Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"O governo continua a tirar aos trabalhadores para dar à banca e aos grupos económicos"

No debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2014, Paulo Sá afirmou que o governo vem hoje repetir neste debate, a encenação dos orçamentos anteriores, usa o défice para continuar a impor a austeridade sobre austeridade, dirigida contra os mesmos, os trabalhadores e o povo português.

Aprova o Orçamento do Estado para 2014
(proposta de lei n.º 178/XII/3.ª)
Aprova as Grandes Opções do Plano para 2014
(proposta de lei n.º 177/XII/3.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Primeiro-Ministro,

Qual é o plano que tem escondido e que pretende aplicar, quando se verificar o incumprimento dos objetivos orçamentais? Faço-lhe esta pergunta, Sr. Primeiro-Ministro, porque é uma evidência que os objetivos orçamentais não serão cumpridos.

No Orçamento do Estado para 2014, o Governo estabelece uma meta para o défice de 4%. É uma previsão demasiado otimista, mesmo irrealista. O Sr. Primeiro-Ministro sabe, o Governo sabe, a troica sabe que esta meta para o défice não será atingida. Aliás, nos últimos dois anos e meio, as metas do défice nunca foram cumpridas, apesar das sucessivas revisões em alta.

Veja-se, por exemplo, Sr. Primeiro-Ministro, o que aconteceu este ano.

Inicialmente, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2013, há exatamente um ano, o Governo definiu 4,5% como objetivo para o défice. Passado uns meses, em maio, teve que reconhecer e negociar com a troica um novo valor de 5,5%.

Mas mesmo este valor, Sr. Primeiro-Ministro, não será atingido. Em setembro, com a apresentação do Orçamento retificativo, o Governo acabou por admitir que este ano o défice ficará nos 5, 8%, ou seja, igual ao de 2012.

Entretanto, Sr. Primeiro-Ministro, o Governo utilizou o défice como um pretexto para impor, durante este ano de 2013, mais um brutal pacote de austeridade.

O Governo vem hoje, aqui, repetir a encenação. Apresenta uma meta para o défice de 4%, sabe que esta meta não será atingida, mas usa-a novamente como pretexto para continuar a impor a austeridade, austeridade sobre austeridade, dirigida sempre contra os mesmos, Sr. Primeiro-Ministro: os trabalhadores e o povo português.

O Governo, neste Orçamento, tal como nos anteriores, não teve em conta de forma adequada os efeitos recessivos das medidas de austeridade sobre a procura interna. O empobrecimento dos portugueses e o afundamento da economia acabarão por levar, tal como sucedeu nos anos anteriores, ao incumprimento do défice.

Na realidade, Sr. Primeiro-Ministro, o que o Governo pretende com toda esta encenação em torno do défice é continuar a política da troica para além de 2014, por um tempo indefinido. Pretende continuar a aplicar pacote de austeridade sobre pacote de austeridade, ano após ano, para concretizar uma velha aspiração da política de direita: reconfigurar o Estado à medida dos interesses, das necessidades e dos desejos da banca e dos grandes grupos económicos, sempre à custa da espoliação dos direitos e dos rendimentos dos trabalhadores e do povo português.

Sr. Primeiro-Ministro, chame-lhe o que quiser — segundo resgate, programa cautelar ou outro nome qualquer —, porque a intenção do Governo é clara. Depois do fim do pacto de agressão da troica, em julho do próximo ano, o Governo quer continuar a aplicar a política da troica sem a troica; o que pretende é continuar a tirar aos trabalhadores para dar à banca e aos grandes grupos económicos.

Sr. Primeiro-Ministro, o que se exige da sua parte é que fale verdade aos portugueses. Admita que o objetivo do défice para 2014 é irrealista; admita que já sabe que esse défice não será atingido; admita que já negociou com a troica o que vai fazer aos portugueses quando a meta do défice não for cumprida; admita que usa o défice apenas como um pretexto, ano após ano, para continuar a espoliar os trabalhadores dos seus direitos e rendimentos; admita que a política da troica que o senhor executa de forma tão diligente tem como objetivo a reconfiguração do Estado; admita, Sr. Primeiro-Ministro, que pretende continuar com a política da troica para além de 2014, seja através de um segundo resgaste ou através de um programa cautelar.

Admita, Sr. Primeiro-Ministro, que o Governo está ao serviço dos interesses da banca e dos grandes grupos económicos.

