Intervenção de Pedro Carvalho, Encontro Nacional sobre os 20 anos de adesão de Portugal à CEE/UE

Os Fundos Estruturais e os 20 anos de adesão

Antes de fazer algumas reflexões políticas sobre os Fundos Estruturais, torna-se
necessário um pequeno desvio, pois os Fundos estão inseridos num processo e num
contexto que importa salientar.

Faz 20 anos que Portugal aderiu à então CEE, participando no processo de
integração capitalista europeia. Este processo não é neutro, a União Europeia é
um instrumento de classe, ao serviço das grandes potências e do grande capital
europeu, representado pela UNICE e a mesa redonda dos industriais, alicerçado
no compromisso político entre conservadores e sociais-democratas.

Nestes 20 anos, a UE aprofundou os seus três eixos fundamentais e
interdependentes - o federalismo, o neoliberalismo e o militarismo. O capital e
as elites políticas que o defendem há muito que sonham com a Europa potência
regional, um bloco imperialista político-económico-militar com uma ampla área
de influência pan-europeia-mediterrânica.

A adesão de Portugal coincide com o Acto Único Europeu e o seu mercado
interno, um salto significativo no processo de integração que abriu as portas
ao Tratado de Maastricht e à dita “Constituição Europeia”. A adesão ajudou ao
«ajuste de contas» com o projecto de Abril e a União Europeia contribuiu para
consolidar 20 anos de política de direita de governos sucessivos PSD, PS e
PSD/CDS-PP.

É neste contexto que temos de ver os Fundos Estruturais, que são sempre
vendidos como mostra da solidariedade europeia e o grande benefício da
integração. Em Portugal estes dão rosto à União Europeia no sempre citado
exemplo do betão e das auto-estradas. O volume financeiro é importante, mais de
50 mil milhões de euros entraram em Portugal desde a adesão, contando com as
ajudas de pré-adesão. No último quadro financeiro de 2000-2006 entraram 8,8 mil
milhões de euros por dia, ou seja, 84 cêntimos por habitante/dia. Existem
diversos estudos que mostram o impacto dos Fundos no crescimento nacional. Um
estudo de 2002 da Comissão, estimava o contributo destes Fundos para o
crescimento do PIB nacional em 0,4 pontos percentuais para o período 2000-2006,
o mesmo estudo estimava também um crescimento médio do PIB de 2,5% para o mesmo
período, tendo o real ficado a menos de metade (1,2%). A verdade transposta
neste e noutros estudos é que o investimento é importante para o
desenvolvimento económico e que o investimento público tem um efeito de alavanca.
E aqui o cenário é sombrio, o investimento total em Portugal, desde 2000,
sofreu uma redução de cerca de 14%, com a particular redução do investimento
público face à obsessão com o défice e o Pacto de Estabilidade.

Mas a questão central, camaradas, é que os Fundos Estruturais são também um
instrumento desta União Europeia e como tal não são neutros. Mais, não são
solidariedade, são compensação, compensação interesseira!... Vejamos. Os Fundos
Estruturais contribuíram para alicerçarem o mercado interno no chamado Pacote
Delors I (1988-1992), para a constituição do Euro no Pacote Delors II
(1993-1999), para a Estratégia Europeia de Emprego, Pacto de Estabilidade e
Alargamento na Agenda 2000 (2000-2006) e agora estão ao serviço da agenda
neoliberal de Lisboa no quadro financeiro para 2007-2013. Por isso, os Fundos
são fonte de compensação para países como Portugal pelos custos económicos e
sociais decorrentes destas políticas, nomeadamente do acréscimo de
concorrência. A coesão económica e social inscrita nos Tratados, não só não tem
os meios necessários à sua plena realização, como está subordinada as restantes
políticas da União Europeia. O caso do último alargamento é paradigmático, onde
apesar da adesão de países com um rendimento médio de cerca de metade do rendimento
da União Europeia, se manteve o limite máximo do orçamento comunitário em 1,24%
do RNB comunitário desde a Agenda 2000. Ou mesmo o caso do próximo quadro
financeiro para 2007-2013, aprovado em Dezembro de 2005, onde os Fundos
Estruturais passam de 0,41% para 0,37% do RNB comunitário agora numa União
Europeia a 27 a partir de 1 de Janeiro de 2007.

Mas os Fundos contribuem também para alargar o mercado interno, por cada 3
euros que entraram em Portugal um retornou as empresas dos países mais ricos na
forma de importação de bens e serviços. O mesmo é válido em diferentes graus
para os restantes Países da Coesão e, agora, para os países do alargamento.

