No debate quinzenal realizado hoje na Assembleia da República, o Secretário-Geral do PCP confrontou o governo com as políticas de destruição do país e a continuação do programa de roubo dos salários, pensões e reformas e do empobrecimento generalizado do povo português.
Sr.ª Presidente, muito obrigado.
Mas também se percebe este barulho. É sempre a mesma coisa. A minha galinha é sempre pior que a da minha vizinha. Assistimos sempre a esta discussão entre o PS e o PSD. Nunca mais saímos daqui. Ao fim de 37 anos, é muito tempo!
Nestes últimos tempos — e falamos para o Governo, que é o Governo concreto que temos —, e hoje, aqui, temos vindo a assistir, com um certo espanto, às declarações do Sr. Primeiro-Ministro e de membros do seu Governo que, se levadas a sério, e se não houvesse eleições, diríamos que estávamos perante uma mudança de agulha na orientação do Executivo.
«Prioridade às políticas sociais já no imediato pós-troica» — creio que foi isto que foi dito. Já agora, Sr. Primeiro-Ministro, quer esclarecer o que é essa coisa em concreto? Ou foi apenas um impulso para travar o impacto daquele relatório do INE que demonstrava que, hoje, cerca de 2 milhões e 500 mil portugueses estão numa situação de pobreza ou em risco de pobreza? Mas explicará.
Anunciou também a abertura à negociação do aumento do salário mínimo nacional. Hoje, surpreendentemente, veio aqui dizer «não podemos, porque a troica não deixa, porque está lá escrito…»! Então, não sabia isso antes de fazer essa declaração pública, Sr. Primeiro-Ministro?!
Disse o Sr. Primeiro-Ministro que vai haver diminuição dos impostos sobre os rendimentos do trabalho em 2016. Nessa data julgo que já não estará cá, pelo menos sentado nesse lugar, e disse também que não vai haver cortes adicionais…
Sr. Primeiro-Ministro, eu quis dizer que já não estará cá sentado nesse lugar. Não lhe desejo mal nenhum, a não ser, obviamente, a sua demissão e a sua derrota, mas isso é natural.
Queria lembrar que estas questões e estas promessas de repente caíram por terra porque vem aí o FMI. E na décima primeira avaliação da troica qual é a perspetiva do FMI? É essa pergunta que também gostaria de fazer ao Sr. Primeiro-Ministro. Que compromisso é que assumiu com o FMI? É que se não o fizer julgo que tenho o direito de interpretar que existe um jogo duplo por parte do Governo, ou seja, negoceia com o FMI e com a União Europeia uma coisa e publicamente vem dizer aos portugueses outra coisa, totalmente diferente.
Nesse sentido, verificamos que, resultado do relatório do INE e dessas orientações, vai haver cortes nos salários, nas pensões e nas reformas e que estão a preparar como definitivo aquilo que era provisório e que o Sr. Primeiro-Ministro declarou, dessa tribuna, que seria temporário.
É também verdade ou não que, nessas negociações, está prevista a liquidação da contratação coletiva? Isto tem a ver com rendimentos e direitos dos trabalhadores! Era importante esse esclarecimento.
E pergunto-lhe ainda se, sim ou não, negociou, aceitou reduzir escandalosamente as indemnizações em caso de despedimento ilegal. Isso está ou não negociado? É que é a partir desta clarificação, Sr. Primeiro-Ministro, que temos de entender se este Governo assinou, subscreveu ou pactuou com o FMI medidas profundamente gravosas para os trabalhadores, os reformados e os pensionistas.
A propósito de reformados e pensionistas, para além desta medida de continuação dos cortes, pergunto se é ou não verdade que vai condicionar as reformas e as pensões à chamada evolução económica e demográfica do País. Sabe o que é que está a dizer, Sr. Primeiro-Ministro? Está a dizer aos atuais e futuros reformados e pensionistas que nunca mais vão saber com que reforma vão ficar no final das suas vidas de trabalho. Não só lança a injustiça, como também a incerteza e a insegurança.
Sr. Primeiro-Ministro, é ou não verdade aquilo que eu disse agora, neste momento?
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Serve-nos pouco de consolo essa transparência. O nosso problema é a concretização dessas medidas, que acabam por atingir aqueles que trabalham ou trabalharam a vida inteira. Esse é que o problema, Sr. Primeiro-Ministro.
De facto, vivemos em dois mundos diferentes. O Sr. Primeiro-Ministro valorizou a política de apoios sociais e até falou da saúde. Então, Sr. Primeiro-Ministro, não ouviu as notícias de hoje, por exemplo, que davam conta de que no Hospital de Santa Maria se esgotaram medicamentos para a aterosclerose por falta de stock? Não ouviu a notícia de que no IPO (Instituto Português de Oncologia) os médicos não puderam operar porque não tinham batas? Temos conhecimento de muitos hospitais que não têm seringas, sem meios básicos para realizar as suas funções!
Vai dizer-me: «Pois,…»… Mas reduzimos os custos à custa de quê e à custa de quem, Sr. Primeiro-Ministro? É por isso que vivemos, de facto, em mundos diferentes.
Que apoios sociais são esses quando se sabe que metade dos desempregados não têm nenhum apoio social, Sr. Primeiro-Ministro? E como é que justifica a bondade da sua política quando hoje, em Portugal, temos mais de 2 milhões e 500 mil portugueses pobres ou em risco de pobreza e em que há quem trabalhe e tem de ir para uma fila pedir alimentos, porque o dinheiro não chega para nada, ou seja, são explorados e empobrecem?
Por isso, temos, de facto, dois mundos diferentes. Mas deixe que seja a realidade a decidir por nós. E a realidade é bem diferente daquilo que aqui disse.