição da República, contra o direito do trabalho e contra os trabalhadores, visando dar mais poder aos poderosos.
Terceira: a actualidade e a urgência de transportar até esta tribuna o sentimento geral de descontentamento, protesto, revolta e angústia que pulsa em centenas de milhares de portuguesas e portugueses, tão difícil é a sua vida, tão grandes são os seus problemas, tão inseguro e nebuloso é o seu futuro, a que se juntam cidadãos preocupados com o seu país!
Três anos é um tempo curto na nossa vida. Mas é tempo suficiente para avaliar, julgar e censurar este Governo que tornou o País mais desigual, injusto e menos democrático.
Anos de acrescidos e escusados sacrifícios e dificuldades para a generalidade dos portugueses.
Três anos de agudização dos principais problemas sociais que atingiram particularmente os trabalhadores, a juventude, os reformados, os militares, os agentes das forças de segurança, as pessoas com deficiência e suas famílias, os pequenos e médios agricultores e empresários e as populações mais carenciadas.
O Governo do PS e a sua política são responsáveis pela mais alta taxa de desemprego das duas últimas décadas. Elevadíssima taxa que está a penalizar fortemente os jovens, as mulheres e os desempregados de longa duração. Com os elevadíssimos níveis de desemprego, Portugal voltou a ser um país maioritariamente de emigração.
Três anos de Governo a promoverem a precariedade no trabalho, que transformaram Portugal num dos países com a mais alta taxa de trabalho precário da União Europeia.
Três anos consecutivos de quebra dos salários reais e que se traduzem num dos piores períodos dos últimos anos de degradação dos rendimentos do trabalho. Três anos seguidos de perda de poder compra dos trabalhadores do sector privado e, de forma ainda mais agravada, da Administração Pública.
Em 2006, quebra média de 0,9%, em 2007, de 0,6% e, em 2008, como o reconhece e prevê a Comissão Europeia, os salários continuarão a não acompanhar o aumento galopante dos preços dos produtos alimentares, dos combustíveis, das despesas com a habitação, nomeadamente com o forte aumento das taxas de juro.
Três anos de falsas e enganosas previsões do Governo sobre o índice da inflação, a que se junta a escandalosa manutenção de uma desactualizada estrutura do cabaz de compra das famílias, que não traduz a verdade do aumento real dos preços e torna fictícios os valores actuais da inflação.
A manutenção de reformas de miséria e a continuada desvalorização e degradação do conjunto das reformas e pensões, cujos aumentos oscilaram, em 2008, entre 1,65% e os 2,4% - e pior para os aposentados da Administração Pública - que significam, neste quadro, um intolerável e desumano embuste.
Expedientes de uma efectiva política de congelamento dos rendimentos do trabalho, de redução dos salários reais e das reformas que se traduziram num novo desequilíbrio na já injusta distribuição do rendimento nacional a favor dos rendimentos do capital.
As 100 maiores fortunas continuam a amealhar património e rendimentos. Em 2007, as suas fortunas cresceram mais 36%, enquanto se agrava a pobreza e a exclusão social.
Os baixos salários e o brutal aumento do custo de vida estão, nomeadamente, a mudar o perfil dos beneficiários do rendimento social de inserção, a maioria a exercer uma actividade com baixos rendimentos. Há cada vez mais portugueses que empobrecem a trabalhar.
Estamos a andar para trás e assim vamos continuar com as actuais políticas!
Esta é uma realidade com impactos sociais cada vez mais preocupantes, face, também, ao elevado endividamento das famílias. Preocupação acrescida num quadro onde são visíveis práticas especulativas em relação aos preços de bens e serviços essenciais e as acções concertadas, nomeadamente do sector financeiro, com o objectivo de transferir os custos da crise financeira para as famílias e para as pequenas e médias empresas. Práticas que exigiam do Governo outra atenção e intervenção que impedisse essa descarada e desavergonhada prática que permite privatizar sempre os ganhos e socializar as despesas e os custos de uma crise que é o resultado das suas próprias actividades especulativas. O mesmo em relação ao controlo dos preços, com o Governo do PS e à sombra do dito Estado regulador, a «lavar as mãos como Pilatos», perante a degradação das condições de vida dos trabalhadores e das populações.
Não há desculpa para tão deliberada e pouco inocente inércia!
