Intervenção de Carla Cruz na Assembleia de República

"Governo não quer afrontar o grande capital que tem lucrado com as PPP's"

(projeto de resolução n.º 1051/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O projeto de resolução apresentado pelos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS, que hoje aqui discutimos, não faz qualquer referência às PPP da saúde, pese embora o peso destes contratos no Orçamento do Estado, onde só para 2014 estão previstos encargos no montante de 418 milhões de euros.
As PPP do setor da saúde não têm apenas impactos negativos a nível do erário público. A gestão privada das unidades de saúde tem consequências muito nefastas para os utentes e para os profissionais de saúde, consequências que são bem visíveis nestes cinco anos de vigência da PPP do hospital de Braga: a não dispensa de medicamentos a doentes oncológicos e a doentes com HIV/SIDA; o adiamento de cirurgias pré-programadas; tempos de espera demasiado longos no serviço de urgência; a tentativa de impor o fim do contrato em funções públicas aos trabalhadores e, por conseguinte, o fim do vínculo à função pública; a redução drástica dos profissionais nas diversas equipas e turnos; a obrigatoriedade de pagamento de parque de estacionamento aos utentes e profissionais.
Bem sabemos as razões pelas quais os partidos da maioria não fazem qualquer referência a estas consequências e aos custos para o erário público e para a saúde dos portugueses.
São as razões de ordem ideológica que os levam a escamotear tais consequências — aliás, aqui confirmadas pelo Sr. Deputado Sérgio Azevedo. Fazem-no porque o PSD e o CDS, apesar de toda a encenação que têm vindo a fazer de ataque às PPP, sustentam e defendem que o rumo que o Governo deve seguir é a privatização dos setores estratégicos e das funções sociais do Estado. Tais orientações estão plasmadas neste projeto de resolução.
Os partidos da maioria falam da transparência, mas, no essencial, este projeto de resolução serve apenas para escamotear a realidade e para justificar o aprofundamento de uma política de benefício dos grandes grupos económicos, propondo com este projeto condições para que haja mais PPP.
No relatório do Tribunal de Contas de 2013, é afirmado que o hospital de Braga foi multado em cerca de 4,3 milhões de euros por violação do (e cito) «cumprimento das obrigações de serviço público», sendo dito também que foram perdoados mais de 2 milhões de euros à concessionária. Porém, o acordo conciliatório não foi tornado público.
Em 2011, a concessionária do hospital de Braga foi multada na sequência do relatório de monitorização realizado pelo gestor do contrato, por falta de pessoal e consequente recusa de atendimento de mais de uma centena de doentes, que tiveram de ser encaminhados para os hospitais do Porto.
Ora aqui está um belo exemplo entre a demagogia propalada pelo Executivo e pelos partidos que o suportam acerca do rigor aplicado na governação.
Rigor que apenas é aplicado quando se trata de cortar direitos aos trabalhadores e ao povo.
A PPP do hospital de Braga demonstra bem que a questão central, no que respeita às PPP, não é a de mais transparência, mais rigor, um maior acompanhamento ou a existência de técnicos no Estado mais bem preparados ou com mais experiência neste tipo de contratos, como propõem o PSD e o CDS-PP.
O que deveríamos estar hoje aqui a discutir não são os «procedimentos para a promoção da transparência», como está proposto no projeto, mas, sim, a renegociação dos contratos de PPP, com vista à reversão para o Estado de todas as infraestruturas atualmente geridas em regime de PPP.
Mas isto não é do interesse da maioria nem do Governo PSD/CDS-PP, porque não querem afrontar o grande capital, que tem lucrado com as rendas e as taxas de lucro excessivas das PPP.

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