Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

"O Governo, a dita saída da troica e o novo roubo dos salários"

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Declaração política insurgindo-se contra mais alterações ao Código do Trabalho, nomeadamente aos contratos coletivos, que conduzam à baixa de rendimentos dos trabalhadores

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O que ontem era verdade, hoje é mentira. O que, a pés juntos, juraram que não era, afinal, passados poucos dias ou meses, já é. A saída, que era limpa, afinal, é tudo menos limpa e não é saída nenhuma.
Este Governo de desgraça nacional, do PSD e do CDS, com a conivência do Presidente da República, usa e abusa da artimanha, da dissimulação, do engano e da trapacice para, tentando enganar os portugueses, manter aquilo que desde o primeiro momento foi o seu programa político: empobrecer a maioria para engordar meia dúzia.
Há cerca de seis meses atrás, o Ministro do Emprego, Pedro Mota Soares, do CDS, referindo-se ao ajustamento salarial no setor privado, declarou solenemente: «já foi feito». Mais informou que tinha manifestado total discordância com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que insiste numa maior flexibilização laboral em Portugal.
Disse o Sr. Ministro: «Objetivamente, há uma diferença de opinião entre o Governo e o FMI na matéria do mercado laboral. O Governo português considera que o ajustamento, nomeadamente no setor privado, já foi feito e considera que não é modelo de desenvolvimento em Portugal um modelo assente em salários baixos».
Olhando para o futuro, cito novamente o Sr. Ministro, dizia: «o setor privado em Portugal já fez um conjunto de ajustamentos»; «o tempo agora é de crescimento da economia, de recuperação de postos de trabalho e de motivação dos trabalhadores».
Mas há mais: o Ministro, irrevogavelmente demissionário, e, em menos de 48 horas, promovido a Vice-Primeiro Ministro, Paulo Portas, fez questão de afirmar publicamente que «nesta matéria há discordância, quando à evidência e circunstância. O setor privado já reajustou nos últimos anos e queremos demonstrar que assim é».
Depois, veio o Primeiro-Ministro, Passos Coelho dizer, há menos de cinco meses, que as empresas privadas reduziram, «em termos nominais, cerca de 11% do valor dos salários» e disse que o Governo não pretende «um modelo de desenvolvimento assente em baixos salários», recusando, assim, a ideia de que iria baixar, ainda mais, os salários dos trabalhadores do setor privado.
Dando o dito por não dito, fazendo o contrário do que recentemente afirmaram ser a sua posição, o Governo anunciou mais uma alteração ao Código do Trabalho, que visa destruir a contratação coletiva de trabalho e reduzir rapidamente os salários dos trabalhadores do setor privado.
Com esta alteração ao Código do Trabalho, o Governo pretende reduzir os prazos de caducidade dos contratos coletivos e impedir que, fruto dessa caducidade, os direitos conquistados pelos trabalhadores transitem dos contratos coletivos para a esfera individual do trabalhador, como atualmente acontece.
No fundo, o Governo PSD/CDS quer acelerar e facilitar a caducidade dos contratos coletivos de trabalho e impedir que direitos, como os prémios de assiduidade, o subsídio de turno, o pagamento acrescido do trabalho noturno, a isenção de horário de trabalho ou cláusulas que compensem a penosidade, subsistam para os trabalhadores que os conquistaram.
A serem aprovadas, estas novas alterações ao Código do Trabalho representam uma redução muito significativa dos salários dos trabalhadores do setor privado, agravando, assim, a já gritante exploração dos trabalhadores portugueses.
Fica assim provado que todas as declarações de que não iriam reduzir mais os salários do setor privado, de que o ajustamento estava feito, de que o modelo de desenvolvimento não era de baixos salários, eram «para inglês ver».
Esta nova alteração ao Código do Trabalho, para além de ser mais uma declaração de guerra aos trabalhadores, visando a redução de salários e a liquidação de direitos, constitui também mais um feroz ataque aos sindicatos e ao papel que cumprem na defesa dos trabalhadores.
O Governo quer amordaçar e destruir os sindicatos, não só para vingar o facto de terem sido importantes obreiros da luta que conduziu esta maioria PSD/CDS ao isolamento político e social mas, sobretudo, pelo papel que os sindicatos não deixarão de assumir na defesa dos direitos e conquistas dos trabalhadores que o Governo e a política de direita pretendem ver arrasados.
Esta política e esta proposta em concreto só podem ser defendidas contra a Constituição. O direito à contratação coletiva é dos sindicatos, pelo que não é possível, por via de uma lei, atacar a validade dos contratos livremente negociados e assinados pelas partes, nem tão pouco é legítimo ou aceitável que se retire os direitos conquistados pelos trabalhadores.