Inércia pouco inocente, também, perante a injustiça fiscal. Três anos a agravar os impostos a pagar pelos trabalhadores, os reformados e as populações, enquanto os ricos tornaram o País numa espécie de coutada fiscal para as suas actividades. Em 2007, os lucros da banca continuaram a crescer, mas pagaram menos 156 milhões de euros de impostos.
O défice das contas públicas é sempre convocado para justificar cortes nos salários e nos direitos sociais dos portugueses, mas é esquecido perante os interesses dos poderosos.
Diga lá, Sr. Primeiro-Ministro, diga aqui, na Assembleia da República, fundamente a sua tese dos sacrifícios para todos os portugueses e prove que o grande capital financeiro e os grandes grupos económicos foram sacrificados. Vá lá, ao menos, diga que fizeram uns sacrificiozitos!
Nestes três anos, a educação, a saúde e a habitação foram fortemente afectadas pela política de obsessão pelo défice.
Três anos em que a saúde ficou cada vez mais distante e mais cara e o Serviço Nacional de Saúde enfrenta sérios problemas de restrição financeira.
Três anos de políticas de desresponsabilização do Estado e de desvalorização da escola pública que põem em causa o princípio constitucional da igualdade de oportunidades e o direito a uma qualificação para todos.
Políticas que são responsáveis não só pelo agravamento das desigualdades sociais mas também pelo aumento das desigualdades regionais, com o País interior a sofrer, de forma agravada, as consequências do encerramento de milhares de serviços públicos por todo o País.
Este é o resultado de uma política que fracassou na concretização dos objectivos que o Governo aqui anunciou solenemente, aqui proclamou - forte crescimento económico, mais desenvolvimento em convergência com a União Europeia, mais emprego e mais qualificado e melhores condições de vida para os portugueses.
Um Governo incumpridor de promessas e de compromissos que assumiu com o eleitorado!
O tempo que resta do actual mandato é já um tempo de acentuado declínio e retrocesso.
A grande viragem em direcção ao crescimento económico claudicou. O ano de 2008 será pior que o de 2007 e 2009 será mais um ano de preocupante letargia. Todas as previsões económicas fazem marcha atrás, tornando-se ridículas as tentativas do Governo de manipulação da realidade.
O investimento privado continua em queda. As exportações caem há seis meses consecutivos, tal como o consumo privado, em resultado da política de empobrecimento das populações.
Os principais problemas estruturais com que o País está há muito confrontado permanecem e alguns conheceram um novo agravamento. A dívida pública aumentou. O endividamento externo continuou a crescer e, hoje, somos um dos países mais endividados da Europa. Continuou a agravar-se o défice das contas externas, nomeadamente o défice comercial.
A substituição da produção nacional pela estrangeira continua a ter uma preocupante evolução, em resultado da liquidação do nosso aparelho produtivo, nomeadamente nos sectores da agricultura e das pescas.
No sector do comércio, os pequenos e médios comerciantes são sufocados e arruinados pelas facilidades de instalação e horários das grandes superfícies.
A crise alimentar expressa agora, com mais evidência, as fragilidades e a dependência do nosso país, em resultado de uma política que não foi capaz de acautelar a segurança alimentar dos portugueses.
Os sectores produtivos e as pequenas e médias empresas foram duramente penalizados pelos efeitos da excessiva valorização do euro, dos custos agravados dos combustíveis, da energia e do crédito. Por isso, sucedem-se as falências, agora a um ritmo mais elevado.
Ao contrário do que o Governo afirma, o País está mais vulnerável e pior preparado para enfrentar a crise financeira internacional.
Portugal não está apenas mais desigual, está também mais endividado, mais deficitário e mais dependente.
Que fique claro: ilibar as graves responsabilidades de anteriores governos de direita e das suas políticas desastrosas que contribuíram para este estado de coisas seria um erro de análise e branquearia os seus responsáveis. Mas a censura que fazemos ao Governo do PS reside no facto de ter sido melhor na propaganda mas seguidor e praticante das políticas dos governos da direita naquilo que é essencial e estruturante, num autêntico processo de contrafacção política e ideológica!
Censura tanto mais justificada quanto, nalgumas áreas, foi mais longe que a própria direita, como é o exemplo das propostas, (da sua proposta), de alterações ao Código do Trabalho.
Propostas que incorporam três velhos objectivos do poder económico: poder despedir quando, como e quem quiser, garantindo, na retaguarda, a existência de um exército de desempregados; liquidar o conceito do horário de trabalho para intensificar a exploração e aprisionar a vida profissional, familiar e social do trabalhador; decidir com ausência de regras, liquidando direitos históricos plasmados na contratação colectiva!