(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

A discussão que estamos a fazer não é de um Orçamento do Estado. Estamos a discutir o orçamento do BPI, do Banif ou do BCP, que, juntos, receberam nos últimos dois anos, diretamente pela mão do Estado, 5600 milhões de euros para a recapitalização e vão continuar a receber dinheiros públicos. Estamos a discutir os orçamentos dos grupos Sonae, Jerónimo Martins, Amorim, EDP, Galp ou Mota-Engil, que vão arrecadar mais umas centenas de milhões de euros com a reforma do IRC e beneficiar de regimes fiscais privilegiados.

Mas estamos também a discutir o sufoco de trabalhadores e reformados, atingidos com novos e acrescidos roubos de salários e pensões, com mais desemprego, pobreza e miséria. Estamos a discutir a agravada ruína de pequenos e médios empresários e a falência de mais alguns milhares de pequenas empresas. Por opção do Governo, a política orçamental é de fartura para alguns à custa do desastre e da miséria de outros.

Este é o pior Orçamento do Estado para os trabalhadores e as famílias desde a assinatura, há dois anos e meio, do pacto de agressão da troica. Com este Orçamento, o Governo agrava a opção de espoliar os trabalhadores e os reformados dos seus direitos e rendimentos para poder continuar a garantir os lucros e as rendas ao grande capital.

O Orçamento do Estado para 2014 agrava a linha de corte dos salários e das pensões, de redução ou mesmo eliminação das prestações sociais, de ataque ao Serviço Nacional de Saúde e à escola pública, de destruição e precarização do emprego e de aumento da carga fiscal sobre os trabalhadores e as famílias. Paralelamente ao Orçamento do Estado, correm outras iniciativas legislativas do Governo, visando o corte das pensões da Caixa Geral de Aposentações, através da designada convergência, e o despedimento de trabalhadores da Administração Pública, diretamente ou por intermédio da designada requalificação.

Se no Orçamento do Estado para 2013 a redução de salários e pensões foi consumada através de um «enorme» aumento da carga fiscal em sede de IRS — cerca de 3000 milhões de euros adicionais, relativamente ao ano anterior —, agora o Governo pretende impor um corte adicional de salários e pensões, ao mesmo tempo que mantém o saque fiscal dos trabalhadores e pensionistas.

Adicionalmente à brutal redução dos rendimentos de quem vive do seu trabalho, o Governo avança com novos cortes nas funções sociais do Estado, em particular na saúde (menos 848 milhões de euros do que em 2012) e na educação (menos 570 milhões de euros do que em 2012), cortes estes que acumulam aos já efetuados nos últimos anos. O Governo anuncia ainda a sua intenção de cortar mais de 1000 milhões de euros no investimento público, fazendo marcha atrás no desenvolvimento das infraestruturas, bens e equipamentos públicos, com consequências imediatas na degradação dos serviços prestados às populações, além de agravar o desemprego e condicionar fortemente o desenvolvimento do País.

Ao contrário do que a propaganda do Governo procura fazer crer, não há neste Orçamento do Estado — tal como não havia nos anteriores — qualquer repartição equitativa de sacrifícios entre o trabalho e o capital. Podemos mesmo afirmar que não há sequer distribuição de sacrifícios. Todos os sacrifícios impostos no âmbito do pacto de agressão da troica e, em particular, nesta proposta de Orçamento do Estado, recaem sobre os trabalhadores e o povo. A banca e os grandes grupos económicos são os beneficiários desta política, apropriando-se de parcelas crescentes da riqueza nacional, seja através dos juros da dívida pública, das privatizações, das parcerias público-privadas, dos inúmeros benefícios fiscais, dos contratos swap especulativos, ou ainda de uma acentuada diminuição de impostos que o Governo lhes pretende assegurar por via da reforma do IRC.

Tentando enganar os portugueses, o Governo e os partidos da maioria parlamentar repetem até à exaustão que os sacrifícios são para todos e que à banca e aos grandes grupos económicos também caberia a sua quota-parte de sacrifícios. Usam, para sustentar esta mentira, o facto de o Orçamento do Estado exigir à banca e às empresas do setor energético uma contribuição adicional de 150 milhões de euros. Contudo, este montante representa apenas 4% do total da consolidação orçamental, enquanto os cortes nos salários e nas pensões dos funcionários públicos, trabalhadores das empresas públicas e aposentados da Caixa Geral de Aposentações, e os cortes nas funções sociais do Estado correspondem a 82% dessa mesma consolidação orçamental.

Mais importante, os 150 milhões exigidos agora à banca e ao setor energético serão restituídos através de outras medidas, como, por exemplo, a reforma do IRC, a qual permitirá à banca e às grandes empresas poupar em impostos centenas de milhões de euros nos próximos anos.