A defesa da contratação coletiva faz-se no plano concreto e não apenas nas palavras, como aconteceu quando o PCP propôs o fim da caducidade ou a reposição do princípio do tratamento mais favorável.
Esta proposta de lei, juntamente com o Documento de Estratégia Orçamental, com os cortes nos salários na Administração Pública, por via da tabela única e dos cortes nos suplementos, com os cortes das prestações sociais, com o aumento do IVA, com os cortes nas reformas, com o aumento da taxa social ÚNICA, que tira rendimento a todos os trabalhadores, confirma que o Governo pretende continuar o saque aos rendimentos de todos os trabalhadores e reformados do nosso País.
O Governo, o PSD e o CDS-PP, usam a troica, o défice e a dívida, que não para de aumentar, como alibi para promover aquele que é o seu verdadeiro objetivo e programa político: concentrar cada vez mais a riqueza nacional em meia dúzia de grandes grupos económicos e servir os seus interesses.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não se salva o País cortando salários e atirando cada vez mais pessoas para a pobreza. Não se reduz a dívida provocando a recessão, a emigração e o desemprego.
O Governo, o PSD e o CDS podem dizer as vezes que quiserem que o empobrecimento, os cortes nas reformas ou a exploração visam salvar o País, mas a verdade é que o desemprego, a fome, a emigração, a exploração e as reformas de miséria afundam o nosso País, não o salvam.
Bem pode o Primeiro-Ministro, Passos Coelho, falar de saída limpa. Bem pode o Vice Primeiro-Ministro, Paulo Portas, falar do «fim do protetorado» e de «recuperação da soberania», querendo fazer desaparecer a assinatura do CDS e do PSD do documento de traição nacional chamado Memorando de Entendimento, a verdade é que os PEC e a troica não só não se foram embora como a troica, o Governo PSD/CDS e a política de direita são inseparáveis.
Só há uma saída limpa para o nosso País, que é a derrota deste Governo e da política de direita para, com a vontade e força do povo, como propõe o PCP, consagrar os valores de Abril no futuro de Portugal.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Para além de agradecer a pergunta da Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, queríamos fazer aqui o registo público do silêncio da troica nacional, PS, PSD e CDS. Sobre uma questão verdadeiramente central para os trabalhadores portugueses, que é discutir os seus salários, os direitos, o futuro da contratação coletiva, regista-se o silêncio conivente com este ataque que está a ser feito à contratação coletiva.
Mais: daqui reafirmamos que é a altura de assumir os compromissos, de assumir de que lado é que efetivamente estamos nesta matéria, e o PCP reafirma, aqui, que propõe o fim da caducidade dos contratos coletivos de trabalho, propondo também a reposição do princípio do tratamento mais favorável, porque essas são as questões centrais. Não são palavras, são as questões centrais da defesa da contratação coletiva de trabalho, e isso não foi assumido.
A Sr.ª Deputada disse, e bem, que a peça central deste ataque à contratação coletiva são os sindicatos, mas são, essencialmente, no plano imediato, os salários. Nessa matéria, temos um Governo profundamente empenhado, dando o dito por não dito, fazendo precisamente aquilo que há cinco meses dizia que não ia fazer, tendo assumido uma postura de ataque, de novo ataque aos salários do setor privado.
Há cinco meses, o Sr. Primeiro-Ministro dizia que o setor privado já fez o ajustamento — 11% de corte nos salários. Bom, pelos vistos, esse corte não chega e, por via da contratação coletiva, vem aí um novo corte.
Vou até dar aqui um exemplo, que já dei, que é público, veio num site da CGTP, que tem a ver com o contrato coletivo de trabalho do setor têxtil e do vestuário, em que a associação patronal visa a caducidade do contrato coletivo de trabalho. As consequências serão desastrosas num setor que tem salários extremamente baixos, em que os pequenos acréscimos salariais se conseguiam por via do contrato coletivo de trabalho. Ora aqui está a ameaça pendente sobre os direitos dos trabalhadores, com a conivência do Governo a facilitar a caducidade e, mais, a impedir que os direitos conquistados transitem para a esfera individual dos trabalhadores, e eles são significativos neste setor populacional.
Percebe-se que aqui o objetivo do Governo é, mais uma vez, …
O Governo PSD/CDS-PP não serve a maioria do povo português, serve os interesses de meia dúzia de grandes grupos económicos e associações patronais que querem agravar a exploração e concentrar a riqueza em meia dúzia.
É evidente que a resposta terá de ser, como foi no passado e será no futuro, dada pelo povo português: é a luta para derrotar imediatamente este Governo e impor uma alteração profunda na política nacional, conquistando os valores de Abril no futuro do nosso País.

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