O PCP confrontou hoje o Primeiro Ministro no debate quinzenal na Assembleia da República com as sucessivas medidas, alterações à legislação laboral, aumento brutal dos transportes, nomeações para a CGD, cortes nos apoios sociais, que acentuam o caminho de afundamento do país e de agravamento das condições de vida do povo português.
Debate com o Primeiro-Ministro sobre os 30 dias do Programa do Governo
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Quem tem participado muito nestes debates receia que a história se repita.
O seu antecessor veio muitas vezes aqui, ao debate, sustentado na ideologia das inevitabilidades, exercitando a ideia dos sacrifícios equitativos, justificar as medidas contra os do costume e, simultaneamente, anunciar os amanhãs que nunca chegaram.
Neste balanço de 30 dias do Governo, creio que algumas matérias são um claro indício que, também aqui, mudou o Primeiro-Ministro, mudou o Governo e, no essencial, o rumo, o caminho e a política vão ser os mesmos.
Façamos, no entanto, a síntese da acção deste Governo.
Primeiro, a afirmação já sabida, a jura permanente de ser um fiel executor do programa da tróica; segundo, a decisão de cortar uma grande talhada no subsídio de Natal aos trabalhadores e aos reformados e pensionistas; terceiro, o aumento brutal do preço dos transportes; quarto, a alteração da legislação laboral para despedir mais fácil e mais barato; quinto, mesmo não estando previsto e ao contrário do que o Sr. Primeiro-Ministro disse e redisse em campanha eleitoral, no sentido de que procuraria reduzir os membros das administrações das empresas públicas para três, o aumento para 11 dos administradores da Caixa Geral de Depósitos.
Tudo sob o manto da ideologia das inevitabilidades e da falaciosa tese da austeridade e dos sacrifícios equitativos.
Pela voz do Sr. Ministro das Finanças perante os banqueiros, ficámos a saber que a divisão entre o capital e o trabalho já não existe, que a economia vai continuar a andar para trás, que o desemprego vai aumentar e que o desígnio supremo do Governo é dar estabilidade à banca. Foi dito assim, mais palavra menos palavra.
Perante os factos — e esta é a síntese que se pode fazer em relação à acção do Governo —, vamos às perguntas.
Sr. Primeiro-Ministro, como a explicação que deu não chega, qual o fundamento que o levou a passar de 7 para 11 os administradores da Caixa Geral de Depósitos?
Não se reclama que peça desculpa, mas que explique bem o significado desta medida.
Depois de tanto anúncio, depois de tanta declaração, depois de tanta necessidade de moralismo, afinal, aqui aparece o aumento de 7 para 11 dos administradores da Caixa, precisamente no momento em que, segundo os objectivos da tróica e do Governo, se tende a privatizar uma parte substancial da Caixa Geral de Depósitos, particularmente a parte rentável, que é o sector segurador. E nesta matéria tem sempre de se ter cuidado com a promiscuidade, porque alguns desses administradores são oriundos, precisamente, de empresas privadas interessadas nessa área de negócio.
Nesse sentido, peço-lhe, em primeiro lugar, que, para além da concepção anglo-saxónica que serve para o que serve, explique, depois das afirmações feitas, o que o levou a alterar radicalmente a sua posição.
Quanto à legislação laboral, Sr. Primeiro-Ministro, dizia ontem o Sr. Secretário de Estado –- visto que o Governo não se dignou, sequer, mandar aqui o Ministro para discutir uma questão tão importante — que a medida que propõem é para criar mais emprego. No entanto, o Sr. Ministro das Finanças utilizou a expressão (que também poderia ser do Memorando da tróica) «o desemprego vai aumentar». Assim, considerando que o Sr. Secretário de Estado veio dizer que a medida é para aumentar o emprego, pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro: quem é que está a mentir e quem está a falar verdade? Ou será que esta medida é apenas para embaratecer os despedimentos, chegando ao cúmulo de se perspectivar já que sejam os trabalhadores, através de um fundo, a pagar o seu próprio despedimento?
Esta medida tem alguma coisa de justiça social, Sr. Primeiro-Ministro? No conflito e no confronto de interesses entre os trabalhadores e o poder económico, a nossa Constituição faz uma opção: põe-se do lado dos trabalhadores. Este Governo põe-se do lado do capital, dos patrões, ao contrário da matriz constitucional, do que está consagrado na lei fundamental.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
De facto, relevou, nesta parte final da sua intervenção, uma concepção de fundo, que foi a de tratar de igual forma aquilo que é diferente, procurando estabelecer uma relação de forças idêntica entre quem tem o poder económico e quem vive dos rendimentos do seu trabalho.
Ora, trata-se de uma concepção deste Governo e do partido que o apoia.
Porém, Sr. Primeiro-Ministro, insisto que não é o que diz a Lei Fundamental. Para além da questão da justiça social, para além dessa brutalidade que é pensar que o Sr. Belmiro está em condições idênticas à trabalhadora da Caixa, é uma mistificação tremenda que se procura impor neste debate.
O Sr. Primeiro-Ministro já fez o balanço destes 30 dias e notou, com certeza, que houve uma parte que pagou, a quem o Governo cobrou dolorosamente: os trabalhadores, os reformados, os pensionistas, aqueles que vivem dos rendimentos do seu trabalho.
Quando dizia que os portugueses queriam saber, depois deste sacrifício suplementar, que medidas o Governo estava a tomar, o Sr. Primeiro-Ministro não explicou que, por exemplo, os lucros e os dividendos continuam intocáveis.
Veja lá a ironia do destino, Sr. Primeiro-Ministro: no dia em que isso se afirmava, havia uma estatística que declarava que, apesar desta crise em Portugal, os mais ricos ficaram mais ricos, apesar desta crise.
A estatística era clara. Obviamente, a culpa não é sua! Possivelmente é de governos anteriores do PSD, sem dúvida, e do PS e do CDS, naturalmente. Mas também não ponha o conta-quilómetros a zero, porque o seu partido tem responsabilidades na situação em que vivemos, conjuntamente com o Partido Socialista, obviamente!
Que medidas é que toma para que o tal sacrifício seja equitativo?
Quanto ao aumento brutal dos transportes, o Sr. Primeiro-Ministro considera pouco? Quem é que anda nos transportes públicos? Fundamentalmente, quem trabalha e, também admito, reformados e pensionistas. Então, esta medida não vai implicar redução de rendimentos das famílias, particularmente dos trabalhadores?
Muitos trabalhadores vão ter, em termos de passe social ou em termos do título de transporte, dificuldades em deslocar-se. Isso foi considerado? Isso não é atirar as pessoas, por exemplo, para o transporte privado, para o transporte próprio, deixando-as sem alternativa?
E quando vier o aumento das taxas moderadoras, quando vier o aumento do preço dos medicamentos, vamos ver como é que o senhor vai explicar que poupou os mais pobres, os mais vulneráveis, da sociedade. Quem é poupado é, fundamentalmente, quem vive dos seus rendimentos.
Sr.ª Presidente, 10 segundos para alertar o Sr. Primeiro-Ministro para o facto de a ruptura social de que fala estar já a acontecer, tendo em conta que esta política está a infernizar a vida de milhões de portugueses.