Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"O governo para a realidade com os olhos dos banqueiros e dos grupos económicos"

No debate quinzenal realizado hoje na Assembleia da República, o Secretário-Geral do PCP afirmou que o governo vangloria-se com as suas políticas ao mesmo tempo que o desemprego aumenta em níveis brutais, a emigração volta a assombrar os portugueses, a pobreza dispara e retrocede-se a todos os níveis, como na cultura, na ciência, no poder local, na educação e na saúde, nos serviços públicos, nos direitos fundamentais dos portugueses.
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Debate quinzenal com o Primeiro-Ministro, sobre a conclusão do Programa de Assistência Económica e Financeira

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Estava a ouvi-lo e fiquei vivamente impressionado porque o que apresentou aqui, na Assembleia da República, foi um balanço de contabilidade, não fazendo um balanço da realidade destes últimos três anos.
Para o Sr. Primeiro-Ministro é tudo um êxito e, no entanto, basta ver o que se passa no País.
Só pode ser um êxito para quem, com ligeireza, silencia o facto de ser brutal o desemprego que hoje atinge particularmente os jovens.
Tal como na emigração, só pode ser um êxito para este Governo e para este Primeiro-Ministro o facto de, nestes três anos, ter aumentado o número de pobres ou de pessoas em risco de pobreza, ou seja, cerca de meio milhão.
Só pode ser um êxito para aqueles que, como o Sr. Primeiro-Ministro, se recusam a reconhecer que o País, hoje, está mais injusto, mais desigual, mais atrasado, mais endividado e com menos independência.
É por isso que esse discurso, esse balanço de contabilidade que aqui fez me impressionou. Só pode falar assim quem, por exemplo, passa por cima de retrocessos impostos na cultura, na investigação, na ciência, no poder local, nos serviços públicos necessários ao bem-estar e às necessidades das populações, seja na saúde, seja na segurança social, seja na educação.
Sr. Primeiro-Ministro, quero dizer-lhe, com grande franqueza, que o senhor e o seu Governo olham para a realidade com os olhos dos banqueiros, dos grandes grupos económicos, desses 25 grandes que aumentaram as fortunas neste período de três anos.
O Sr. Primeiro-Ministro, durante a sua intervenção a anunciar o fim do programa de entendimento, usou uma expressão chocante. Para os portugueses, para aqueles que foram profundamente fustigados, para aqueles que viram as suas vidas arruinadas, dizia com um ar de profunda satisfação: «Parabéns! Parabéns aos portugueses, que foram capazes de fazer tanto sacrifício!»
Sr. Primeiro-Ministro, dê os parabéns a quem ganhou com a sua política, não dê os parabéns àqueles que sentem na pele o resultado desta política. Eles não querem parabéns, eles gostariam, Sr. Primeiro-Ministro, é que lhe devolvesse o que lhes foi extorquido à força, nos salários, nas pensões e nos direitos.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
De facto, havia uma coisa que nunca faríamos, que era ir aos salários, às reformas e às pensões daqueles que trabalharam uma vida inteira com base na confiança de que teriam uma reforma, de que teriam uma pensão justa. Nunca iríamos aos direitos dos trabalhadores. Para isso, não conte, nunca, com o PCP! E essa é uma diferença substancial.
O Sr. Primeiro-Ministro nunca conseguiu explicar como é que os «coitadinhos» dos ricos, que foram tão explorados com tantos impostos, conseguiram aumentar as suas fortunas!
Explique lá a contradição, Sr. Primeiro-Ministro.
Ou considera ricos os trabalhadores da Administração Pública?! Ou considera ricos aqueles que descontaram uma vida inteira e que, justamente, deveriam merecer a reforma, a pensão?!
E quanto à questão dos parabéns, Sr. Primeiro-Ministro, ficou no ar a ideia de que foram os parabéns dados pelo agressor aos agredidos, porque, com essa satisfação que revelou, demonstrou, de facto, uma grande insensibilidade em relação a essa matéria.
Mas falemos do futuro, então. Falemos do futuro!
Ó Sr. Primeiro-Ministro, foi o PCP que inventou que aqui, nesta tribuna, o Primeiro-Ministro disse que os cortes nas pensões, as taxas aplicadas às reformas e pensões eram temporárias? Fomos nós que inventámos isto? Então, os senhores não preveem transformar aquilo que, por exemplo, era contribuição extraordinária em contribuição ordinária e permanente? Não foi o Sr. Primeiro-Ministro que disse que não iria haver mais aumento de impostos, que não iria haver mais cortes nos salários? E, no entanto, aqui está: o aumento do IVA, o aumento da taxa social única e a novidade de hoje em relação à contratação coletiva. No mesmo dia em que diz que não vai cortar nos salários dos trabalhadores, o Governo apresenta uma proposta de liquidação da contratação coletiva em que, no essencial, os rendimentos, os direitos e as regalias que ali estão acordados, negociados entre as partes, vão caducar, ou seja, os trabalhadores vão ver mais um golpe nos seus rendimentos.
Explique lá como é que isso é possível, Sr. Primeiro-Ministro! Ou então, afinal, confirma-se que este Governo diz uma coisa hoje e diz outra amanhã.
É um Governo que não merece, de facto, a confiança dos portugueses.
(…)
Sr. Presidente,
Vou ser muito rápido, Sr. Presidente.
Com franqueza, Sr. Primeiro-Ministro! Então, estão a defender a caducidade dos contratos coletivos e todo o acervo de direitos que essa contratação comporta e diz-nos agora que vem dinamizar?! Não se pode dinamizar um morto, Sr. Primeiro-Ministro!
Nesse sentido, este ataque à contratação coletiva vai verificar-se claramente, mas esperemos que os trabalhadores impeçam a sua concretização.
Queria deixar-lhe uma preocupação. Veio aqui anunciar o fim da presença da troica, o fim do Memorando de Entendimento. Pois decidiram, tendo em conta as eleições no dia 25 de maio, que essa troica, que vai estar em julgamento no dia 25 de maio através do voto dos portugueses, venha a Portugal, curiosamente só nesse dia, fazer uma conferência que, inevitavelmente, significará pressão e cuja presença, por si só, já demonstra alguma arrogância.
Vejo a sua cara de espanto, Sr. Primeiro-Ministro. Acha isto natural? Acha natural que essas instituições venham, como juízes em causa própria, tentar influenciar o resultado eleitoral? Como Primeiro-Ministro deveria esclarecer e clarificar esta situação.
Por último, Sr. Primeiro-Ministro, devo dizer-lhe que continuo com esta sensação tremenda de que continua a fazer operações de contabilidade, sempre escamoteando e desprezando a realidade. Só que essa realidade, um dia, há de sobrepor-se e pode ser que este Governo, no dia 25 de maio, sofra mais um abalo profundo. Não faça contas até 2015 ou até 2020, pois pode ser que o povo português lhe troque as voltas.

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