Estamos, assim, perante uma mistificação, destinada a tentar esconder dos portugueses que os sacrifícios recaem apenas sobre os trabalhadores e o povo.

Para o mais grave problema social que atinge o País, o desemprego, o Governo continua a não querer encontrar resposta. O próprio Orçamento do Estado reconhece que, com estas políticas, o desemprego continuará a crescer em 2014, atingindo nessas previsões 17,7%, ainda assim muito abaixo do nível efetivamente existente. O Governo não quer encontrar solução para o desemprego, porque não tem interesse nisso, porque sem desemprego o Governo teria mais dificuldade em impor reduções de salários ou aumentos de horários de trabalho. O Governo mantém mais de 1,4 milhões de desempregados porque essa é uma peça central da sua estratégia política.

Atuando de forma diligentíssima como conselho de administração do grande capital, o Governo procura ainda, ao arrepio da Constituição da República Portuguesa, concretizar uma velha aspiração da política de direita: reconfigurar o Estado, à medida dos interesses da banca e dos grandes grupos económicos, à custa dos rendimentos dos trabalhadores e dos direitos sociais e laborais. Através de uma gigantesca operação de transferência de riqueza do trabalho para o capital, da qual este Orçamento do Estado é mais uma peça, o Governo quer impor um Estado mínimo para os trabalhadores e para as famílias e um Estado máximo para a banca e os grandes grupos económicos. Com esta política, não admira que o grande capital, nas sucessivas avaliações levadas a cabo no âmbito do pacto de agressão da troica, brinde o Governo com classificações positivas!

A política do Governo e da troica de transferência de riqueza do trabalho para o capital é ilustrada, de forma paradigmática, pela reforma do IRC, cuja discussão corre em paralelo à discussão do Orçamento do Estado. As alterações ao Código do IRC, propostas pelo Governo, introduzirão uma maior injustiça na distribuição do esforço de financiamento do Estado e das suas funções. Se, em 2011,os trabalhadores portugueses já pagavam de IRS quase o dobro do IRC pago pelas empresas, em 2014 o IRS será quase o triplo do IRC e nos anos seguintes este desequilíbrio tenderá a acentuar-se ainda mais. Ao mesmo tempo que se reduz o imposto pago pelas grandes empresas, agravam-se as dificuldades das micro e pequenas empresas e mantém-se um inqualificável saque fiscal aos trabalhadores e às famílias, em sede de IRS.

É esta a marca da política de classe deste Governo.

Com o Orçamento do Estado para 2014, o Governo pretende levar mais longe os cortes nos salários, nas reformas e pensões, nas prestações sociais e no investimento público, ao mesmo tempo que se propõe aumentar a verba que irá entregar à banca por conta do pagamento dos juros da dívida pública. Desde 2010 — ano de aplicação dos PEC, precursores do pacto de agressão da troica — até 2014, a despesa com os juros da dívida aumentaram mais de 50%, passando de 4800 milhões de euros para 7300 milhões de euros.

Estes números mostram claramente que, contrariamente ao que afirmaram o PS, o PSD e o CDS, o Memorando da troica foi assinado, não para evitar que o Estado ficasse sem dinheiro para pagar salários e pensões ou para manter as escolas e os hospitais a funcionar, mas para garantir que os credores nacionais e estrangeiros receberiam o capital e os juros da dívida pública até ao último cêntimo.

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

No cenário macroeconómico apresentado no Orçamento do Estado para 2014, o Governo prevê um crescimento de 0,8% do PIB. Esta é uma estimativa propositadamente otimista para tentar criar a ilusão de que, depois da austeridade e recessão, se está a entrar num novo ciclo de crescimento económico. Não há qualquer novo ciclo, o que há é mais do mesmo!

Há exatamente um ano, o Governo apresentou um Orçamento do Estado que assentava numa previsão, também ela otimista, de recessão de 1%. Tal como na atual proposta de Orçamento do Estado, também nessa altura os efeitos recessivos da austeridade foram subestimados.

Alguns meses depois, o Governo, confrontado com as consequências das suas políticas, foi forçado a admitir uma recessão bem mais elevada. Mas, entretanto, já tinha usado o seu fantasioso cenário macroeconómico, para justificar a continuação de uma política que não serve os interesses do País.

Hoje, o Governo repete a encenação. Usa um cenário macroeconómico otimista para tentar fazer crer aos portugueses que já há uma luz ao fundo do túnel, esperando, deste modo, tornar menos insuportável a austeridade com que esmaga os trabalhadores, os reformados, as famílias e as micro e pequenas empresas.