No seu melhor estilo, procura adocicar e cobrir as malfeitorias com falsas medidas de combate à precariedade. Cobra mais um pouco de taxa aos abusadores - é verdade! - mas legitima o abuso. Aos que se limitam a cumprir a lei, sai-lhes um prémio à custa do orçamento da segurança social. Para os reformados e os desempregados, é «rapar o bolso»! Para o patronato que cumpra a lei, o Governo cria-lhe uma nova área de negócio.
Aliás, se o Governo tivesse uma posição séria neste combate à precariedade, começava ele próprio a corrigir os abusos do Estado, tratava de repor a justiça e a legalidade na situação de 8000 bolseiros e de milhares de trabalhadores com recibos verdes existentes na Administração
Pública!
Mas, numa síntese crua, um testa-de-ferro de um grupo económico afirmava recentemente que até se poderia reduzir os contratos precários, se se pudesse despedir livremente.
Ou seja, pôr todos os trabalhadores sob o cutelo do despedimento, da insegurança e transformar a precariedade em lei geral.
Sr. Presidente, verifico que o meu tempo está prestes a esgotar-se, por isso peço-lhe um minuto de tolerância.
(...)
Esta moção de censura comporta uma dimensão política mas visa também veicular a revolta, a angústia, o descontentamento e a luta que hoje grassam em muitos sectores da sociedade portuguesa.
Um minuto mais para transmitir que, como acontece a todos vós, com certeza, recebi uma carta de um cidadão de Viana do Castelo, um reformado, que me envia uma cópia de um documento da Caixa Nacional de Pensões em que se afirma que iria receber 221 € de pensão; este mês, seguiu-se-lhe um vale dos CTT e, afinal, a reforma é de 204 € - é mais um caso a juntar a tantos outros!
Permitam-me que leia o último parágrafo desta mesma carta, singela, rudimentar em termos ortográficos:
«Também peço ao senhor, se alguma vez falar nisto na Assembleia, pode dizer que a carta é de Viana do Castelo mas não mencione o meu nome nem a morada, porque tenho vergonha de saberem quanto tenho de pensão».
Vergonha?! Não tenha, cidadão! Vergonha devia ter este Governo por cometer tanta injustiça social em relação aos portugueses!
Vergonha não devem sentir os cidadãos! Devem sentir que há possibilidade de, um dia, isto mudar para melhor, um Portugal onde seja bom viver.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Pode dizer-se que «falhou o tiro».
Acabou por tentar afunilar, e talvez isto justificasse, só por si, as alterações ao Código do Trabalho. Porém, fizemos uma censura política no plano económico, no plano social, tendo em conta esta realidade que vivemos. E sobre isto nada, houve aqui um «silêncio de chumbo» em relação a matérias que preocupam os portugueses.
Mas, mesmo assim, em relação às questões relacionadas com o Código e independentemente de outras intervenções da minha bancada, gostaria de lhe dizer que é preciso ter «lata», Sr. Primeiro-Ministro. Há uma proposta com um autor material, que é o Governo, que «atirou a pedra e agora esconde a mão». Atira para a concertação social aquilo que sabe, à partida, ter, naturalmente, o apoio do Governo e das entidades patronais.
Sabe qual vai ser o resultado final, Sr. Primeiro-Ministro? Então, as virtualidades da concertação social estão em que, neste momento, o senhor define uma matriz fundamental, que certamente não permite alterações em relação às três questões centrais colocadas, e, depois, põe-se com um ar cândido a dizer que a concertação social vai resolver o problema?!
Se quisesse resolver o problema, então, tinha em conta, quanto muito, bases de trabalho, propostas que surgissem. Mas não, assume a sua proposta, que, no essencial, recebe o aplauso das entidades patronais!
Mas «falhou o tiro». Nós queremos discutir a situação do País; o Sr. Primeiro-Ministro não quer. Quando, há poucas semanas, fez um exercício de autopropaganda de celebração dos três anos do Governo, o senhor disse, designadamente, que se fechou o ciclo dos sacrifícios, das dificuldades.
Diga lá como, Sr. Primeiro-Ministro! Vai aumentar e valorizar as pensões e reformas? Vai valorizar os salários? Vai desenvolver o nosso aparelho produtivo e a nossa produção nacional? Vai resolver este problema do aumento dos preços? Diga lá como! Não basta a propaganda, é preciso provar! Estamos à espera dessa resposta.