Por isso a questão é se os Fundos compensaram os
custos de 20 anos de
integração comunitária? E as evidências apontam que não (sem
desvalorizar os
contributos dos Fundos ao nível das infra-estruturas, nomeadamente das
redes
viárias). O crescimento económico tem vindo a desacelerar de década
para
década, assim como a convergência com a UE. O PIB per capita estagnou
mesmo no período 2001-2006. Desde 2000, que o país
está em divergência e com a taxa de desemprego a aumentar a níveis
superiores a
1987. As desigualdades e as assimetrias regionais agravaram-se e
mantêm-se
elevadas (entre litoral e interior, entre urbano e rural), com destaque
para a
divergência da região Norte - hoje, com o menor PIB per capita do país
- e da Região Centro, que também tiveram o maior
crescimento do desemprego, 108% e 123% respectivamente entre 1999 e
2005 (e as
assimetrias regionais vão agravar-se mais ainda com a redução das
ajudas para
2007-2013 para as regiões do Algarve e da Madeira). O défice médio da
balança
de transacções correntes cresce de década para década, o que mostra a
crescente
dependência e o estado do sector produtivo, nomeadamente ao nível dos
bens
transaccionáveis. O défice atingiu os 14 mil milhões de euros em 2005,
ou seja,
por cada euro de excedente da balança de transacções correntes em 1986,
temos
cerca de 28 euros de défice. Por outro lado, as desigualdades sociais e
o
trabalho precário não param de crescer e Portugal conta hoje com 2,2
milhões de
pessoas abaixo do limiar de pobreza. Um indicador, o PIB per capita em
paridades de poder de compra face à União Europeia, utilizado
para a elegibilidade dos Fundos, mostra mesmo um recuo de 16 anos na
convergência nacional com a União Europeia e está quase ao nível do
primeiro
ano de adesão.

Para 2007-2013, no denominado QREN - Quadro de Referência Nacional, face a
este retrato, vamos ver as transferências comunitárias cortadas em mais de 15%,
ou seja, menos 1,3 milhões de euros por dia face a 2000-2006. Mas pior, as
novas orientações estratégicas comunitárias para a Coesão, subordinadas à
Estratégia de Lisboa, com a decisão de pelo menos 60% dos Fundos para as
denominadas regiões de convergência e 75% para as restantes serem utilizados
para financiar esta estratégia, vão colocar em causa a flexibilidade na
aplicação dos Fundos Estruturais ao serviço de um verdadeiro plano de
desenvolvimento regional e nacional e pô-los ainda mais em sintonia com a
política de direita. A alteração dos objectivos vai modificar o tipo de
projectos a serem financiados, ou seja, por exemplo, no caso do Fundo Social
Europeu, os projectos estarão ligados às políticas activas de emprego na
promoção das ditas "empregabilidade" e "flexisegurança",
que visam "flexibilizar" o despedimento e as relações contratuais de
trabalho.

Por outro lado, camaradas, tal como o ouro do Brasil, podemos perguntar
como foram utilizados estes recursos? Uma parte desbaratado, como no caso da
formação profissional desligada da realidade e das reais necessidades do País, servindo
muitas vezes para a "redução" fictícia do desemprego (isto para não
falar do dinheiro desbaratado em casos de irregularidades, enriquecimento
pessoal e mesmo fraude/corrupção). Uma outra parte, como nas pescas e na
agricultura, ajudou à liquidação destes sectores, com a promoção do abandono da
produção e o abate de embarcações.

Conclusão, ao contrário do propagandeado, os Fundos acabaram por servir
estratégias que tiveram consequências económicas e sociais que hoje sofremos e
não compensaram as consequências económicas e sociais de 20 anos de adesão, não
diminuíram as disparidades regionais existentes, nem conseguiram contrariar as
consequências da convergência nominal imposta pelo Euro, nem alterar a perfil
produtivo do país, baseado nos baixos salários e nos sectores de baixo valor
acrescentado. É de lembrar que o resultado de muitos investimentos activos
materiais e imateriais foram atenuados ou mesmo anulados devido à
simultaneidade de políticas macroeconómicas de cariz recessivo. Já para não
falar da falta de meios para as micro e pequenas empresas. Tudo agravado pela
sua incorrecta utilização, em diversos casos, pelos sucessivos governos
portugueses do PSD, PS e PSD/CDS-PP, os quais têm particulares
responsabilidades nas opções tomadas e na aceitação de prioridades comunitárias
em sintonia com a política de direita e ao serviço dos interesses do grande
capital. É de sublinhar que mesmo no actual contexto os Fundos poderiam ter
contribuído para um efectivo e sustentado desenvolvimento do País. E isso é o
pior, à falta de um projecto de desenvolvimento regional e nacional próprio,
"importaram-se" as orientações e modelos europeus, longe das
necessidades e especificidades do país.

Estes são 20 anos perdidos para o projecto democrático, de
desenvolvimento económico e social que responde às necessidades do país e que
foi aberto com o 25 de Abril. E este, camaradas, é o projecto que urge cumprir,
com ou sem "Europa".

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