Mas ainda que se verificasse um crescimento económico, esse crescimento sempre seria anémico — mesmo nas previsões otimistas do Governo — e não se traduziria nem em mais emprego, nem num acréscimo da qualidade de vida dos trabalhadores, já que é acompanhado de duríssimas medidas de redução dos rendimentos e dos direitos desses mesmos trabalhadores. Num quadro de aprofundamento do desequilíbrio na distribuição de riqueza entre o trabalho e o capital — a favor deste último —, um crescimento do PIB continuaria a reverter a favor do capital.

O sucessivo incumprimento dos objetivos de consolidação orçamental — a redução do défice orçamental e da dívida pública —, quase que elevados pelo Memorando da troica a desígnio nacional, é usado pelo Governo como um pretexto para ir impondo, ano após ano, uma política de saque dos rendimentos do povo português.

Depois de 20 000 milhões de euros de medidas de austeridade dirigidas contra os trabalhadores e os portugueses em geral, o défice orçamental não diminuiu significativamente e a dívida pública aumentou. Usando a redução do défice e da dívida como pretexto, o Governo prepara-se para prolongar as medidas de austeridade para além da conclusão do Memorando da troica, em julho do próximo ano. Chamando-lhe «programa cautelar» ou «segundo resgate», o que o Governo pretende é aprofundar o processo de reconfiguração do Estado, moldando-o à medida dos interesses e dos desejos da banca e dos grandes grupos económicos, à custa dos direitos e rendimentos dos trabalhadores e do povo.

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo:

Rejeitando a opção do Governo e da troica de tirar aos trabalhadores e ao povo para dar à banca e aos grandes grupos económicos, o PCP irá propor, na discussão na especialidade do Orçamento do Estado, um conjunto de propostas, das quais destacamos a renegociação da dívida, a suspensão e extinção das parcerias público-privadas e a anulação dos contratos swap.

Destacamos, pela sua importância, a proposta que apresentamos para a renegociação da dívida. O PCP proporá um regime de renegociação da dívida pública que estabeleça um limite máximo para o pagamento de juros da dívida pública em 2014, correspondente a 2,5% do valor das exportações de bens e serviços. Esta proposta, que se traduz numa redução da despesa superior a 5600 milhões de euros, assegura ainda que é paga a componente legítima da dívida pública sem empobrecer os portugueses e sem afundar a economia nacional.

O próprio Governo reconhece, na proposta do Orçamento do Estado, que em 2014, sem renegociação, a dívida pública continuará a aumentar em termos nominais. O Memorando da troica, na sua versão inicial, previa que a dívida atingisse os 109% do PIB, em 2013. Na realidade, já ultrapassou os 130%. Com as políticas da troica, a dívida pública, em vez de diminuir, aumentou!

A proposta do PCP, formulada em abril de 2011, de renegociação da dívida, em alternativa ao Memorando da troica, mereceu a rejeição do PS, PSD e CDS, que a consideraram irrealista e até mesmo irresponsável. Dois anos e meio depois, a necessidade de renegociação da dívida tornou-se um imperativo nacional, admitido por setores cada vez mais amplos da sociedade portuguesa, mesmo por alguns daqueles que na altura a criticaram.

Apresentaremos também uma proposta de redução dos encargos com as parcerias público-privadas, transferindo para as entidades concessionárias apenas as receitas obtidas com a exploração e assegurando, excecionalmente, os recursos adicionais necessários à prestação dos serviços e à manutenção dos postos de trabalho quando aquelas receitas não forem suficientes. Esta proposta, que permite obter já em 2014 uma redução significativa das despesas do Estado, deverá ser acompanhada de um processo de extinção das parcerias público-privadas e a sua consequente reversão para o Estado.

Proporemos, por fim, a anulação dos contratos swap ainda existentes entre empresas públicas e o Banco Santander, recusando que os impostos dos portugueses ou o endividamento do Estado continuem a pagar a especulação e apontando uma poupança máxima de cerca de 1225 milhões de euros.

Estas e outras propostas que apresentaremos em sede de discussão na especialidade do Orçamento do Estado permitem a redução substancial da despesa do Estado, não à custa dos trabalhadores e do povo, como faz o Governo, mas travando o escoamento de dinheiro público para os cofres da banca e dos grandes grupos económicos, nacionais e estrangeiros.

Recusando liminarmente as opções do pacto de agressão, subscrito pelo PS, PSD e CDS, apresentaremos um conjunto de propostas de alteração ao Orçamento do Estado que afirmem uma política alternativa, patriótica e de esquerda, de que o País necessita para sair da grave situação em que se encontra. Propostas que defendam os salários, as pensões e as prestações sociais, que defendam as funções sociais do Estado como elemento essencial para a concretização de uma democracia nas suas múltiplas dimensões: política, económica, social e cultural. Propostas que apontem uma outra política económica, mas também uma mais justa redistribuição da riqueza.

(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças,

O Orçamento do Estado para 2014 é um Orçamento mentiroso. Mentiroso, porque o Governo estabelece metas que sabe de antemão que não vai cumprir.

Vejamos, por exemplo, o caso do défice orçamental. O Governo nunca cumpriu as metas do défice, apesar de essas metas terem sido sucessivamente revistas em alta, ao longo dos últimos anos.

Apesar dos 20 000 milhões de euros de austeridade, impostos aos portugueses nos últimos anos, o défice não diminuiu significativamente.

Para 2014, o Governo estabelece uma meta de 4% para o défice orçamental, mas, ao mesmo tempo, impõe duríssimas medidas de austeridade, que reduzem dramaticamente a procura interna.

Por isso, Sr.ª Ministra, pergunto-lhe: como é que pode querer cumprir o objetivo do défice, de 4%, com estas medidas de austeridade? Não é possível, Sr.ª Ministra, e sabe-o muito bem. Como também sabe que não é possível, com esta política, pagar a dívida pública, que, como a Sr.ª Ministra já reconheceu publicamente, irá continuar a crescer, em termos nominais, no próximo ano.

Ora, como não é possível cumprir os objetivos de consolidação orçamental, Sr.ª Ministra, pergunto-lhe, como perguntei ao Sr. Primeiro-Ministro: qual o plano que tem escondido e que pretende aplicar quando se verificar o incumprimento desses objetivos de consolidação orçamental?

Sr.ª Ministra das Finanças, o Governo não se tem cansado de repetir, tal como em anos anteriores, que o Orçamento faz uma repartição equitativa dos sacrifícios. Alegadamente, de acordo com o Governo, todos os portugueses, todos os setores da sociedade seriam chamados a participar no esforço coletivo de consolidação orçamental. Isto, Sr.ª Ministra, simplesmente não é verdade. Não há qualquer equidade na distribuição de sacrifícios. Aliás, nem sequer há distribuição de sacrifícios, já que as medidas de austeridade são sempre dirigidas contra os mesmos — os trabalhadores e o povo. E queremos confrontá-la com mais um exemplo disto, Sr.ª Ministra: a diferença entre os impostos sobre o trabalho e os impostos sobre os lucros, nomeadamente da banca e dos grupos económicos.

No ano de 2000, o IRC pago pelas empresas correspondia a 69% do IRS pago pelos trabalhadores; em 2013, o IRC representava apenas 37% do IRS; e, em 2014, com o Orçamento do Estado que propõem, esta percentagem será ainda menor, isto é, serão arrecadados 12 400 milhões de euros de IRS e apenas 4500 milhões de euros de IRC. E, nos próximos anos, com a reforma do IRC que o Governo quer implementar, este desequilíbrio irá acentuar-se ainda mais.

O Governo enche a boca com os 150 milhões de euros que irá cobrar adicionalmente aos bancos e às empresas do setor energético com este Orçamento do Estado, mas esquece-se, muito convenientemente, de dizer que estes 150 milhões de euros que a banca e o setor energético agora entregam serão mais do que recuperados, por exemplo com a reforma do IRC que o Governo quer implementar. Ao longo dos próximos anos, se esta reforma do IRC for em frente, as grandes empresas pouparão, anualmente, centenas de milhões de euros em impostos, ou seja, serão os trabalhadores que, com os seus impostos, irão compensar a redução dos impostos pagos pelas grandes empresas.

Mas, Sr.ª Ministra, podemos falar ainda de outras transferências de riqueza do trabalho para o capital inscritas no Orçamento do Estado, como a transferência anual de uma fatia crescente de juros da dívida pública para os cofres da banca (atualmente, esta verba já ultrapassa os 7300 milhões de euros), o aumento dos encargos com as parcerias público-privadas que, em 2014, crescerão para mais de 1600 milhões de euros, e ainda as privatizações, os contratos swap especulativos e os inúmeros benefícios fiscais para a banca e para as grandes empresas.
Sr.ª Ministra, é uma evidência que não há distribuição de sacrifícios. A opção do Governo é a de tirar a quem vive do seu trabalho para entregar à banca e aos grandes grupos económicos. Esta política e estes sacrifícios podem servir esses interesses, mas não servem, certamente, nem os trabalhadores, nem o País.

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